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Formação de alianças e cooperação entre antropoides virtuais: um modelo computacional baseado em agentes

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A

Formação de Alianças e Cooperação

entre Antropoides Virtuais:

um modelo computacional

baseado em agentes

Jakson Alves de Aquino

DE ESTUDOS DA

Jakson Alves de Aquino

A

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(3)

Universidade Federal do Ceará – UFC Reitor

Prof. Jesualdo Pereira Farias Vice-Reitor

Prof. Henry de Holanda Campos

Editora UFC Diretor e Editor

Prof. Antônio Cláudio Lima Guimarães Conselho Editorial

Presidente

Prof. Antônio Cláudio Lima Guimarães Conselheiros

Profa. Adelaide Maria Gonçalves Pereira Profa. Angela Maria R. Mota de Gutiérrez Prof. Gil de Aquino Farias

Prof. Italo Gurgel

(4)

Formação de Alianças e Cooperação entre

Antropoides Virtuais:

Um Modelo Computacional Baseado em Agentes

(5)

Todos os Direitos Reservados

Editora da Universidade Federal do Ceará – UFC Av. da Universidade, 2932 – Benica – Fortaleza – Ceará CEP: 60.020-181 – Tel./Fax: (85) 3366.7766 (Diretoria) 3366.7499 (Distribuição) 3366.7439 (Livraria)

Internet: www.editora.ufc.br – E-mail: editora@ufc.br

Coordenação Editorial

Moacir Ribeiro da Silva

Revisão de Texto

Joana D’Arc da Silva

Carmen Dolores Saraiva de Sousa Rogeria de Assis Batista Vasconcelos

Programação Visual e Diagramação

hiago Nogueira de Freitas

Capa

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Várias pessoas e organizações contribuíram direta ou indiretamente para a produção deste livro. Expresso abaixo meu reconhecimento.

Bruno Reis teve a ousadia de assumir a orientação de uma tese heterodoxa e de deixar seu orientando seguir um rumo pouco convencional, porém, sempre advertindo dos riscos do empreendimento para garantir o bom andamento do traba-lho cujo resultado é apresentado neste livro. A maior parte da fundamentação metodológica foi formada durante as discipli-nas Teoria dos Jogos e Teoria da Escolha Racional ministradas pelo professor Bruno Reis. Algumas passagens são praticamente transcrições de frases por ele proferidas em sala de aula.

Mônica Mata Machado de Castro foi minha professora de Análise de Dados em 2002. Renan Springer de Freitas foi meu professor de História da Ciência durante o doutorado. Várias ideias do capítulo sobre metodologia foram amadurecidas nas discussões realizadas durante as disciplinas desses professores.

Francisco José Alves de Aquino e Joceny Pinheiro leram e comentaram uma versão preliminar do capítulo 5 e Luzinete Car-pin leu uma versão quase completa do texto e fez várias sugestões de correção linguística e de adequação às normas da ABNT.

Ricardo Machado Ruiz, Milton Corrêa Filho, Maria Emilia Yamamoto e Jorge Alexandre Neves izeram valiosas sugestões de melhorias e correções, muitas das quais consegui incorporar ao texto inal.

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Sou grato a todas essas pessoas por sua contribuição para melhorar a qualidade do texto e sou especialmente grato à minha esposa, Joana D’Arc da Silva, que, além de me fazer companhia há vários anos, cuidadosamente leu e revisou a versão inal do livro.

Sou também grato às revisoras da Imprensa Universitária da UFC Carmen Dolores Saraiva de Sousa e Rogeria de Assis Batista Vasconcelos, pela cuidadosa revisão adicional.

As correções não feitas e os problemas remanescentes ou acrescentados posteriormente são de minha inteira res-ponsabilidade.

A Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) me concedeu uma bolsa de estudos durante três anos e a Universidade do Estado de Santa Catarina disponibilizou um laboratório de informática para a realização das simulações.

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Tabela 1 – Características físicas de diferentes

espécies de hominídeos ...192

Tabela 2 – As 32 combinações de parâmetros ...254

Tabela 3 – Médias das características genéticas

da primeira população ...255

Tabela 4 – Resultado geral de todas as simulações ...258

Tabela 5 – Propensão genética média da última população para compartilhar comida ...260

Tabela 6 – Propensão genética média da última população para se mover e migrar ...261

Tabela 7 – Propensões genéticas médias das últimas

populações relacionadas a conflito de território ...262

Tabela 8 – Propensões genéticas médias da última população relacionadas a memorização e lembrança ...263

Tabela 9 – Propensões genéticas médias da última população relacionadas a reprodução ...264

Tabela 10 – Sumário de regressão para fVida

como variável dependente ...265

Tabela 11 – Sumários de regressões para Número de

caçadores e Compartilhamento de comida

como variáveis dependentes ...266

Tabela 12 – Proporções mínima, média e máxima de lembranças representando diferentes tipos de relação ...267

Tabela 13 – Valor médio de algumas variáveis usadas

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Figura 1 – Dilema do Prisioneiro ...45

