• Nenhum resultado encontrado

6. DISCUSSÃO

6.1 Circunstâncias no início e progressão no

O grupo investigado atribuiu como droga ilícita mais consumida a maconha e a droga lícita o álcool, sendo o tabaco consumido em proporção menor. Outras “drogas” são citadas em consumo esporádico ou social, sem a regularidade da maconha. Cocaína, haxixe e LSD (“doce”) são as “drogas” mais consumidas esporadicamente. Ainda houve, com menor freqüência, referencias ao “êxtase”.

A esse respeito, assim como também foi observado por VELHO (1998), entendemos que o grupo considera o consumo irregular de “drogas” como cocaína e LSD como “consumo aceitável”, certa tolerância é assumida. Mas a regularidade em consumir tais “drogas”, assim como o crack, pode ser vista como um “consumo ruim” ou como um grau de dependência preocupante, característica de um consumo não regular ou “normal”, ou seja, um consumo desviante. Certa valoração aparece e tais formas de consumo são indicadas como aquelas com as quais o grupo não se identifica ou não possui como referência. Tal fato pode indicar, na lógica desse grupo, um “controle” exercido, uma norma de constituição grupal, capaz de incluir ou não determinados sujeitos e situações de consumo, por fim, uma representação social orientadora da prática de consumo dos entrevistados.

A primeira experiência com a erva em termos de idade ocorreu na idade mínima de 12 à idade máxima de 21 anos de idade, o que aponta que a iniciação não acontece invariavelmente na adolescência como alguns estudos sugerem (ver, por exemplo, JUNGERMAN, 2005; MAGALHÃES, BARROS, SILVA, 1991 e RIGONI, OLIVEIRA, VALENTE, et al, 2007). Nos relatos dos participantes, os motivos principais associados à primeira experiência foram a curiosidade e a influência da “galera”, do grupo ao qual os sujeitos estavam inseridos. A “galera” trata-se da comunidade imediata dos consumidores, tais como amigos, primos, irmãos, que “iniciaram” os sujeitos no consumo. Pessoas que funcionaram como instrutores do aprendizado de consumir a erva.

Não é incomum na literatura a presença de estudos que postulam a influência de amigos, família e comunidade imediata do sujeito influenciando a primeira experiência de consumo de substâncias como o tabaco, o álcool e outras “drogas” (VIERA, AERTS, FREDDO, et aliae, 2010). Mas Bastiãozinho, João Bosco e Castaneda ressaltam que, embora conhecessem ou convivessem com pessoas que consumiam maconha, a decisão pelo uso foi iniciativa própria, menos associada ao coletivo, para adquirir informações sobre a maconha e experimentá-la, caracterizando uma iniciação não grupal.

Apesar disso, consideramos que, no desenvolvimento do consumo de maconha, a vivência coletiva de consumir e a convivência com outros consumidores mais experientes no consumo de maconha são essenciais na medida em que através delas, regras, valores, técnicas de consumo, lugares apropriados ou não para consumir, fontes de fornecimento da erva, desenvolvimento de estratégias para manter o consumo em certo controle, entre vários outros processos, são compartilhados e aprendidos pelos consumidores iniciantes.

Além disso, os consumidores mais experientes são aqueles que permitem aos iniciantes relativizar os “temores” e tornam a experiência de consumo da erva mais acessível. Pode-se pensar na existência de certo “ritual de iniciação” no qual são ensinados procedimentos básicos para fumar ou para se comportar no momento do consumo. Via de regra, tais elementos são informalmente trocados entre os consumidores, caracterizando e possibilitando gradativamente a seqüência de aprendizado essencial para transformar a experiência de fumar maconha em algo prazeroso, etapa fundamental para a saída do consumo experimental e ocasional para o de estabilidade, que possui regularidade (BECKER, 2008).

