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Em razão das ausências constantes de informações a respeito da população de projeto das ETEs e da possibilidade de estimá-las, pelo atlas da ANA (ANA, 2017), somente foi possível o levantamento do porte de 194 ETEs (aproximadamente 69% do total de estações ativas, disponibilizadas pela GDOPE). Dessas, como representado pela Tabela 11, 13% apresentaram porte médio, enquanto que apenas 1% foi considerada de grande porte (duas estações com população atendida acima de 100.000 habitantes). Ao somar as porcentagens das ETEs de micro e pequeno portes, ou seja, de estações que atendem até 10.000 habitantes, percebeu-se que 85% do total enquadravam-se nesse intervalo, corroborando, mais uma vez, a prioridade da concessionária de saneamento do estado na adoção de um sistema de esgotamento descentralizado, i.e., um maior número de ETEs de menor porte para populações pouco numerosas.

Foi possível perceber a mudança de abordagem para uma mais centralizada quanto aos sistemas de esgotamento sanitário das regiões inventariadas por Chernicharo et al. (2018a), que apresentou 57% das ETEs instaladas para atendimento de contingentes populacionais de até 10.000 habitantes (ETEs de micro e pequeno porte), 36% de ETEs de

CAPITAL 57,1% RMF 11,1% INTERIOR 31,8%

médio porte e 7% de ETEs de grande porte. Essa abordagem se tornou mais atrativa sob o ponto de vista operacional, em comparação ao cenário cearense, visto que resultou em menos unidades para monitoramento de qualidade de efluente, menor geração de passivos ambientais e menor disponibilização de mão-de-obra para operar os equipamentos de tratamento de esgoto.

Quanto às 86 estações de tratamento das quais não foi possível determinar a população atendida, 66 (77% das incompletas) consistiam em ETEs com tecnologia DD e situavam-se na capital, Fortaleza, portanto, pertencentes à Unidade Metropolitana de Macrocoleta e Tratamento de Esgoto (UN-MTE). Assim, devido à obsolescência da referida tecnologia e à previsão de inativação ou substituição desses modelos, esse quantitativo ausente na contabilidade de dados não representou grande prejuízo ao panorama do tratamento de esgoto estadual.

Tabela 11 – Classificação das ETEs do Ceará por porte, quanto à população atendida. Portes Intervalos Populacionais (Hab) Quantidades

Micro Pop ≤ 2000 78 Pequeno 2001 ≤ Pop ≤ 10.000 88 Médio 10.001 ≤ Pop ≤ 100.000 26 Grande Pop ≥ 100.001 2 Total 194 Fonte: O AUTOR (2019).

Tendo em vista que a população de projeto é um parâmetro essencial para a adequada determinação da metodologia de tratamento de uma ETE, o quantitativo dos portes das estações foi relacionado com a tecnologia adotada pela CAGECE e representado na

Figura 20, para melhor estimativa das escolhas da companhia, no que se refere ao fator

número de habitantes e preferência de tratamento.

Notou-se a expressiva presença de sistemas tratando esgotos por decanto- digestores para o atendimento de populações de até 2.000 habitantes, ou seja, em ETEs de micro porte, representando, aproximadamente, 60% dos sistemas implantados para essa faixa populacional. Esse cenário mudou quando foram analisados os quantitativos de ETEs nos demais portes determinados, e.g., o número de estações utilizando DD reduziu de 47 para 27 unidades em ETEs de pequeno porte (31% das estações desse intervalo de população) e atingiu o valor nulo em ETEs de médio e grande porte.

Em contrapartida, ETEs utilizando lagoas de estabilização demonstraram ser mais preferíveis em se tratando de contingentes populacionais maiores, dado que, em valores percentuais, essa tecnologia cresceu de 15% nas ETEs de micro porte para 49% nas ETEs de

pequeno porte e novamente para 58% em ETEs de médio porte. De fato, esse resultado era o previsto, dado que a tecnologia de decanto-digestor já não apresenta elevada eficiência para remoção de carga orgânica em sistemas de baixa demanda populacional, logo, tornar-se-ia ainda menos favorável sua aplicação para ETEs de portes maiores.

