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Visando à caracterização do potencial de geração de energia no estado, foram selecionadas apenas as estações de tecnologia reatores UASB – assumindo que todas seriam passíveis da recuperação do biogás para fins energéticos –, com dados de carga orgânica disponíveis e com eficiência de remoção de DQO relativamente elevada, isto é, algumas ETEs, mesmo apresentando dados de DQO, tiveram de ser excluídas em virtude de exibirem eficiência negativa ou próximas de zero (em torno de 10%), já que nessas não seria possível produzir biogás para geração de energia.

Além disso, para as estações cujos dados de vazão não foram disponibilizados, adotou-se a vazão da ETE que mais se assemelhasse, em termos de porte, à ETE cujo dado estava faltoso, por meio de ligação telefônica para colaboradores da CAGECE. Dessa forma, 43 estações foram organizadas da seguinte forma: 23 estações (ETE 01 a ETE 23) no grupo da capital (UN-MTE), 12 estações (ETE 24 a ETE 35) no grupo da região metropolitana de

Fortaleza (UN-BME) e 8 estações (ETE 36 a ETE 43) no grupo das estações do interior e, mais detalhadamente, as estações ainda foram agrupadas de acordo com o porte por população, como no Quadro 6, e organizadas de forma decrescente.

Secundariamente, com o intuito de aproveitar os dados já existentes quanto às concentrações de DQO afluente e efluente a essas 43 estações de tecnologia reatores UASB, realizou-se uma separação dessas ETEs entre estações sem pós-tratamento e com pós- tratamento, para que fosse avaliada a eficiência de remoção de carga orgânica, a depender da rota tecnológica presente em cada grupo. Dessa forma, considerou-se, como ETEs sem pós- tratamento, aquelas de tipologia UASB + CL, i.e., as que apresentavam apenas a etapa da cloração (desinfecção) após o biodigestor anaeróbio e antes da disposição final do efluente; e, para o outro grupo, o de ETEs com pós-tratamento, foram incluídas aquelas cujas tipologias previam uma ou mais etapas de tratamento do esgoto antes da disposição final, ou seja, todas as demais ETEs de tecnologia reatores UASB que não foram enquadradas no primeiro conjunto, e.g., UASB + FSA + CL, UASB + FAN + CL, UASB + LEP, entre outras. Esses resultados foram representados em gráficos do tipo box plot.

Devido ao tamanho populacional das ETEs selecionadas e aos estudos de viabilidade econômica apresentados por Valente (2015) e Rosenfeldt et al. (2015), apud Chernicharo et al. (2017), e Bressani-Ribeiro et al. (2019), os quais relataram que somente seria economicamente interessante praticar o aproveitamento do biogás para geração de eletricidade em ETEs com contribuição limite acima de 100.000 habitantes e que, para estações com menor população contribuinte, seria mais viável a recuperação térmica do biogás para cocção, aquecimento de água e secagem de lodo, foi excluída, consequentemente, a opção de redirecionar o biogás produzido nessas 43 estações para geração de energia elétrica.

Portanto, embora ainda seja uma prática incipiente no Brasil, foram adotados os valores apresentados na Tabela 6, os dados de projeto levantados ou estimados, as equações descritas no Quadro 2 e a Equação 9, a fim de se quantificar a perda energética devido à não adoção desse tipo de prática que visa à geração da energia térmica do biogás e à recuperação econômica, em virtude da redução de gastos nas residências e nas ETEs, com a compra de GLP, lenha e carvão, com a possibilidade de aquecimento de água e com a secagem de lodo, por meio do tratamento anaeróbio de esgotos.

Tabela 6 – Parâmetros adotados no cômputo do potencial energético a partir do biogás de

reatores UASB.

Parâmetro Unidade Valor Referência

Poder Calorífico Inferior (PCI)

de metano kWh.m

-3

CH4 9,97

Moran et al. (2012), apud Bressani-Ribeiro et al.

(2017) Consumo médio de eletricidade

residencial no Ceará (ano 2017) kWh.mês

-1

126,1 EPE (2018)

Consumo médio de biogás por

residência, para cocção Lbiogás.dia -1

1.125 Kurchania et al. (2011); Homebiogas (2019) Eficiência elétrica típica de um

conjunto moto-gerador % 36 Cabral et al. (2016)

Eficiência de conversão térmica % 40

U.S. EPA (2003), apud Bressani-Ribeiro et al.