A iniciação ao consumo normalmente acontece, conforme citado pelos entrevistados, através de redes de amigos, irmãos, primos, o que sugere algum tipo de influência destes. Entretanto não podemos afirmar que tais sujeitos foram “forçados” a consumir a droga. A afirmação da ideia de submissão ao grupo como único fator de influência para o consumo não nos permitiria explicar a razão pela qual algumas pessoas, após as experiências com a erva, não desenvolvem um consumo regular, adotando um padrão de

consumo ocasional ou simplesmente não consumindo mais. Ou seja, padrões de consumo diferenciados ou mesmo a ausência de consumo, após a experimentação, não seriam possíveis em função da coerção coletiva (MACRAE E SIMÕES, 2004).

Conforme afirmam MACRAE & SIMÕES (2004, p. 51) a questão sobre os motivos que levam a consumir certa droga é complexa e não nos permite explicações generalizadas recorrendo “ora à formulação genérica de determinados traços psicológicos individuais - tais como impulsos escapistas, incapacidade de enfrentar a realidade, etc. - ora à força coercitiva das „normas grupais‟”.

Na maioria dos relatos dos sujeitos fica evidente que na época da primeira experiência, e até em momento anterior a esta, todos já possuíam certos conhecimentos ou ideias sobre a erva, originados por vias midiáticas, familiares, campanhas anti-”drogas”, escolas ou mesmo pela convivência com pessoas que consumiam maconha. Alguns ainda relatam que antes de sua iniciação ao consumo informações foram buscadas, seja por revistas, internet ou em apresentações de seminários na época de faculdade. Pode-se considerar tal comportamento como possível estratégia de tornar o objeto maconha mais acessível, mais próximo, reduzindo “temores” e adquirindo conhecimento supostamente mais preciso a seu respeito. Com isso as expectativas sobre os efeitos e alterações seriam mais bem consideradas.

A partir de então certas noções teóricas sobre maconha foram construídas. Noções abstratas, não vivenciadas e experimentadas, no máximo observadas através do consumo de pessoas próximas. Fato de destaque é que havia certo consenso de que as informações que possuíam, na grande maioria das vezes, após a primeira experiência, ou seja, em função da real vivência do objeto, mostraram-se equivocadas, seja pela “fantasia” criada acerca do consumo, ou seja, pelos tons alarmistas e dramáticos veículos em concepções sobre o consumo. A primeira e as progressivas experiências permitiram, portanto, testar as concepções iniciais assim como contrapor as informações e noções “oficiais” ou hegemônicas na sociedade com um todo sobre a maconha (MACRAE & SIMÕES, 2004a).

A curiosidade em consumir a erva apareceu com duas conotações: a primeira associada à experimentação de coisas novas, ao conhecimento de novas perspectivas sobre o mundo, de aumentar a percepção sobre o mundo. Nesse caso, o significado não indica fuga da realidade, algumas vezes associado com perdas de referências tais como família, religião e instituições. A segunda conotação apareceu em sentido mais usual, de saber o que é fumar maconha, quais efeitos e alterações seriam causados, como seria a “onda”, ou seja, de acabar com a curiosidade, de sair de uma concepção abstrata do que é maconha para a vivência. Outros motivos foram citados e todos faziam referência a certa curiosidade em função do não conhecimento do que era consumir maconha.

Importante registrar que até alcançar o padrão de consumo atual, os sujeitos destacaramum processo gradual de progressão de consumo e não a freqüência imediata. O tempo individual de uma etapa de consumo para o outra, obviamente foi variado, em função do empenho em querer consumir a erva e manifestação de oportunidades. O crescimento gradual na quantidade fumada até a freqüência atual não ocorreu sem intervalos. Esses intervalos entre a primeira experiência e a seguinte não ocorreram em igual periodicidade. Como exemplo, para Bastiãozinho o tempo foi de um mês a dois entre as experiências iniciais. Nessa sucessão de experiências, os intervalos deixaram de ser irregulares e posteriormente adquiriram regularidade.