• Nenhum resultado encontrado

+7,2*106 kJ.d-1, aproximadamente 3,8 vezes a energia necessária para o tratamento com lodos ativados, demonstrando uma das vantagens das tecnologias anaeróbias frente às aeróbias.

3.4 Alternativas de tratamento e análises das aplicações do biogás de ETEs para fins energéticos

Conforme destacado nas sessões anteriores, há a potencialidade de tornar estações de tratamento de efluente em produtoras de energia, o que pode ser otimizado, segundo Metcalf e Eddy (2016), pelo coprocessamento de recursos energéticos externos, como óleos, gorduras, graxas e sobras de alimentos, restando, então, o desafio de prospectar tecnologias capazes de extrair essa energia contida nos subprodutos da digestão anaeróbia eficientemente.

Antes de se pensar em apresentar uma destinação final ao biogás imediatamente após sua geração, – seja para produção de energia, seja para uma simples queima em flares – deve-se ponderar, primeiramente, a que fim o biogás gerado servirá; posteriormente, como ora discutido, deve-se investigar a respeito de sua composição, i.e., acerca da possível presença de compostos indesejados, como as potenciais substâncias contaminantes, gases inertes e gases odorantes, e.g., H2S, gás carbônico, vapor de água e compostos orgânicos voláteis (COVs),

com o intuito de evitar danos aos equipamentos empregados e prejuízos à saúde dos seus operadores e dos moradores da vizinhança. A Figura 6, retirada do relatório do Projeto PROBIOGÁS (BRASIL, 2015b), intitulado de Tecnologias de Digestão Anaeróbia com

Relevância para o Brasil: Substratos, Digestores e Uso de Biogás, exemplifica a que níveis

Figura 6 – Tratamento do biogás conforme seu uso final.

Fonte: BRASIL (2015b).

As tecnologias para tratamento do biogás podem ser classificadas quanto à sua natureza: biológica, física ou química, a depender de alguns parâmetros de análise, como classe, vazão e concentração dos poluentes, solubilidade e biodegradabilidade dos compostos a serem removidos, temperatura, pressão, teor de oxigênio do gás, potenciais impactos ambientais relacionados à transferência de poluentes e gastos previstos para investimento e manutenção dos equipamentos (NOYOLA et al., 2006). Para os autores, o tratamento do biogás acontece, geralmente, por vias físico-químicas, as quais são capazes de trabalhar a concentrações mais elevadas de poluentes, como verificada na Figura 7; enquanto os processos biológicos são preferidos para controle de gases odorantes, em concentrações relativamente baixas e susceptíveis ao tratamento aeróbico, como uma tecnologia de mitigação de impactos adversos nos equipamentos e nas áreas ao redor da ETE.

Figura 7 – Aplicabilidade de diversas tecnologias quanto à vazão de ar e à concentração do poluente.

Fonte: O AUTOR (2019), adaptado de CHERNICHARO et al. (2010).

Em se tratando de reatores anaeróbios tratando esgoto doméstico, Chernicharo et

al. (2010) concluíram que, posteriormente a uma análise qualitativa, constituem-se, como

predileção para destinação do biogás gerado, devido ao maior conjunto de vantagens inerentes à tecnologia, a combustão direta, os métodos bioquímicos, de uma forma geral, e, particularmente, os biofiltros. O Quadro 3 apresenta exemplos de tecnologias de tratamento do biogás, classificados por natureza.

Quadro 3 – Classificação de tecnologias para tratamento do biogás quanto a sua natureza. T E CN OL OG IAS US U AIS P AR A CONTROL E DE ODOR, H 2 S , CO 2 E CO Vs FÍS ICA S - Condensação; - Membranas; - Máscara; - Diluição; - Absorção (lavadores de gás);

- Adsorção (carbono ativado, alumínio ou sílica em gel).

QUÍM

ICA

S

- Combustão (flares, oxidação térmica e oxidação catalítica); - Precipitação química (FeCl2);

- Tecnologia de plasma;

- Oxidação (OCl-, O3, H2O2, KMnO4, FeO, entre outros).