(2017) Teor de metano no biogás

(cenário típico) % 75

Von Sperling e Chernicharo (2005), apud

Lobato et al. (2012) Eficiência de remoção de DQO

(cenário típico) % 65 Von Sperling e Chernicharo (2005), apud Lobato et al. (2012) Contribuição per-capita de DQO kgDQO.hab -1 .dia-1 0,10 Von Sperling e Chernicharo (2005), apud Lobato et al. (2012) Fator de conversão de DQO

aplicada em biomassa (Yobs)

kgDQOlodo.kgDQOapl-1 0,17 -

Temperatura interna dos

reatores UASB em Fortaleza ºC 29 Araújo (2016)

Concentração de oxigênio dissolvido para remoção de um mol de CH4 (K)

gDQO.mol-1 64 Chernicharo (2016)

Constante dos gases (R) atm.L.mol-1.K-1 0,080206 -

Pressão atmosférica atm 1 -

Fonte: O AUTOR (2019).

Para cálculo do total de residências que poderia ser abastecido com a produção de biogás, foi realizado o somatório total dos volumes produzidos de biogás individualmente das estações e, em seguida, dividiu-se esse valor pelo consumo médio diário residencial de biogás para cocção (vide Tabela 6), o qual foi estimado considerando-se a autonomia do fogão a biogás apresentado por Kurchania et al. (2011): 375 Lbiogás.h-1 e a estimativa de sua utilização

por três horas por dia, para cozinhar as três principais refeições diárias de uma família, em fogo médio (HOMEBIOGÁS, 2019).

Foram calculadas as relações unitárias para fins comparativos aos trabalhos de Cabral (2016) e Lobato (2011), com o intuito de classificar as estações com tecnologia UASB

e operadas pela CAGECE, no Ceará, quanto à situação da produção de metano, biogás e energia por quantidade de DQO removida. O cálculo dessas taxas é essencial para objetivos de comparação, uma vez que o valor absoluto depende de inúmeras variáveis, como porte e eficiência da estação.

Lobato (2011), em seu modelo, traçou diversas relações unitárias e seus respectivos valores; entretanto, nesse trabalho, foram contempladas apenas três relações, conforme representado na Tabela 7. A classificação de cada ETE foi realizada, prioritariamente, quanto ao índice calculado para o potencial energético unitário, considerando-se os outros valores para determinação da classe da ETE apenas quando fosse inconclusiva a classificação quanto à quantidade de energia produzida por quilo de DQO removida. Para as estações com níveis abaixo dos valores mínimos estipulados por Lobato (2011), foi utilizada a classificação Abaixo da Pior Situação (APS), como adotado por Cabral (2016).

Tabela 7 – Relações unitárias de produção de metano, de biogás e de energia em reatores UASB tratando esgoto doméstico.

Relação

Unitária Unidade

Pior situação (PS) Situação típica (ST) Melhor situação (MS) Máx. Mín. Méd. Máx. Mín. Méd. Máx. Mín. Méd. Volume unitário de CH4 NLCH4.kgDQOremov-1 154,1 66,0 113,4 185,8 124,2 158,3 219,1 173,9 196,0 Volume unitário de biogás

NLbiogás.kgDQOremov-1 220,1 94,3 162,0 247,8 165,6 211,1 273,9 217,4 245,0 Potencial

de energia unitário

MJ.kgDQOremov-1 5,5 2,4 4,1 6,7 4,5 5,7 7,9 6,2 7,0 Fonte: O AUTOR (2019), adaptado de LOBATO (2011).

Complementarmente e visando à melhor gestão antecipada da concessionária, foi analisado o potencial de geração de energia na cidade de Fortaleza para o ano de 2033, 14 anos à frente do presente estudo, utilizando o Plano Municipal de Saneamento Básico (PMSB), elaborado pela empresa Acquatool Consultoria S/S Ltda., juntamente à CAGECE e à Secretaria de Urbanismo e Meio Ambiente (SEUMA). Nesse plano, previu-se a criação de três grandes ETEs para compreender todo o território de Fortaleza, demonstradas na Tabela 8.

Tabela 8 – Dados das ETEs de Fortaleza de acordo com o PMSB, para o ano de 2033.

ETE Tecnologia População

(hab)

Vazão média (L.s-1)

Cocó LAAP + RFA 455.159 908,3

Miriú UASB + FSA 310.721 955,0

Siqueira LAAP + RFA 363.040 527,3

Fonte: PMSB (2014).

Legenda: LAAP = Lodos Ativados, modalidade Aeração Prolongada; RFA= Reator de Fluxo Alternativo; UASB = Reator Anaeróbio de Fluxo Ascendente; FSA = Filtro Submerso Aerado.

Para fins de dimensionamento de consumo de energia elétrica pelas ETEs Cocó e Siqueira, cujas tecnologias, diferentemente da adotada pela ETE Miriú, não produz biogás e, portanto, não é passível de utilização para geração energética, foram utilizados os parâmetros de consumo elétrico para estações com tecnologia de lodos ativados, modalidade aeração prolongada, previstos por Von Sperling (2016): 20 a 35 kWh.hab-1.ano-1; e por Gude (2015),

apud Paulo et al. (2019): 0,6 kWh.m-3 de efluente tratado. Com isso, foi possível realizar uma breve análise econômica no tocante ao balanço elétrico entre as três ETEs propostas pelo PMSB de 2014.

