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ALTERIDADE – A RELAÇÃO COM A DIREÇÃO NA RE-INTEGRAÇÃO

6. A ESCUTA DOS SUJEITOS DA PESQUISA – Categorias desvendadas

6.5 ALTERIDADE – A RELAÇÃO COM A DIREÇÃO NA RE-INTEGRAÇÃO

Dando continuidade à abordagem da identidade do professor readaptado, na perspectiva da alteridade, este momento destina-se à análise da escuta dos professores readaptados ao se referirem à relação estabelecida com a direção escolar no momento de seu retorno.

No momento de retorno à escola a direção é, sem dúvida, uma referência para o professor readaptado. É dela, direção, enquanto representação da instituição no espaço escolar, que se espera a referência sobre como atuar.

Entretanto, os relatos apontam para uma desorientação por parte de alguns diretores, provocada pela falta de visão acerca das possibilidades concretas de atuação deste profissional.

[...] eu acho que eles [direção] me olharam como mais uma pessoa para ajudar (MARIA)

Nem a escola entendia direito qual era a minha função lá dentro e nem eu. (CARLA)

Você é... é uma coisa ali, é um ser de outro mundo, que ninguém sabe mais ou menos o que vai fazer com você (CARLA)

Mas nós fomos tentando, tentamos reforço, tentamos a recuperação paralela, tudo, e não deu. (CARLA)

Primeiro me ofereceram a coordenação pedagógica. De fato eu não queria. [...] Quando eu coordenei não gostei. [...] Então eu pressenti que se eu propusesse fazer outra coisa eu ia acabar coordenando também. Porque não tinha coordenador e eles precisavam. (RICARDO)

Eu fui muito bem recebida aqui, o primeiro lugar que eu fui chamada para ficar foi como apoio à coordenação. [...] A chefe do administrativo sugeriu que eu ficasse aqui na biblioteca, mas o diretor achou desaconselhável [...] A vice-diretora pediu para eu vir mais à noite, ela me faz propostas de “Vamos ali, vamos fazer formatura, vamos decorar mesa, vamos...” (MANUELA)

A perspectiva de atuação do professor, centrada exclusivamente no espaço da sala de aula, parece reproduzir-se aqui. A cultura institucional reforça a visão excludente de tantas possibilidades de atuação para professores. Parece existirem lugares marcados para onde o professor deva ser encaminhado, como demonstrou a análise quantitativa dos locais de atuação após a readaptação.

Parece existir, no momento do retorno do professor ao seu habitat-escola, um duplo estranhamento em função da mudança de nicho, ou seja, da mudança na forma de atuação desse profissional: de um lado o próprio professor que, tendo seu fazer profissional impactado pelo processo de adoecimento e readaptação, não consegue identificar, de imediato, uma nova forma de atuação; e de outro lado, a própria escola e aqueles que nela atuam que, por sua vez, não conseguem perceber o readaptado como passível de uma atuação construtiva fora do nicho da sala de aula como regente.

É preciso, ainda, não perder de vista que os servidores que ocupam os cargos de direção das escolas são, invariavelmente, professores regentes que por caminhos

diversos, dependendo da política institucional, acabam por se instalar nestes “postos de comando”, reproduzindo, assim, a visão predominante no ambiente da regência de classe.

Eu acho muito estranho, você não tem... noção do que vai acontecer com o seu amanhã. Uma direção que funciona bem e amanhã pode jogar qualquer pessoa aqui dentro [como diretor] e sua vida ser toda modificada, com um ego de um outro, ou pode mudar o governo e as coisas também... Porque nós não somos importantes. Apesar da lei dizer que somos importantes, nós não somos...” (MANUELA)

A indefinição de um lócus específico de atuação para o readaptado deixa-o a mercê das sazonalidades às quais a dinâmica escolar está sujeita.

No relato acima, Manuela demonstra preocupação com as possíveis alterações às quais possa ter que se submeter em função do perfil individual dos ocupantes dos cargos de direção. A fragilidade do suporte institucional para o professor readaptado, e a ausência de uma política que ampare o trabalho desses profissionais, coloca a professora em alerta.

Já Carla aponta para as suscetibilidades às quais o professor readaptado está sujeito em sua nova posição.

[...] eu já tinha problema de depressão e tinha dia que ela (a vice- diretora) dava piti. E eu peguei uma mesa que tinha na biblioteca e essa pessoa chegou e... “quem autorizou eu a pegar mesa na biblioteca?” por que eu não tinha que ter mesa, eu era apoio, eu tinha era que ficar no pátio solta.”(CARLA)

Parece ecoar, no relato da professora, a postura competitiva à qual se refere Maturana (1998) ao afirmar que a cooperação, mais que competição, é a base das relações humanas devendo, portanto, prevalecer àquela. Entretanto, em nossa cultura ocidental a competição se faz presente nas mais cotidianas das situações.

Ainda assim as falas prosseguem apontando, em geral, para uma boa receptividade pessoal, por parte dos participantes da direção das escolas.

