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1.1 Ciências Sociais

1.1.4 Experimentos cruciais

De acordo com Zetterberg (1970), um dos fatores preju- diciais ao acúmulo de conhecimento teórico é o modo como os sociólogos selecionam seus objetos de estudo empíricos: o cri- tério de escolha do objeto de pesquisa é mais frequentemente algo socialmente do que teoricamente relevante, e uma pesquisa importante por contribuir para a solução de algum problema social imediato nem sempre permite tornar mais plausível uma ou outra teoria alternativa que esteja sendo investigada. Ou seja, usando uma expressão de Stinchcombe (1970), nem sempre uma pesquisa assim delimitada é um experimento crucial.

Há, pois, pelo menos dois modos de se escolher um obje- to de pesquisa empírica. Num deles, o pesquisador se interessa por um tema e procura alguma teoria que o ajude a explicar o que se passa com seu objeto de estudo. O outro modo consiste em confrontar teorias umas com as outras e prever quais fatos empíricos seriam úteis de se observar como experimento cru- cial. Esse segundo tipo de pesquisa empírica permite escolher entre teorias alternativas, fazendo com que teorias sejam es- quecidas, mantidas ou reformuladas por terem sido falseadas ou provisoriamente conirmadas. O conhecimento teórico se acumula e se torna mais integrado.

É pouco comum algo que possa ser considerado pesqui- sa básica. A grande maioria das pesquisas empíricas feitas por cientistas sociais, mesmo os mais renomados, tem por objetivo conhecer em profundidade um fenômeno histórico especíico. Muitos trabalhos seriam melhor classiicados como pesquisas da história recente — às vezes muito benfeitas —, em que se utilizam leis gerais elaboradas por outras disciplinas na expli- cação de fatos empíricos. São também comuns trabalhos teó-

ricos feitos por cientistas sociais que, diante da diiculdade ou impossibilidade de coleta dos dados necessários para a cons- trução da teoria, se limitam a fazer especulações ilosóicas — às vezes rotuladas de teoria sociológica.

Os trabalhos com pretensão teórica geral, ou seja, aque- les que pretendem encontrar leis ou mecanismos explicativos gerais que possam ser aplicados a uma grande diversidade de situações, costumam ser resultado de pesquisas bibliográicas, e não de alguma pesquisa empírica desenhada com o pro- pósito explícito de servir de experimento crucial para testar teorias. Comparam-se teorias com teorias e não teorias com fatos, o que me parece uma atividade mais propriamente i- losóica do que cientíica. Esse é mais um fator que contribui para a coexistência, nas ciências sociais, de um amontoado de teorias mutuamente contraditórias. As ciências sociais não formam um conjunto coerente de teorias complementares, cujas airmações podem ser, com algum esforço, inter-relacio- nadas e, em última instância, derivadas de princípios comuns (HOFFERBERT; CINGRANELLI, 1996, p. 606-607).

Em parte, é claro, essa situação é resultante da complexida- de dos fenômenos sociais, cuja intrincada inter-relação de uma multiplicidade de causas e efeitos diiculta — e muito — o isola- mento teórico de mecanismos causais de validade geral. Há tam- bém o problema moral que impede a realização de experimentos tal como são feitos nas ciências naturais. Mesmo quando não é eticamente reprovável, continua a ser um grande desaio metodo- lógico a realização de experimentos com seres humanos:

[…] mesmo onde alguma experimentação é permitida, seres humanos frequentemente modiicam seu com- portamento simplesmente por saberem estar sendo observados numa situação experimental. Por exemplo,

em pesquisa educacional frequentemente ocorre das crianças se saírem bem sob qualquer novo método ou inovação curricular (DYE, 1987, p. 16).

Apesar de todas as diiculdades, acredito que se uma proporção maior de cientistas sociais dedicasse sua criativi- dade à solução de dilemas teóricos boa parte dessas teorias já teria sido falseada ou, pelo menos, teriam icado mais claros os limites de sua aplicabilidade e as causas desses limites.

