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1. INTRODUÇÃO

1.7 Consumidor regular, estável de maconha

Uma questão importante que surgiu ao longo da pesquisa e mesmo no desenvolvimento da coleta de dados é o sentido do que entendemos e definimos como consumidor regular ou estável de maconha.

Esse consumidor era o que nos interessava. Para nós o consumidor que apenas já experimentou ou mesmo que eventualmente consome não era o foco de nossa pesquisa. Não nos interessava também aquele consumidor que fez ou faz um consumo abusivo da substância ao ponto de em algum momento deixar de realizar os seus “compromissos sociais” tais como trabalho, estudo, vida social, etc., e por isso ter necessitado de centros de referências e ajuda de qualquer espécie. O objetivo é os consumidores que regularmente consomem e estão socialmente integrados, o que pode ser entendido como um consumo habitual e controlado da substância. Com o desenvolvimento da pesquisa, esse ajuste entre consumo e desempenho de atividades cotidianas (trabalho, estudo, lazer, convivência familiar e social) tornou-se um dos focos principais.

Assumir tal aspecto já é considerar uma perspectiva que diverge essencialmente das visões mais conservadoras do fenômeno do consumo de maconha cujo discurso é acompanhado de condenação moral. Nesse sentido um desafio colocado a essa pesquisa seria conseguir definir um “consumidor regular” de maconha sem idealizá-lo, para não nos distanciarmos da problemática concreta do estudo. Uma perspectiva interessante e que se aproxima do mundo do consumidor regular de maconha, é o clássico estudo sociológico de Howard S. Becker – “Outsiders – estudos de sociologia do desvio” (2008).

Becker (2008) se contrapõe às ideias convencionais e estereotipadas sobre consumir maconha, tais como a supervalorização do potencial farmacológico ou que experimentar um cigarro de maconha torna o sujeito imediatamente dependente ou potencial consumidor de drogas mais pesadas. Reflete e afirma que o grau de adesão dos sujeitos a padrões de consumo não envolve atos isolados e eventuais acusações, mas aprendizados específicos.

O consumo de maconha, usualmente explicado como decorrente de traços psicológicos, tem significados e motivação socialmente configurados, e o aprendizado de técnicas e interpretações do consumo são construídos ao longo da carreia, no caso, de consumidor de maconha (BECKER, 2008).

Fumar maconha por prazer. Chegar a tal “etapa”, envolve um processo, uma seqüência de experiências que abrange: 1. o aprendizado da técnica de fumar; 2. aprender a perceber os efeitos ou a identificação dos efeitos e atribuição desses efeitos ao uso da maconha; e 3. aprender a gostar dos efeitos ou a redefinição das sensações prazerosas (BECKER, 2008).

Essa noção é refinada ainda mais quando refletimos que o prazer ao fumar maconha é condição necessária, mas não suficiente para que uma pessoa desenvolva um padrão estável no consumo. Alguém só se torna um consumidor regular de maconha se “lutar ainda com as poderosas forças de controle social que faz o ato parecer inconveniente, moral ou ambos” (BECKER, p. 69, 2008). Nesse sentido uma questão é colocada pelo autor:

Qual é a seqüência de eventos e experiências pela qual uma pessoa se torna capaz de levar adiante o uso da maconha, apesar de elaborados controles sociais que funcionam para evitar tal comportamento? (BECKER, p. 70, 2008).

Se nos valemos do estudo de Becker (2008), essa pergunta pode ser respondida observando três elementos essenciais presentes no mundo social do consumidor de maconha: 1. a questão do fornecimento da erva, que por ser ilegal há certa restrição na distribuição para os consumidores; 2. a questão do sigilo, que restringe o consumo à medida que existe a crença de que se “não-consumires” descobrirem o consumo, sanções poderão ser aplicadas por pessoas das quais os consumidores necessitam do respeito e aceitação; 3. a questão da moralidade, que torna-se também um meio de controle do consumo, na qual o consumidor precisa lidar com o estereótipo de “viciado em drogas”.

A partir desses parâmetros podemos definir melhor o que estamos entendendo como consumidor regular, recreacional ou estável de maconha. A maneira pela qual o

consumidor lida com os controles sociais ou como esses atuam na vida desses sujeitos pode ser decisivo para a relação que o consumidor estabelecerá com a erva. Especificamente refletindo sobre o consumidor regular, tal relação só se estabelece se o sujeito possuir, por exemplo, na questão do fornecimento, uma fonte de distribuição mais estável. Se o consumidor apenas possui acesso à maconha em encontros eventuais com outros consumidores, isso, por sua vez, não permite a construção de um consumo estável. Para isso é preciso de uma fonte certa na qual o consumidor pode ter a cannabis sempre que desejar (BECKER, 2008).

Em linhas gerais, tomamos essa referência de consumidor regular de maconha, na qual a carreira do consumidor se desenvolve de um estágio inicial para ocasional, e finalmente, para o de consumidor regular em função desses aprendizados necessários e dessas pressões sociais, podendo haver sucessos e fracassos em cada um destes estágios. Tal concepção parece refletir de forma coerente a concepção de Becker de mundos sociais enquanto mundos formados por pessoas que conjuntamente, com graus diferentes de comprometimento, produzem realidades que as definem (MOURA, 2008).

Tornou-se primordial, a partir das questões suscitadas acima, buscar as variadas táticas empreendidas por sujeitos consumidores de maconha de camadas médias urbarnas para conciliar de modo adequado o consumo da erva com as demandas colocadas por seu meio social (MACRAE & SIMÕES, 2004). Buscamos dessa forma, descrever como os consumidores regulares de maconha vivenciam sua relação com a substância, o que nos encaminhou para a investigação dos significados e sentidos culturais associados a esse tipo de comportamento.