B IOL ÓG ICA S - Biofiltração; - Biofiltro percolador; - Bioscrubbers; - Biorreatores de membrana; - Biorreatores fotoquímicos;

- Reator biológico rotacional de contato.

Fonte: O AUTOR (2019), adaptado de NOYOLA et al. (2006).

Devido ao seu alto poder de queima, o biogás pode ser aproveitado para geração de calor por meio de sua combustão e consequente produção de vapor quente, o qual pode ser aplicado para movimentação de turbinas, como no Ciclo Orgânico de Rankine (do inglês, ORC), no ciclo de Cheng, em turbinas a vapor e em sistemas de pistão (DEUBLEIN e STEINHAUSER, 2011). Em complemento, além de ser usado no funcionamento de motores, geradores e moto-picadeiras, o biogás pode também ser aproveitado no processo de resfriamento de leite, aquecimento de água, na iluminação e em eletrodomésticos, como geladeira e fogão (COSTA, 2006).

Para maior facilidade, Lobato et al. (2009) dividiram as diversas aplicabilidades do biogás nas seguintes classes:

a. Uso direto: método de menor complexidade e que apresenta melhor relação

custo x benefício. Consiste na utilização do biogás para substituir ou

complementar outros combustíveis, como o gás natural, carvão e óleo diesel, em processos industriais em geral, envolvendo, entre outros, aquecedores de água na piscicultura, secadores de lixiviados, fornos para fabricação de cerâmica ou vidro e estufas.

b. Geração de eletricidade: como já explicitado, por meio de motores de combustão interna, turbinas e micro-turbinas, além de uma maior gama de tecnologias para conversão do biogás em eletricidade, a fim de ser consumida

in loco ou vendida à concessionária de energia elétrica da região.

c. Cogeração: produção concomitante de eletricidade e calor (vapor ou água quente), o que aumenta a eficiência de tais sistemas, conferindo, a essa classe, a característica de ser uma das mais economicamente interessantes.

d. Combustíveis alternativos: consiste na opção que requer maior tratamento do biogás quanto à remoção de substâncias corrosivas, como o sulfeto de hidrogênio, pois prevê sua utilização como combustível veicular, bem como sua injeção nas redes de gás natural de uma região. Contudo, na Alemanha, por exemplo, em 2010, já existiam cerca de 40 usinas injetando biogás no sistema de distribuição de gás e uma espera de, até 2020, estar substituindo cerca seis bilhões de metros cúbicos de gás natural por ano, reduzindo consideravelmente os impactos ambientais causados pela extração e queima indiscriminadas desse combustível.

O relatório do PROBIOGÁS (BRASIL, 2015b) apontou que as principais alternativas tecnológicas para utilização do biogás, que são consideradas tecnicamente consolidadas e que apresentam dados empíricos para comprovar sua eficiência, em escala mundial, são:

a. Motores estacionários a gás, com geração de energia elétrica e térmica

(CHP): do inglês Combined Heat and Power, esses tipos de motores

funcionam por meio da combustão do biogás, produzindo eletricidade e calor – por isso o nome –, possibilitando a exploração de até 90% da energia presente nesse biocombustível. Como pré-requisito, determina-se que o biogás utilizado contenha, no mínimo, 45% de metano, bem como apresente melhorias na qualidade mediante a minimização de compostos sulfurosos e de vapor de água (BRASIL, 2015b);

b. Caldeiras de biogás para geração de energia térmica: nessa tecnologia, a utilização do biogás para produção de calor acontece por meio da queima em sistemas de aquecimento, com o intermédio de queimadores atmosféricos (para potência elétrica baixa), de queimadores com ventilador (para recebimento de ar com alta pressão), ou de queimadores tipo lança (para

lareiras de combustão curtas) (BRASIL, 2015b). Mesmo com a limitação de produzir apenas calor e embora seja exigido um gás com umidade relativa de até 60% e com concentração de compostos sulfurosos menor que 0,1%, essa tecnologia passa a ser mais vantajosa do que os motores CHPs devido aos menores custos;

c. Injeção na rede de gás natural: essa alternativa apresenta maior diversidade que as duas anteriores, uma vez que permite o aproveitamento de energia sob as formas elétrica, térmica e veicular. Para isso, deve-se haver uma instalação específica, com estação de medição quantitativa e qualitativa para controle de pressão. Além disso, é necessário eliminar todos os componentes gasosos a fim de se obter um gás com pureza entre 90 e 98% de CH4 (BRASIL, 2015b).

