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Uma segunda solução para o problema da cooperação, desta vez comum tanto a biólogos quanto a cientistas políticos, é a do altruísmo recíproco. De acordo com essa teoria, será benéico para um indivíduo ajudar outro se isso implicar uma probabilidade signiicativamente maior de no futuro receber ajuda do outro. Nesse caso, é discutível se temos um indiví- duo genuinamente altruísta ou um egoísta com visão de longo prazo. Por um lado, examinando o indivíduo de perto, fazen- do-lhe perguntas sobre sua motivação para ajudar, podemos concluir que ele ajuda outros porque seus sentimentos o levam a querer ajudar sem nenhuma intenção de receber algo em tro- ca. Ele simplesmente se sente bem ao ajudar o outro. Por ou- tro lado, tais sentimentos evoluíram na história de sua espécie 8 Neste livro, qualiico um comportamento altruísta de genuíno ou puro quando

ele reduz as chances de sobrevivência e reprodução do organismo, mesmo con- siderando as consequências de longo prazo.

pela razão egoísta mencionada acima. De qualquer maneira, dois indivíduos que estabelecem uma relação de altruísmo re- cíproco de longa duração podem ser chamados de amigos.

Em grupos grandes, os indivíduos, em sua maioria, não são nem parentes nem amigos. Apesar disso, alguns psicólogos evolucionistas argumentam que o altruísmo recíproco evoluiu na espécie humana durante o período de milhões de anos em que nossos ancestrais viveram em grupos pequenos. Nessas circunstâncias, ajudar um outro indivíduo qualquer do grupo seria, provavelmente, ajudar um parente próximo ou, pelo me- nos, alguém com quem se conviveria ainda por muito tempo e, portanto, que teria muitas oportunidades de retribuir o favor. A seleção de parentesco e o altruísmo recíproco explicariam a evolução da cooperação nesses grupos. Atualmente, é rotineiro o encontro com estranhos, mas dada a raridade de tais encon- tros no passado evolutivo de nossa espécie, os seres humanos seriam geralmente predispostos a cooperar e seriam cogniti- vamente pouco preparados para discriminar entre estranhos e parentes ou amigos no momento de ser altruístas. Psicólogos evolucionistas argumentam que nossos mecanismos psicoló- gicos nos levam a agir altruisticamente em situações em que ajudar o outro já não é mais adaptativo.

A reciprocidade seria uma boa explicação para a exis- tência do altruísmo apenas para grupos pequenos e não amea- çados de extinção, ou seja, grupos em que a probabilidade de interações futuras é alta, mas para alguns autores é pouco provável que longos períodos de estabilidade tenham sido pre- dominantes na pré-história da humanidade (GINTIS, 2000, p. 170). Henrich e Boyd (2001, p. 79) consideram que a com- binação de altruísmo recíproco e seleção de parentesco não é suiciente para fazer a cooperação evoluir em grupos grandes.

Segundo Gintis et al. (2003, p. 154), é necessário mais do que a teoria do altruísmo recíproco para explicar o sucesso de nossa espécie, e Henrich enumera algumas razões pelas quais estaria errada a tese de que a cooperação que evolui como altruísmo recíproco continuaria a ser praticada mesmo em períodos em que não fosse adaptativa:

Essa explicação tem um número de problemas. Primei- ro, mesmo em sociedades de pequena escala, há muitos parentes distantes e, provavelmente, um bom número de estranhos que os altruístas precisam distinguir de pa- rentes próximos […]. A ideia de que indivíduos em so- ciedades de pequena escala não têm encontros efêmeros com anônimos não possui base empírica […]. Segundo, embora a cooperação em larga escala seja prevalecente em muitas sociedades, as pessoas em todos os lugares favorecem parentes em detrimento de não parentes — mostrando que podemos fazer a distinção, e o fazemos. Terceiro, muitos dos primatas não humanos também vi- vem em sociedade de pequena escala, mas não mostram nenhuma tendência generalizada a cooperar com todos os membros de seu grupo (HENRICH, 2004, p. 9).

A evolução da cooperação será favorecida se os indi- víduos puderem se recusar a entrar em relações associativas com os não cooperadores, ou seja, se praticarem o ostracismo dos caronas. Se a probabilidade de haver encontros futuros for permanentemente alta, o ostracismo será suiciente para que a cooperação evolua. Entretanto, dadas as condições reinantes no nosso passado evolutivo, é mais provável terem sido co- muns períodos em que não havia nenhuma certeza de intera- ções futuras e, portanto, a prática do ostracismo parece ainda não ser suiciente para garantir a evolução da cooperação:

[…] quando um grupo está sob ameça de extinção ou dispersão devido a, digamos, guerra, pestes ou fome, é quando a cooperação mais se torna necessária à sobre- vivência. Durante tais períodos críticos, os quais foram comuns na história evolutiva da nossa espécie, ganhos futuros da cooperação se tornam muito incertos, uma vez que a probabilidade do grupo se dissolver se torna alta. A ameaça de ostracismo tem, então, pouco peso e a cooperação não pode ser mantida se os agentes atuam em interesse próprio. Portanto, precisamente quando um grupo mais necessita de comportamento pró-social, a cooperação baseada no altruísmo recíproco irá entrar em colapso (GINTIS et al., 2003, p. 163).

É necessário que os indivíduos tomem uma atitude mais ativa do que a simples prática do ostracismo dos caronas ou a associação preferencial com amigos de coniabilidade já com- provada.

Segundo Richerson e Boyd (1998, p. 5), nossas mais anti- gas propensões a sentir emoções se formaram sob pressão dos processos de seleção de parentesco e altruísmo recíproco, mas essas emoções sociais seriam suicientes apenas para manter a coesão de grupos pequenos. O desenvolvimento da lingua- gem permitiu o desenvolvimento de sistemas punitivos mais elaborados do que os derivados do simples sentimento de in- dignação despertado momentaneamente. Com a linguagem, os indivíduos podem dialogar e conhecer os argumentos uns dos outros, modiicando o próprio juízo do que é certo ou errado. A compreensão das motivações para a ação permite a elaboração de normas que preveem a punição não de todo e qualquer indi- víduo que não tenha contribuído para a produção de um bem coletivo, mas apenas daqueles que, mesmo tendo condições ob- jetivas, intencionalmente decidiram trapacear.