O mesmo aconteceu para o cenário geral traçado por Chernicharo et al. (2018a), em que o número de fossa séptica reduziu conforme aumentou a capacidade de tratamento da ETE, em termos do total de habitantes atendidos, vide Figura 1a. Cabe salientar também que, em se tratando de reatores UASB dessa região, o percentual de adoção de ETEs com reatores UASB aumentou à medida que cresceu a capacidade de atendimento (26% para micro porte, 36% para pequeno porte e 51% para médio porte). Quanto às estações de grande porte (Pop > 100.000 hab), percebeu-se a preferência por essa tecnologia em valores absolutos (46 unidades), seis unidades acima da segunda mais utilizada (lodos ativados, 40 unidades), o que representou 40% do total para essa categoria.

Figura 20 – Quantitativo de ETEs por tecnologia adotada, em cada faixa populacional.

Fonte: O AUTOR (2019).

No que se refere à tecnologia de reatores UASB no estado do Ceará, houve uma diminuição do percentual de sua aplicação de 24%, nas ETEs de micro porte, para 20% nas ETEs de pequeno porte, apenas em virtude de o número de estações com reatores UASB ter diminuído em uma unidade, enquanto aumentou número absoluto de ETEs na categoria de pequeno porte; porém, esse percentual tornou a crescer para 38% no tocante às ETEs de médio porte, semelhante ao ocorrido no estudo de Chernicharo et al. (2018a). Esse fator

12 43 15 1 47 27 0 0 19 18 10 1 0 0 1 0 0 5 10 15 20 25 30 35 40 45 50 Pop ≤ 2.000 2.001 ≤ Pop ≤ 10.000 10.001 ≤ Pop ≤ 100.000 Pop ≥ 100.001 Núm er o de E T E s Intervalo populacional

Preferência de tecnologia por intervalo

populacional no Ceará

LES DD UASB LA

também pode ser atribuído à sua versatilidade, à sua maior eficiência de remoção de DQO e à sua capacidade de amortecimento para tratamento de variadas concentrações de carga orgânica durante o dia, à qual estão sujeitas todas as estações de maiores contingentes populacionais. Adicionalmente, por ser uma tecnologia que, em sua concepção, já favorece a produção de metano passível de utilização para fins energéticos, a maior quantidade de ETEs com essa tecnologia para a faixa populacional de até 100.000 habitantes, de acordo com os estudos apresentados no item 3.4 e, em especial, conforme citaram os autores Bressani- Ribeiro et al. (2019), abre perspectiva para o aproveitamento térmico do biogás na cocção, no aquecimento de água dos chuveiros da vizinhança e na secagem de lodo da ETE.

Com o intuito de complementar o panorama traçado a respeito da condição do tratamento de efluentes no estado do Ceará, analisou-se, ainda, mais um aspecto que permitiu mensurar a capacidade de tratamento dessas ETEs: as vazões de afluência de esgoto, i.e., a quantidade, em L.s-1, de esgoto que flui para dentro das ETEs a fim de passar pelas unidades de tratamento. Dessa forma, cada estação foi classificada por porte, de acordo com os intervalos apresentados previamente no item 4.2 e discriminados na Tabela 12, para um total de 204 ETEs.

Com esses resultados, foi possível perceber que, surpreendentemente, houve maior disponibilização de dados quanto à vazão de esgoto do que à população atendida pelas ETEs – tanto no atlas da ANA (ANA, 2017), quanto nas planilhas de memorial consultadas na CAGECE –, ainda que a medição de vazão não seja uma rotina operacional instituída na concessionária de tratamento de esgoto do estado, já que as ETEs não dispõem de medidores precisos de vazão de esgoto, como medidores ópticos.

Tabela 12 – Classificação das ETEs do Ceará por porte, quanto à vazão afluente.

Portes Intervalos de Vazão (L.S-1) Quantidades

Pequeno Q ≤ 60 193

Médio 60 < Q < 200 11

Grande Q ≥ 200 0

Total 204

Fonte: O AUTOR (2019).

Outro ponto que mereceu destaque foi o fato de 193 do total de 204 ETEs com dados de vazão disponíveis, ou seja, 94,6% das estações levantadas apresentaram classificação de porte pequeno quanto à vazão afluente de esgoto, o que, mais uma vez, explicita, em termos quantitativos, a abordagem da CAGECE de descentralizar o tratamento de esgotos no Ceará.

A Figura 21, analogamente à Figura 20, aprofundou a classificação das estações, exibindo o quantitativo de ETEs por porte, correlacionando-as a suas respectivas tecnologias de tratamento. Assim como foi percebido na Figura 20, notou-se uma maior predileção para a utilização de decanto-digestores quando a carga hidráulica era reduzida, com a adoção de DD para 43% das ETEs com capacidade de tratamento de até 60 L.s-1. Adicionalmente, para estações com vazão afluente correspondente ao porte médio, percebeu-se dominação da tecnologia lagoas de estabilização, enquanto que a tecnologia anterior apresentou valor igual zero, posto que seria inviável econômico e operacionalmente a execução de fossas sépticas para condicionar a contento, em termos ambientais, tamanha vazão.