O relatório ainda complementa que o biometano (biogás extremamente purificado), proveniente da digestão do lodo da ETE da cidade de Bottrop (Alemanha), está sendo engarrafado e fornecido para utilização como combustível veicular, resultado de um projeto de pesquisa e desenvolvimento (P&D) no local.

Bressani-Ribeiro et al. (2017) avaliaram o potencial de recuperação energética em um cenário composto de um sistema de reator UASB seguido por filtro percolador, tratando efluente doméstico, em países tropicais e, para isso, lançaram mão das Equações 7 a 10.

𝒑𝒓𝒐𝒅 = 𝒑𝒐𝒑 × 𝑫𝑸 𝒑𝒄× 𝑺 × 𝒆𝒔𝒑 (7)

𝒅𝒊𝒔𝒑 = 𝒑𝒓𝒐𝒅× 𝑷 (8)

𝑷𝑻 = 𝒅𝒊𝒔𝒑× 𝑻 (9) 𝑷 = 𝒅𝒊𝒔𝒑× (10) Em que CH4 prod = produção de metano (Nm³.d-1); pop = população (milhões de

habitantes); DQOpc = DQO per capita (0,10 kgDQO.hab-1.d-1); EfUASB = eficiência média de

remoção de DQO em um reator UASB (65%); CH4 unit = produção unitária de metano (158,3

LCH4.kgDQO-1removida); Edisp = energia disponível (MWh.d-1); PCCH4 = poder calorífico do

metano (9,97 kWh.m-3CH4); EPT = energia potencial térmica (MWh.d-1); EfT = coeficiente de

conversão térmica (40%); EPE = energia potencial elétrica (MWh.d-1); EfE = coeficiente de

Após analisarem a aplicação desse cenário para três grupos populacionais (até 10.000 habitantes, entre 10.000 e 100.000 habitantes, e acima de 100.000 habitantes), Bressani-Ribeiro et al. (2017) concluíram que sistemas anaeróbios de tratamento de esgoto prestam um papel importantíssimo quanto ao saneamento ambiental em países tropicais e em desenvolvimento, como no Brasil, uma vez que se pôde observar um enorme potencial para produção de energia por meio do biogás gerado nessa modalidade de tratamento, o qual pode ser destinado a diversos fins, dependendo do tamanho populacional atendido pela estação de tratamento com tecnologia reatores UASB (11.646 GWh.ano-1 de energia térmica e 6.562 GWh.ano-1 de energia elétrica).

Por exemplo, os autores calcularam que, para estações com porte de atendimento populacional de até 10.000 habitantes, somando uma capacidade de tratamento instalada igual a 12.695.895 habitantes, as ETEs responsáveis por essa contribuição de esgoto seriam capazes de produzir 190.755 MWh.ano-1 de energia térmica, ou seja, 686.718 GJ.ano-1 de energia térmica que, devido ao contingente populacional, poderia ser direcionada para aquecimento de água, produção de vapor, cocção de alimentos ou desinfecção do lodo descartado dos reatores UASB. Adicionalmente, para as ETEs com porte de atendimento entre 10.000 e 100.000 habitantes, o que incluiu uma capacidade de atendimento instalada de 180.105.925 habitantes, calculou-se uma produção de 2.706.075 MWh.ano-1 ou 9.741.870 GJ.ano-1 de energia térmica que poderia ser destinada para mesmo fim do grupo anterior.

Por outro lado, para as ETEs com capacidade de tratamento acima de 100.000 habitantes, o que englobou uma capacidade de atendimento instalada de 582.327.513 pessoas, Bressani-Ribeiro et al. (2017) previram que seriam gerados 6.559.278 MWh.ano-1 de energia elétrica ou 8.745.704 MWh.ano-1 (31.484.534,4 GJ.ano-1) de energia térmica. Dessa forma, potência produzida de energia elétrica, com base no consumo médio residencial brasileiro de eletricidade, seria capaz de suprir a demanda de 3,2 milhões de unidades habitacionais.

