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1.1 Ciências Sociais

1.1.3 Leis sociais

Dada a complexidade dos fenômenos sociais, tem sido questionada na sociologia a possibilidade de teorias gerais da sociedade. A ação do indivíduo depende da interação de tan- tos fatores que nunca pode ser considerada completamente previsível. E a previsibilidade diminui ainda mais porque os indivíduos aprendem com a história e possuem comporta- mento estratégico. Os seres humanos são dotados de razão, da capacidade de raciocinar e decidir. O conhecimento possuído pelos indivíduos está constantemente se modiicando. O que num certo momento foram condições não reconhecidas para a ação e consequências não intencionais das ações podem, num momento seguinte, já ser de conhecimento dos agentes,

que levarão as novas informações em consideração ao agir. Ou seja, os indivíduos podem não mais considerar benéica a ação praticada e, nesse caso, já não seria mais válida uma lei (social) que antes corretamente enunciava que em tais circunstâncias os indivíduos agem de tal forma. Um ser humano é inteligen- te o suiciente para evitar alguns erros que soube terem sido cometidos por outros ou que ele próprio cometeu no passado. Além disso, para atingir seus objetivos, levará em considera- ção as prováveis ações dos outros indivíduos. Assim, as teorias sobre a realidade social são historicamente situadas — válidas apenas para um determinado período — porque o conheci- mento dos indivíduos e as práticas cristalizadas nas institui- ções estão sempre se modiicando. A versatilidade humana garante a não repetição da história.

O ser humano possui algumas propensões à ação biologi- camente condicionada, mas mesmo essas propensões depen- dem não apenas do meio ambiente imediato, mas também dos valores que o indivíduo foi culturalmente levado a construir. Por exemplo, qualquer indivíduo que sinta ter sido tratado de modo injusto tenderá a achar a situação desagradável, mas a noção de justiça desse indivíduo será em boa medida construí- da a partir das noções de certo e de errado prevalecentes em seu meio cultural.1 A reação do indivíduo dependerá de mui-

tos fatores: seu poder em comparação com quem lhe foi injus- to, seu temperamento pessoal, seu estado de humor no dia, e outros mais. Em princípio seria possível pensar em algumas leis psicológicas gerais acerca do comportamento hu mano, mas são leis que preveem apenas tendências, não sendo de- 1 Até mesmo macacos capuchinhos icam irritados quando recebem tratamento

injusto. Suponho que uma característica semelhante tenha sempre estado pre- sente na natureza biológica de nossos ancestrais.

terministas. Na prática, a proliferação de teorias mutua mente inconsistentes na psicologia parece ser tão grande quanto nas ciências sociais, não sendo muito promissor o que poderia vir a ser o fundamento de uma teoria da ação social.

Mas, se tentar prever o comportamento de indivíduos já é tarefa difícil, mais desaiador ainda é tentar derivar leis sociais gerais a partir de leis psicológicas mutuamente inconsistentes. Consequentemente, as generalizações que os cientistas sociais conseguem fazer não costumam ser válidas para todas as sociedades de todos os tempos. Elas estão historicamente situadas e o mais prudente é não chamá-las de leis (BENDIX, 1970, p. 184; DIMAGGIO; POWELL, 1991, p. 10; ROTHSTEIN, 1996, p. 154; GIDDENS, 1984, p. 346).

Todas essas diiculdades tornam o método comparativo valioso no processo de construção teórica nas ciências sociais. Os estudos comparativos de diferentes sociedades ou mesmo de diferentes grupos dentro de uma mesma sociedade contribuem para descobrir o que é válido para vários grupos e várias socie- dades e o que é válido apenas para uma sociedade especíica. Ou seja, os estudos comparativos permitem deinir o grau de genera- lidade de conceitos utilizados nas explicações de fenômenos so- ciais (THELEN; STEINMO, 1992, p. 14; BENDIX, 1970, p. 176). É preciso não esquecer, entretanto, a advertência de Eisenstadt para que se tome cuidado ao comparar sociedades muito dissimi- lares, pois há o risco de se fazer generalizações empíricas a partir de realidades que podem ter uma aparência semelhante mas ser resultado de processos históricos completamente diferentes (EI- SENSTADT, 1968, p. 425). As experiências históricas são limita- das — é sempre possível imaginar sequências de eventos que po- deriam ter ocorrido. Por isso, segundo Bendix, as generalizações feitas a partir de fatos históricos são melhor caracterizadas como

construtos típico-ideais do que como leis gerais. Por exemplo, o processo de modernização que ocorre nas sociedades não oci- dentais é diferente do processo que tem ocorrido nas sociedades ocidentais; é, pois, errado usar generalizações elaboradas a partir de estudos do processo de modernização das sociedades ociden- tais para fazer previsões para outras sociedades, mas pode ser útil confrontar modelos feitos para sociedades ocidentais com obser- vações das sociedades não ocidentais (BENDIX, 1970, p. 279). Usando a terminologia de Merton (1970), tais teorias, por não se aplicarem a todas as sociedades de todos os tempos, seriam consideradas teorias de médio alcance.

Merton estava preocupado com a distância do mundo empírico a que se encontravam as grandes teorias. As teorias de médio alcance “também envolvem abstrações, mas estas es- tão mais próximas dos dados observados”2 (MERTON, 1970,

p. 51). As teorias de médio alcance, ao tornarem mais profun- damente conhecidos objetos menores, forneceriam subsídios para induções de maior exatidão e precisão, sendo, pois, de utilidade para o aperfeiçoamento de qualquer grande teoria. Embora as grandes teorias sejam frequentemente discrepantes entre si, elas são suicientemente imprecisas para acomodar em seu interior uma mesma determinada teoria de médio alcance. Em suma, o que Hoferbert e Cingranelli (1996, p. 608) dizem acerca da economia política é válido para todas as ciên- cias sociais:

O desaio para a economia política é enorme. Causação num mundo de mais variáveis do que casos é um alvo elusivo, que provavelmente não se renderá por vontade própria à representação estatística mais elegante.