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As Alterações no Sistema de Repartição das Receitas Tributárias entre União, Estados e

2. PRINCIPAIS ANTECEDENTES DA REFORMA TRIBUTÁRIA DE 1988

2.3 As Alterações no Sistema de Repartição das Receitas Tributárias entre União, Estados e

Conforme ensina MAURO SANTOS SILVA (2005, p. 99), o período compreendido entre 1964-1988 apresenta importantes alterações no campo do federalismo fiscal, como pode ser visto abaixo:

O desenho do federalismo fiscal no período 1964-1988 foi caracterizado por mudanças associadas às transformações do papel desempenhado pelo Estado na promoção do desenvolvimento econômico. Três períodos merecem destaque: as alterações das regras tributárias (1964- 1967), no âmbito do Programa de Ação Econômica do Governo - PAEG, endereçadas a recomposição da capacidade de arrecadação e financiamento governamental necessárias, ainda que não suficientes para a sustentação do "milagre econômico " (1967-1973); as mudanças introduzidas no âmbito do II Plano Nacional de Desenvolvimento - PND (1974) e os ajustamentos na estrutura fiscal, decorrentes da crise da dívida na década de 80. (SILVA, 2005, p. 99).

Por sua vez, expusemos no subcapítulo 1.3, que a reforma tributária de 1966, uma vez tendo concentrado a arrecadação de tributos no Governo Federal, promoveu também a criação do Fundo de Participação dos Estados (FPE) e do Fundo de Participação dos Municípios (FPM), através do qual determinada parcela dos impostos arrecadados no nível federal era repassada às demais esferas de governo.

Sob o primeiro período, que alberga as alterações efetuadas no sistema tributário brasileiro entre 1964-1967, além daquelas já mencionadas acima, cumpre analisarmos melhor a criação dos Fundos de Participação dos Estados e Municípios.

O panorama antes e com a reforma tributária pode ser assim sintetizado:

Em 1960, o governo federal, os estados e os municípios tinham uma participação de aproximadamente 64%, 31% e 5% na arrecadação total, respectivamente. Tendo em vista as transferências, cabiam aos três níveis de governo, na mesma ordem, em torno de 60%, 34% e 6% do total da receita disponível. Em 1965, no contexto da reforma tributária que se iniciava e após uma certa descentralização ocorrida no início da década – ainda em um contexto democrático -, o governo central mantinha ao redor de 55% dos recursos disponíveis para o setor público, cabendo a estados e municípios cerca de 35% e 10% dos mesmos, respectivamente (GIAMBIAGI e ALÉM, p. 258, 2011)

Continuando nossa análise, os Fundos de Participação dos Estados e dos Municípios foram previstos nos artigos 20 a 24, da Emenda Constitucional nº 18, de 1965. Acerca da participação dos Estados e Municípios no produto da arrecadação federal proposto pela referida Emenda Constitucional, FÁBIO GIAMBIAGI e ANA CLAUDIA ALÉM (p. 250, 2011) dispõem o seguinte:

Os fundos de participação dos estados (FPE) e dos municípios (FPM) eram calculados sobre a arrecadação conjunta do IR e IPI, e distribuídos, inicialmente, segundo percentual de 10% para cada esfera (20% no total), com previsão de aplicação adicional nos estados do Norte e Nordeste, de recursos fiscais provenientes de parcela da arrecadação do imposto de renda da pessoa jurídica (IRPJ). A criação dos fundos de participação teve como objetivo compensar a perda de capacidade tributária das esferas subnacionais resultante da reforma.

Com a edição do Código Tributário Nacional, em 1966, os dispositivos constitucionais acima citados restaram devidamente regulados pelos artigos 83 a 95 daquele diploma. Sob esta regulação, MAURO SANTOS SILVA (2005, 101) explica o seguinte:

Pela primeira vez o sistema tributário adotava critérios diretamente orientados a superação das desigualdades na distribuição regional da renda, privilegiando critérios macrorregionais. Foram instituídos os fundos de participação de estados e de municípios (FPE e FPM) compostos por recursos oriundos da base do IR e IPI, de competência federal. Porém, novamente se fez presente o poder da esfera federal, isto porque, a efetivação dos repasses estava submetida à prévia aprovação da programação de despesa das esferas recebedoras, que deviam atender as exigências de aplicação em saúde (10%), educação (10%), extensão rural (10%), fundos de desenvolvimento (10%) e despesas de capital (50%).

O mesmo autor acima citado aponta os resultados iniciais destas transferências:

Não obstante o êxito em relação ao alcance dos objetivos pretendidos pelo governo com o reordenamento do quadro tributário, o resultado representou um desmonte do federalismo fiscal, como pode ser percebido por meio da redução da base de composição dos fundos de participação (FPE e FPM),

redução da participação dos governos sub-nacionais na arrecadação do IUCL, perda parcial da base de ICM pelos governos estaduais como decorrência da desoneração das exportações e isenção de alíquotas concedidas pelo governo central. Desmonte que repercutiu em forma de desequilíbrios fiscais e crescimento do endividamento (SILVA, 2005, p. 101).