Dois estudos complementares (ROSA, 2013; ROSA et al., 2016) foram realizados na ETE Laboreaux, em Itabira – MG, a qual apresenta unidades de tratamento biológico anaeróbio e aeróbio (reator UASB, filtro biológico percolador e decantador secundário). À época das pesquisas, a estação recebeu uma vazão média de 80 L.s-1, em sua primeira etapa de construção, prevista para o atendimento de 70.000 habitantes, podendo chegar até a 123.000 habitantes em 2029. Além disso, todo o biogás gerado era queimado em flares, não havendo aproveitamento energético desse gás.

Diante dessas condições, os autores relataram que se observou uma produção de 390,1 Nm³.d-1 de biogás, com composição média de 78,2% de CH4, 6,7% de CO2 e 15,1% de

outros gases, i.e., valores pertinentes quanto às faixas destacada na Tabela 4, para reatores UASB (60 a 85% de metano). Logo, com essas características, foi possível estimar um potencial de produção de energia de, aproximadamente, 10.962 MJ.d-1 (ROSA et al., 2016).

Para o primeiro cenário traçado pelos autores (cenário 1), em que o uso prioritário do biogás seria como fonte de calor para secagem térmica do lodo e, secundariamente, a geração de eletricidade com o excedente, percebeu-se que 61,5% do biogás gerado eram necessários para evaporação da água do lodo, enquanto que 38,5% representavam o excedente, que seria direcionado para geração de energia elétrica. Adotando-se um rendimento usual de 30% do conjunto motogerador, a eletricidade produzida (1.265 MJ.d-1), proveniente do biogás utilizado, demonstrou-se suficiente para suprir 22,2% da demanda da ETE Laboreaux. Em contrapartida, em um segundo cenário (cenário 2), foi considerado que o uso prioritário do biogás seria para a geração de eletricidade, resultando na produção de 3.289 MJ.d-1, o que correspondeu ao suprimento de 57,6% da estação (ROSA et al., 2016).

Lobato et al. (2013) conduziram um experimento, em escala de bancada, na ETE Arrudas, localizada no Centro de Pesquisa e Treinamento em Saneamento UFMG/COPASA (CePTS), na cidade de Belo Horizonte – MG, com capacidade de vazão de 4.5 m³.s-1. Esse estudo focou na autossuficiência de estações de tratamento, ou seja, no fomento de ETEs sustentáveis, bem como no manejo seguro do lodo excedente produzido nesses locais, por meio do uso do biogás, cuja composição apresentou teores iguais a 70% de CH4, 7% de CO2 e

1.750 ppmv de H2S, produzido por três reatores UASB, cujo volume útil correspondia a 14 m³

cada (Figura 8).

Com relação aos testes de secagem e desinfecção do lodo com o biogás, foi possível perceber redução de 50% do volume total e aumento de 4 a 8% do teor de sólidos, com total inativação de ovos de helminto, usados como indicadores de higienização do lodo, após 1,5 horas de aquecimento e à temperatura de 60ºC. No que concerne à média de potencial elétrico disponível, os resultados mostraram que a ETE é autossustentável, devido ao balanço energético positivo de +1,75 kW, i.e., 76% da potência total disponível (2,30 kW) foram destacados como excedente. Ademais, quanto à unidade de cogeração de energia elétrica e térmica, observou-se que houve produção de 1,35 kWh de eletricidade por Nm³ de biogás consumido, enquanto que a demanda dessa unidade foi de 0,32 kWh.Nm-3 desse biocombustível (extra de +1,03 kWh.Nm-3) (LOBATO et al., 2013). Esses excedentes

destacados podem ser redirecionados a outros propósitos locais, como já discutido previamente.

Figura 8 – Fluxograma da ETE Arrudas.

Fonte: COPASA (2012), apud ROSA (2013).