Uma forma de se conseguir uma maior aproximação do ideal de construção de conceitos claros e distintos é pela formalização lógica ou matemática das teorias. A formaliza- ção é o caminho natural a ser seguido quando se pretende produzir teorias desprovidas de ambiguidade, um pré-requi- sito para atender ao critério da falseabilidade e, consequente- mente, cientiicidade. A partir de Galileu, as ciências naturais têm, progressivamente, não apenas utilizado a matemática para análise de dados empíricos mas também incorporado formulações matemáticas em suas teorias. Nas ciências so- ciais tem sido diferente.

Para alguns cientistas sociais, expressar relações sociais em fórmulas matemáticas, mais do que simpliicação grosseira da realidade, chega a ser uma desrespeitosa tentativa de expli- car a liberdade humana por meio de leis deterministas. Ou seja, seria retirar da humanidade qualquer pretensão de, dignamen- te, ter algum controle sobre seu próprio destino. Os fenômenos sociais são vistos como qualitativamente diferentes dos fenôme- nos naturais e qualquer tentativa de emprego de métodos das ciências naturais estaria destinada ao fracasso. A sociedade não parece ser um objeto de estudo passível de ser tratado mate- maticamente, sendo a matemática usada praticamente apenas como um instrumento de auxílio à análise de dados.

A estatística tem sido utilizada para analisar dados obti- dos em grande quantidade, pois muitas vezes é possível, usando técnicas quantitativas, determinar quais fatores são mais rele- vantes para a ocorrência de um fenômeno que tem múltiplas causas e múltiplas consequências. O suicídio, de Durkheim, e A ética protestante e o espírito do capitalismo, de Weber, exem- pliicam essa forma de se servir da matemática entre os autores clássicos da sociologia. A partir de meados do século XX, as téc- nicas de metodologia quantitativa de pesquisa soisticaram-se bastante, sendo hoje comumente empregadas para dar funda- mentação empírica a teorias em diversos centros de pesquisa no Brasil e no mundo. Esse é um louvável emprego da matemática e certamente é a forma mais viável de realizar pesquisas empíricas que tenham como objetivo servir de experimentos cruciais para testar teorias.

Estão já bem desenvolvidas as técnicas de pesquisa quali tativa e quantitativa. O que ainda se encontra em está gio embrionário nas ciências sociais é a cooperação entre os cien- tistas sociais que se sentem mais felizes realizando pesquisas qualitativas e aqueles que acham mais divertido realizar pes- quisas quantitativas. Embora muitos cientistas sociais avaliem positivamente o emprego conjunto de técnicas quantitativas e qualitativas, não são raros os casos de intolerância: os que realizam pesquisas quantitativas são frequentemente chama- dos de empiricistas, e os que realizam pesquisas qualitativas, de não cientistas.

É claro que pesquisas quantitativas realizadas sem o su- porte das pesquisas qualitativas correm o risco de se tornar brincadeiras com números. A apresentação de fórmulas de re- gressão ou dos resultados de testes de signiicância estatística, por exemplo, pode dar a impressão de ter sido realizada uma

pesquisa dentro dos rigores exigidos pela ciência. Entretanto, não se pode esquecer somente ser viável a coleta de uma gran- de quantidade de dados para uma pequena quantidade de va- riáveis. A pesquisa quantitativa é necessariamente feita sobre uma realidade previamente empobrecida e, se forem coletados dados sobre variáveis irrelevantes, os resultados da pesquisa serão teórica e politicamente irrelevantes, embora possam ser estatisticamente signiicativos. A realização de estudos em pro- fundidade de alguns poucos casos — as tradicionais pesquisas qualitativas — permite a elaboração de diversas hipóteses ex- plicativas do fenômeno estudado; o exame cuidadoso dessas hipóteses permite a escolha das variáveis mais promissoras para a realização de testes cruciais; a coleta em grande quanti- dade dessas variáveis permite, por meio da análise estatística, determinar qual a correlação de cada uma das variáveis com a existência do fenômeno estudado, o que em alguns casos po- derá resultar na rejeição de algumas das hipóteses elaboradas durante as pesquisas qualitativas. Portanto, é de se esperar que as pesquisas empíricas mais frutíferas sejam aquelas que com- binem as vantagens das abordagens qualitativa e quantitativa.