Noyola et al. (2012) também avaliaram a vazão afluente de 2.734 ETEs, a fim de classificá-las por porte e por tecnologia de tratamento, nos países latinos e caribenhos, e perceberam, assim como no Ceará, a maior representatividade de estações de pequeno porte (67,4%), considerando aquelas de fluxo de esgoto menor ou igual a 25 L.s-1; enquanto que as ETEs consideradas de médio porte (25 < Q ≤ 250 L.s-1

) representaram 26,6%. O somatório dessas parcelas (94%) foi bastante similar ao notado para o panorama cearense de ETEs pequenas (Q ≤ 60 L.s-1), o qual apresentou 94,6% das estações do estado nessa categoria.

Figura 21 – Quantitativo de ETEs por tecnologia adotada, em cada faixa de vazão.

Fonte: O AUTOR (2019). 61 10 83 0 48 1 1 0 0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 Q ≤ 60 60 < Q < 200 Núm er o de E T E s Intervalo de vazão

Preferência de tecnologia por intervalo de

vazão no Ceará

LES DD UASB LA

Embora as três tecnologias mais utilizadas no estado do Ceará exibissem consideráveis diferenças, tais como requisitos de áreas, microrganismos envolvidos e índices de produção de lodo, foram notórias duas importantes semelhanças entre elas: DD, LES e reatores UASB necessitam de baixas demandas energéticas para funcionar e apresentam relativa simplicidade operacional, o que implica em reduzidos custos de operação, diferentemente da tecnologia de lodos ativados, principalmente na modalidade aeração prolongada. Assim, percebeu-se um perfil de preferência dessas tecnologias de tratamento por parte da CAGECE, em virtude da descentralização dos sistemas e da localização dessas unidades.

A elevada presença de ETEs de portes menores, atendendo populações reduzidas e com carga hidráulica baixa, reflete o lento crescimento do esgotamento sanitário no estado, o que é resultado dos constantes e comprimidos aportes de recursos financeiros e demais incentivos para o saneamento básico, ou seja, ao longo dos anos, raramente houve repasse de grandes quantias de dinheiro para construção e instalação de estações de tratamento mais robustas no Ceará, ou lançamento de políticas públicas representativas, que incentivasse a expansão do setor no estado. Portanto, para destinar o pouco dinheiro recebido, optou-se pela construção de ETEs descentralizadas, as quais, atualmente, apresentam uma série de desvantagens, principalmente no tocante ao controle de qualidade dessa operação pulverizada e ao consequente impacto ambiental desencadeado por essas estações.

Segundo Chernicharo et al. (2015), o adequado saneamento de uma região ocorre em função de fatores socioeconômicos e ambientais, em que aqueles determinam a variedade de opções a serem adotadas pelos governantes e projetistas, dependendo das especificidades locais. Assim, geralmente se assumem fatores econômicos para determinar o ritmo com que as obras de instalação de um sistema de esgotamento sanitário acontecem e a qualidade desses serviços, ou seja, regiões mais pobres tendem a receber rede coletora e estações de tratamento de esgoto por último ou de baixa adequabilidade, o que justifica a abordagem da CAGECE, constatada pelos dados supracitados.

Felizmente, em outra perspectiva, a descentralização dos SES pode ser desejável, principalmente sob a ótica do uso de efluentes domésticos e da recuperação de recursos hídricos e de nutrientes, uma vez que previne a mistura destes efluentes com efluentes industriais, permitindo, mais facilmente, o fomento do uso agrícola do esgoto doméstico previamente e devidamente condicionado (CHERNICHARO et al., 2015). Dessa forma, os autores constataram que a otimização da descentralização do tratamento de esgotos, a fim de

potencializar suas vantagens, perpassa pelas condições locais onde se prevê a instalação de novas ETEs, bem como pela associação dessas estações a uma forma de recuperação de recursos, como o uso ou a recuperação de água e nutrientes, em detrimento da simples instalação de uma ETE com o intuito de resolver um problema puramente sanitário, isto é, permitindo agregar valor econômico ao sistema de esgotamento, ideia pela qual esta pesquisa se baseou.