Mais um exemplo de uma ETE no Brasil com recuperação energética do biogás é a ETE Ouro Verde, localizada em Foz do Iguaçu – PR. Essa estação, composta por um reator do tipo UASB, atua a uma vazão igual a 40 L.s-1, correspondente a uma população de 35 mil habitantes, podendo chegar até 70 L.s-1, e produz biogás a uma vazão aproximada da ordem de 50 m³.d-1 (teor de CH4 igual a 67%). Esse gás é aproveitado para geração de eletricidade na

própria estação de tratamento, bem como para venda à rede de distribuição da concessionária de energia elétrica, atingindo, no ano de 2009, o valor de R$ 140,00 por MWh (SANEPAR, 2013 apud ROSA, 2013). A companhia de saneamento do Paraná (SANEPAR) ainda informou que, no que concerne ao balanço energético da estação Ouro Verde, há um consumo médio igual a 1.200 kWh.ano-1 e geração estimada de 3.600 kWh.ano-1, significando um excedente de 2.400 kWh.ano-1 (ROSA, 2013).

Rosa (2013) destacou que a SANEPAR configura como a maior consumidora de energia elétrica do estado, sendo este consumo o segundo maior custo operacional da companhia de saneamento. Portanto, a aplicação do biogás para geração de energia e consequente economia na empresa é um foco da SANEPAR e deveria ser multiplicada pelas diversas companhias de saneamento brasileiras. Como exemplos dos diversos investimentos

já realizados pela concessionária, tem-se que: foi a primeira companhia brasileira a fornecer biogás de ETEs para locomoção de veículos e aquecimento de residências; empenha-se constantemente na prospecção de novas fontes e formas de aproveitamento do biogás para beneficiamento das estações de tratamento (e.g.: secagem do lodo pelo calor gerado com a produção do biogás) e estimula a venda da energia transformada a partir do biogás à rede de distribuição elétrica, para maior economia no processo de tratamento de efluentes de uma forma geral.

Por fim, com o objetivo de identificar fluxogramas holísticos ideais para a concepção de ETEs sustentáveis que atendessem diferentes contingentes populacionais (pequeno porte: população equivalente maior que 2.000 habitantes e menor que 10.000 habitantes; médio porte: população equivalente maior que 10.000 e menor que 100.000 habitantes; grande porte: população equivalente maior que 100.000 habitantes), os autores Bressani-Ribeiro et al. (2019), motivados pelo corriqueiro descomissionamento de ETEs cuja tecnologia tenha sido adotada inadequadamente, culminando, consequentemente, na constatação de baixas eficiências de performance e grandes dificuldades operacionais, analisaram duas bacias (Rio das Velhas e Jequitaí-Pacuí) em Minas Gerais, para sugerir o gerenciamento conjunto mais apropriado das partes sólidas, líquidas e gasosas do tratamento de efluentes, considerando o contexto socioeconômico e ambiental peculiar de cada área.

Em se tratando de ETEs de pequeno e médio porte, por exemplo, quanto às alternativas tecnológicas sugeridas para recuperação do biogás, Bressani-Ribeiro et al. (2019) destacaram duas rotas de utilização da energia térmica do biogás de certa simplicidade construtiva e operacional: i) para cocção de alimentos ou como combustível para aquecimento de água nas vizinhanças da ETE; e ii) para o sistema de secagem de lodo ou como energia térmica para processos desinfectantes dentro da área da estação. Com isso, os autores afirmaram que a pequena substituição de 4% do gás liquefeito de petróleo (GLP) por biogás resultaria na redução de emissões de carbono de, aproximadamente, 16,8 kgCO2eq.hab-1.ano-1,

ou seja, em um balanço positivo de pegada de carbono. A Figura 9 representa um diagrama completo de uma ETE sustentável de pequeno porte, constituída de reator UASB e filtro percolador.

Figura 9 – Fluxograma conceitual, esquemático e completo de uma ETE sustentável de pequeno porte. Os losangos representam oportunidades de tomadas de decisão, com diferentes

rotas tecnológicas a serem escolhidas.

Fonte: O AUTOR (2019), adaptado de BRESSANI-RIBEIRO et al. (2019).