Notou-se que, em virtude dos maiores contingentes populacionais, os quais atingiram os limites mínimos de número de habitantes para viabilidade econômica do aproveitamento energético do biogás para geração de eletricidade, segundo os autores supracitados, foi conveniente estimar o total de energia elétrica que seria produzido em 2033, na cidade de Fortaleza, supondo que as três ETEs utilizassem a tecnologia de reatores UASB para tratar o efluente urbano. Para isso, também foram aplicadas as equações do Quadro 2, os demais dados considerados na Tabela 6 e, adicionalmente, a Equação 10.

Analogamente ao que foi realizado para estimar o total de residências beneficiadas com o aproveitamento do biogás para cocção, dividiu-se o somatório total de energia elétrica teórica de cada ETE futura pelo valor médio de consumo elétrico residencial do Ceará (vide

Tabela 6), assumindo, mais uma vez, que tanto a ETE Cocó como a ETE Siqueira fossem de

tecnologia igual à ETE Miriú, a fim de se obter a quantidade de residências que poderão ser abastecidas caso essa alternativa seja adotada em 2033.

Com base na produção teórica de energia elétrica e no quantitativo de residências atendidas por essa geração de eletricidade a partir do biogás de reatores UASB, foi possível calcular a taxa de atendimento (%) de uma ou mais ETEs com capacidade instalada acima de 100.000 habitantes, por meio da Equação 14, não só para as ETEs Cocó, Miriú e Siqueira, mas também para as ETEs de estudos de casos apresentados na Revisão Bibliográfica. Para

isso, assumiu-se que cada unidade familiar era composta por 4 pessoas e que a capacidade instalada em termos populacionais corresponderia ao somatório das populações atendidas por cada ETE individualmente.

𝒕𝒂𝒙𝒂 𝒅𝒆 𝒂𝒕𝒆𝒏𝒅𝒊𝒎𝒆𝒏𝒕𝒐 = 𝒕𝒐𝒕𝒂𝒍 𝒅𝒆 𝒑𝒆𝒔𝒔𝒐𝒂𝒔 𝒃𝒆𝒏𝒆 𝒊𝒄𝒊𝒂𝒅𝒂𝒔𝒄𝒂𝒑𝒂𝒄𝒊𝒅𝒂𝒅𝒆 𝒊𝒏𝒔𝒕𝒂𝒍𝒂𝒅𝒂 𝒙 𝟏𝟎𝟎% (14) Em virtude de melhor representar o ganho da CAGECE diante da sugestão de substituir as tecnologias aeróbias (LAAP) das ETEs Cocó e Siqueira pela tecnologia anaeróbia (UASB + FSA), foram realizadas estimativas em termos financeiros, considerando custos de investimento (CAPEX, do inglês capital expenditure ou capital expenses), os quais incluíram gastos com a construção civil e com a aquisição dos equipamentos necessários para o devido tratamento de esgoto; e os custos de operação e manutenção (OPEX, do inglês

operational expenditure ou operational expenses), correspondentes aos gastos com demanda

de energia elétrica, disposição final do lodo gerado durante o tratamento, manutenção do sistema de aproveitamento energético do biogás, reparação das unidades instaladas, consumo de óleo lubrificante e análises laboratoriais do biogás.

Finalmente, por meio da utilização da calculadora online de créditos de carbono (RENSMART, 2018), foi possível representar os ganhos dessa substituição de rota tecnológica em termos de dióxido de carbono equivalente, baseado no fator de conversão inglês para o ano de 2018 (0,28307 kgCO2 economizados para cada kWh produzido de fontes

livres de carbono), o qual considerou alguns gases de efeito estufa, como metano e óxido nitroso (N2O), quanto aos seus equivalentes em quilos de gás carbônico (kgCO2eq). Com isso,

determinou-se a redução de emissões de gases de efeito estufa por meio da avaliação de ambos os cenários (PMSB e proposto) e seu possível potencial de comercialização com empresas que necessitassem equalizar as emissões desses gases na atmosfera.

Essas estimativas foram comparadas a esses outros estudos de caso e poderão ser utilizadas pela concessionária de saneamento da cidade para traçar a melhor abordagem quanto a possíveis mudanças no PMSB, bem como replicar e balizar as novas tomadas de decisão quanto às demais ETEs da RMF e do interior, por meio da substituição de tecnologias obsoletas por métodos mais eficazes de tratamento de esgoto, com previsão de produção de biogás, a fim de potencializar a geração de energia limpa e renovável.