No mesmo sentido, GIAMBIAGI e ALÉM (2011, p. 258) apontam os efeitos da situação ao fim da reforma tributária:

Após a reforma, os estados sofreram limitações adicionais ao seu poder de tributar e, já em 1968, no auge do autoritarismo, também as transferências foram restringidas. O ato complementar nº 40/1968 reduziu o percentual transferido do IR e IPI de 20% para 12% de sua arrecadação em conjunto. Deste total, 5% seriam destinados a estados (FPE), 5% para municípios (FPM) e 2% para o então criado fundo especial (FE), cujos repasses eram direcionados segundo critérios não estáveis, diferentemente dos fundos de participação. A Emenda Constitucional nº 1 de 1969, por sua vez, estabeleceu que os recursos destinados a estados e municípios através dos fundos de participação, fundo especial e participação nos impostos únicos teriam vinculações a aplicações definidas pela esfera federal, com destaque para as despesas de capital. A redução na autonomia dos governos subnacionais ao longo do período ficou também caracterizada pela continua redução das alíquotas do ICM, principalmente até meados da década de 1970.

Conforme explicado acima, o segundo período importante entre 1964 e 1988, no que se refere as Repartições das Receitas Tributárias e os Fundos de Participação, se inicia juntamente com o II PND.

Acerca deste período, MAURO SANTOS SILVA (2005, 102) explica:

A manutenção do esforço de industrialização por parte do Estado, nos termos das políticas de desenvolvimento definidas no II PND, resultou na fragilização da capacidade financeira do setor público. Este cenário foi agravado pelas transferências, isenções e subsídios diretos e indiretos, pelo crescimento dos encargos referentes à dívida pública. Não obstante tais fatos, a derrota do governo federal nas eleições de 1974 e a abertura política resultaram num processo de repactuação federativa que se configurou via ampliação das receitas disponíveis e da autonomia para gestão fiscal em favor dos estados e municípios.

Fazendo uma ligação do início do II PND com o milagre econômico, GIAMBIAGI e ALÉM (2011, p. 259) explicam que:

Ao encerrar-se a fase do ‘milagre brasileiro’ (1968/1973), o sistema tributário já começava a mostrar os primeiros sinais de exaustão. Por um lado, a expressiva ampliação dos incentivos fiscais havia enfraquecido a sua capacidade de arrecadar. Por outro, os estados e munícipios começavam a esboçar alguma reação ao baixo grau de autonomia, o que freou o processo de crescente centralização das decisões a que haviam sido submetidos e gerou a Emenda Constitucional nº 5/1975, que elevou os percentuais de recursos ao FPE e ao FPM.

Ainda de acordo com os mesmos autores, diante da frágil situação financeira dos governos subnacionais, os percentuais de participação dos estados e municípios foram elevados

para 6% em 1976; 7% em 1977; 8% em 1978 e 9% em 1979/1980 (GIAMBIAGI e ALÉM, 2011, p. 259).

Por fim, a Emenda Constitucional nº 23, de 1983, conhecida como Emenda Passos Porto, consolidou este processo ao ampliar os percentuais do FPE e FPM para 12,5% e 13.5% (SILVA, 2005, p. 102).

Acerca da redução da arrecadação da União Federal, GIAMBIAGI e ALÉM (2011, p. 259) explicam o seguinte:

(...) a participação da União no total da receita tributária disponível teve uma queda de quase 10 pontos percentuais entre 1983 e 1988, enquanto sua participação na arrecadação dos três níveis de governo caiu cerca de cinco pontos percentuais no mesmo período. Foi neste ambiente que se deu início no primeiro trimestre de 1987 ao processo de elaboração da nova Constituição, posteriormente votada e promulgada em 1988.

Não fosse só isso, ainda de acordo com os autores acima temos que:

Em relação à descentralização dos recursos disponíveis, a clara preferência dos governos subnacionais por recursos transferidos ante a sua obtenção mediante esforço tributário próprio resultou, em face da omissão do governo federal no processo de concepção do novo sistema tributário, no excessivo aumento das transferências: os percentuais de repasse do IPI e do IR para o FPE e FPM foram, gradativamente, elevados, atingindo, a partir de 1993, 21,5% e 22,5%, respectivamente. O total transferido pelos estados para os municípios também aumentou de forma expressiva, tanto pelo alargamento da base do principal imposto estadual como pelo aumento do percentual de sua arrecadação destinado àquelas unidades, de 20% para 25%. Além disso, foi introduzida uma partilha adicional de IPI, cabendo aos estados 10% da arrecadação do imposto, repartido em proporção às respectivas exportações de produtos manufaturados. Desse total, 25% são entregues pelos estados a seus municípios (GIAMBIAGI e ALÉM, 2011, p. 259)

Concluindo, temos que no período 1965-1988, houve alterações no sistema de repartição de receitas em todos os sentidos: diminuindo-se as transferências e aumentando-se as vinculações e aumentando-se as transferências e diminuindo-se as vinculações. Este último cenário, em nossa visão, o mais pervertido possível, acabou sendo consagrado pela Constituição Federal de 1988.

Conforme exposto pelos autores acima, a diminuição das transferências e o aumento nas vinculações deveria ter como consequência um aumento no esforço próprio de estados e municípios em aprimorar suas próprias bases de arrecadação. Contudo, o que se viu foi o aumento no esforço destes entes em aumentar as transferências e reduzir as vinculações destas, de modo a manter defasada as suas bases de arrecadação. Este processo foi coroado pela Constituição Federal de 1988, conforme será exposto abaixo.