A alternativa de aproveitamento do biogás produzido em estações de tratamento de esgoto, para cocção em comunidades circunvizinhas às ETEs, como substituição do GLP, lenha ou carvão, de acordo com Souza et al. (2019), pode ser bastante significativa, uma vez que abre precedente para desenvolvimento de um ramo econômico na localidade por meio da capacitação dos habitantes da comunidade beneficiada com essa alternativa.

Como exemplo mais popular dos diversos modelos de fogão a biogás utilizados no mundo, pode-se citar o de duas chamas (KURCHANIA et al., 2010), cujo princípio de operação (Figura 10) é o mesmo para os demais tipos de queimadores e consiste nas seguintes etapas: o biogás é injetado pela tubulação até atingir o fogão, onde sofre uma adequada constrição de fluxo, aumentando a velocidade e promovendo a sucção do ar externo para dentro do tubo (ar primário, necessário para combustão); para que a combustão ocorra a contento, o ar deve ser completamente misturado ao biogás até atingir a saída para queima,

onde ocorre a complementação de oxigênio pelo ar circundante da chama (ar secundário), para combustão final dessa mistura gasosa e formação de uma chama azul-escuro, indicando que a combustão foi adequada (SESSE et al., 1991, apud SOUZA et al., 2019).

Figura 10 – Esquema de queimador de fogão a biogás.

Fonte: FULFORD (1996), apud SOUZA et al. (2019).

Vale ressaltar que a concentração do biogás e o dimensionamento de cada orifício de entrada e saída de gás são de extrema importância para a correta combustão do biogás, uma vez que, caso a queima não aconteça de maneira devida, há a geração de compostos tóxicos, como o monóxido de carbono e fuligem. A Figura 11 e a Figura 12 ilustram fogões a biogás individual e comunitário, respectivamente, os quais conseguem operar a uma média de 375 L de biogás por uma hora, demonstrando eficiência variável entre 40 e 60% (KURCHANIA et

al., 2011). Estima-se que, para cozinhar as três principais refeições diárias de uma família,

seriam necessárias três horas por dia de funcionamento do fogão a biogás, admitindo-se chama em fogo médio (HOMEBIOGÁS, 2019), o que culminaria na utilização de 1.125 Lbiogás.dia-1 por residência, para cocção.

Figura 11 – Fogão a biogás individual doméstico.

Fonte: HOMEBIOGÁS (2018), apud SOUZA et al. (2019); KURCHANIA et al. (2011). Figura 12 – Fogão a biogás comunitário.

Fonte: KURCHANIA et al. (2010).

O fogão comunitário da Figura 12, por exemplo, com alimentação dupla para manutenção da pressão do biogás, nas suas duas extremidades, foi empregado por Kurchania

et al. (2010), na Índia, em um abrigo para pessoas em condições carentes de habitação, com o

intuito de assar pães típicos da respectiva região. Por meio desse teste, após a queima de 116 L de biogás por hora, percebeu-se que o fogão apresentou eficiência média de 43,96% para queima de um biogás cujo poder calorífico era igual a 19,76 MJ.m-3.

Por outro lado, no que se refere a ETEs de médio porte, adicionalmente às alternativas explicitadas para as ETEs de tamanho inferior, os autores ainda sugeriram que o biogás poderia ser utilizado como combustível para um secador térmico de lodo e, para aumentar a produção desse gás, foi aventada também a possibilidade da geração de biogás proveniente da escuma dos reatores UASB. Por outro lado, no que refere às estações de

grande porte, verificou-se que há diversas alternativas viáveis que percorrem desde soluções de aproveitamento térmico até a utilização para geração de energia elétrica, incluindo o beneficiamento do biogás à sua forma mais aprimorada e pura, o biometano.

A Figura 13 (BRESSANI-RIBEIRO et al., 2019) ilustra dois cenários em que é possível analisar as alternativas para aproveitamento do biogás com base no tamanho da estação de tratamento (pequeno e médio porte: 2.000 ≤ PE < 100.000 habitantes; grande porte: PE ≥ 100.000 habitantes). Com essa representação, os autores sustentaram a ideia já