Chegando lá o diretor falou ‘Não Carla você não vai mais embora daqui não!’ A secretaria estava meio bagunçada. Foi um ano muito feliz. Eu sabia o que ia fazer. (CARLA)

Eu tive sorte em entrar numa escola, como readaptado, e desenvolver esse trabalho bom com a colega e me sentir útil. Do tipo “Eu estou aqui, mas a cada dia eu tenho que estar provando o meu valor!”. Pelo contrário. A direção, os coordenadores, a escola, os

professores, a cada dia falavam “Poxa, a gente precisa de você”. (RICARDO)

Uma pessoa que eu tenho que agradecer muito foi esse diretor... “Olha Carla você é importante, você é inteligente, você é organizada. Deixa eu te aproveitar em outros lugares, não fica aqui solta, parada. Você me ajuda?” (CARLA)

Nessa escola especificamente, a direção é muito carinhosa, age com muito respeito [...] (MANUELA)

Trabalhei na escola com a direção muito legal, num ambiente legal, muito aguerrida, muito “afim” de fazer a coisa acontecer. Grupo de professores muito legal também. A maioria professores de contrato temporário, sem aquele envolvimento com a instituição, mas muito envolvidos com as crianças. (RICARDO)

Este agrupamento de falas expressa a importância, para o professor readaptado, do reconhecimento e acolhimento por parte da instituição, na figura da direção que a representa. Afinal, este indivíduo continua a ser um profissional, que retorna para o trabalho em condições especiais.

A perspectiva da alteridade se faz claramente presente neste momento, na medida em que este outro, que é a direção, atua de forma definitiva na constituição deste eu que é o professor readaptado.

A necessidade permanente de afirmação de sua capacidade para o trabalho, de reforço de sua identidade profissional é uma constante nas entrelinhas dos depoimentos dos professores readaptados.

Tinha cobrança mais em termos de horário, [mas] em termos de pedagógico mesmo, de a gente estar elaborando um projeto especial para a biblioteca, nunca teve, a gente até faz, mas por própria iniciativa. (MARIA)

A fala de Maria aponta para uma postura legalista da atuação do readaptado, no sentido estrito do cumprimento do horário de trabalho, sem preocupação com o processo, com o conteúdo e a contribuição a ser oferecida pelo profissional.

Abaixo, Carla oferece um relato peculiar sobre situação vivenciada em reunião de diretores, da qual teria participado na DRE PP/C.

Na hora que a diretora da Regional [de Ensino] tocava no assunto [dos] readaptados, os diretores “É porque na minha escola tem uns cinco, que não fazem nada! ...Eu não quero receber readaptado, eu quero é devolver aquele bando que eu tenho lá na escola!” (CARLA)

Tal manifestação torna-se extremamente representativa, uma vez que se trata de reunião de diretores de escolas com a direção da DRE e reforça a cultura institucional que estigmatiza e marginaliza os professores readaptados

Outra fala que chama atenção na relação estabelecida entre o readaptado e a equipe de direção, diz respeito ao reconhecimento da condição desse professor em situações limite, quando sua fragilidade é exposta de maneira desconcertante.

[...] o bibliotecário estava de licença médica e eles [a direção] pediram para eu abrir a biblioteca. Com uma certa resistência eu fui e fiquei na biblioteca alguns dias. Um dia eu estava [lá] e ele [diretor] disse “Nós estamos com problema, faltaram tantos professores, tem prova em todas as turmas, não tem quem aplique.” Ele disse “Eu quero que você entre e aplique prova.” Eu comecei a tremer e disse

“Não vou, não vou.” O assistente dele estava junto comigo. Falei

“Não vou, você sabe que eu não entro em sala, você sabe que eu não quero, você sabe que eu não posso, eu não estou aqui para isso.” Aí ele falou “Tá, tudo bem, eu vou ver o que eu faço.” Uns dois ou três dias depois esse assistente de direção chegou para mim e disse assim “Só ontem eu entendi porque você está readaptada. Eu já ouvi tudo o que você imaginar sobre você. Até que você não tem doença nenhuma, que você faz é corpo mole, que você não quer trabalhar. Mas na hora que eu te vi, o desespero que eu vi nos seus olhos, eu nunca vi no olho de ninguém, porque havia a possibilidade de você entrar na sala de aula para aplicar prova. (LEITORA)

A experiência vivenciada pela professora Leitora revela, além de um momento de sofrimento, a condição à qual o readaptado está submetido, frente à autoridade instituída, de ser solicitado a qualquer momento a cumprir tarefas na qualidade, já descrita por outros, de “tapa-buracos”. Ou seja, “na ausência de quem faça, chama-se o readaptado...” Situações como esta colocam a identidade desse profissional literalmente me xeque, tanto para si próprio quanto para a própria instituição que, na figura dos sujeitos com os quais esse professor convive, criam a imagem de alguém que está permanentemente disponível para tarefas aleatórias, não tendo, portanto, uma função definida.

Por fim Leitora e Manuela apontam o caminho da negociação e da autodeterminação para o estabelecimento de estratégias viáveis e consistentes de reintegração ao fazer pedagógico.

Eu tenho que descobrir como é que eu começo a encaminhar isso [retomada da atuação pedagógica] e eu acho que aqui dentro é possível, com a direção que tem aqui é possível. (MANUELA)

Eu vim conversar com o diretor da escola, ele achou interessante o projeto e disse que queria que eu voltasse. Ele me tratava com muito carinho quando eu vinha trazer o atestado médico, era muito

sensível... e eu vim discutir com a vice-diretora também alguns aspectos do projeto de como para a escola seria interessante [...]. (LEITORA)

Manuela demonstra a percepção da necessidade de assumir, de forma propositiva, os rumos de sua atuação, enquanto Leitora ainda no processo de readaptação deu início à negociação de seu retorno junto à direção da escola onde atuava, propondo projetos em sua área de formação específica, considerando suas limitações, das quais é ela própria a melhor conhecedora.

Os relatos apresentados neste tópico dão conta da necessidade do reconhecimento, por parte da direção enquanto instancia hierárquica na escola, da pessoa e do profissional readaptado, sem desconsiderar o papel a ser assumido por ele próprio, professor, no desenrolar de sua nova forma de atuar no ambiente.