Figura 2 – Jogo da Caça ao Cervídeo ...93

Figura 3 – Colapso da cooperação na ausência de metanormas ...99

Figura 4 – Colapso da cooperação no jogo do Dilema do Prisioneiro ...101

Figura 5 – Evolução da cooperação no jogo do Dilema do Prisioneiro ...103

Figura 6 – Árvore evolucionista dos antropoides ...122

Figura 7 – Crescimento de uma planta rasteira ...230

Figura 8 – Algoritmo básico do modelo proposto ...238

Figura 9 – Algoritmo do patrulhamento de território ...246

Figura 10 – Expectativa de carne a ser obtida ...251

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Prefácio ...15

Introdução ...23

1 Discussão Metodológica ...29

1.1 Ciências Sociais ...29

1.1.1 Conceitos claros e distintos...31

1.1.2 Ambiguidade da linguagem ...32

1.1.3 Leis sociais ...33

1.1.4 Experimentos cruciais ...37

1.2 Formalização de Teorias ...41

1.3 Teoria dos Jogos ...44

1.3.1 Dilema do prisioneiro ...44

1.3.2 Teorias da escolha racional como teorias gerais ...47

1.3.3 Pressupostos das teorias da escolha racional ...48

1.3.3.1 Pressuposto da racionalidade ...49

1.3.3.2 Pressuposto do egoísmo ...50

1.3.3.3 Pressuposto do conhecimento completo ...52

1.3.3.4 Pressupostos e tratabilidade matemática ...52

1.3.4 Vigor metodológico do pressuposto da racionalidade ...55

1.3.5 Limitações da teoria dos jogos ...59

1.4 Modelos Baseados em Agentes ...61

2 Modelos de Evolução da Cooperação ...75

2.1 Seleção de Parentesco ...75

2.2 Altruísmo Recíproco...77

2.3 Seleção de Grupo ...81

2.4 Reciprocidade Forte ...82

2.4.1 Evidências empíricas ...83

2.4.2 Obstáculos à evolução da reciprocidade forte ...84

2.4.3 Transmissão cultural ...85

2.5 Torneios de Dilema do Prisioneiro ...90

2.6 Caça ao Cervídeo ...92

2.7 Normas e Metanormas ...95

2.8 Dois Modelos Evolucionistas ...97

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2.10 Modelo de Compartilhamento de Comida ...108

2.11 Desaios ...111

3 Antropoides ...119

3.1 Semelhança Física com Humanos ...121

3.2 Hábitat ...123

3.3 Sociedades de Fissão e Fusão ...127

3.3.1 Tamanho das comunidades e seus grupos ...128

3.3.2 Padrão de deslocamento ...130

3.3.3 Caça ...131

3.4 Sexualidade ...132

3.5 Inteligência Social e Empatia ...135

3.5.1 Capacidade de planejar ...135

3.5.2 Inteligência inconsciente não simbólica ...135

3.5.3 Capacidade de enganar...137

3.5.4 Empatia ...140

3.5.5 Capacidade de pensamento abstrato ...144

3.5.6 Memorização de favores e senso de justiça ...147

3.6 Hierarquia e Disputa de Poder ...148

3.6.1 Conlitos entre comunidades ...148

3.6.2 Conlitos intracomunidade ...153

3.6.3 Existência de hierarquia e deferência ...155

3.6.4 Conlitos entre bonobos ...156

3.6.5 Formação de alianças ...157

3.7 Tolerância e Conciliação ...162

3.8 Uso de Ferramentas ...163

3.9 Reciprocidade e Cooperação ...167

3.9.1 Reciprocidade em sociedades humanas ...167

3.9.2 Habilidades cognitivas e tipos de reciprocidade ...170

3.9.3 Compartilhamento de comida entre chimpanzés...173

4 Origem e Evolução do Homem ...175

4.1 Geologia, Clima e Paleoantropologia ...175

4.2 Antes dos Australopitecos ...178

4.2.1 Origem do bipedalismo ...178

4.2.2 Sahelanthropus ...181

4.2.3 Orrorin ...183

(14)

4.4 O Gênero Homo ...195

4.4.1 O cérebro grande ...195

4.4.2 Homo ergaster ...197

4.4.3 Homo erectus ...199

4.4.4 Neandertalenses ...206

4.4.5 Homens modernos ...209

4.5 Origem da Linguagem ...213

4.5.1 Teoria da linguagem de sinais ...213

4.5.2 Teoria da protolíngua ...215

4.5.3 Teoria da empatia ...216

4.5.4 Antropoides humanizados ...222

5 Um Modelo Baseado em Agentes de Formação de Alianças e Cooperação entre Antropoides Virtuais ...227

5.1 Introdução ...227

5.2 Descrição do Modelo Proposto ...228

5.2.1 As presas ...229

5.2.2 Vegetação...229

5.2.3 Os antropoides ...232

5.2.4 Memória e lembranças ...234

5.2.5 Ações básicas dos agentes ...238

5.2.6 Compartilhamento de alimentos ...240

5.2.7 Migração ...242

5.2.8 Territorialismo ...245

5.2.9 Caça ...249

5.2.10 Reprodução ...251

5.3 Parâmetros Utilizados nas Simulações ...253

5.4 Resultados ...257

6 Interrupção ...269

Referências Bibliográficas ...275

Apêndices ...295

Apêndice A – Parâmetros ixos por toda a simulação ...295

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Prefácio

“Imagine o quanto a Física seria difícil se as partículas pudessem pensar.”

Essa tirada provocativa costuma ser atribuída a Murray Gell-Mann, Nobel de Física em 1969. De minha parte, enten-do que essa “física difícil” existe, e atende pelo nome genérico de ciências sociais. Pois nas disciplinas nomotéticas dedicadas a humanidades, como a economia, a sociologia, a ciência política, não fazemos outra coisa senão tentar estabelecer proposições de natureza nomológica sobre um objeto cujas “partículas” pen-sam: todos nós.

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atores sociais mesmo no mais escrupuloso estudo sociológico num determinado caso tendam a deixar de ser válidos para o próximo caso.

Essa espécie de perplexidade alimentou inúmeras que re las teórico-metodológicas entre nós: deterministas e indeterminis-tas, universalistas e paroquialisindeterminis-tas, considera ções inindáveis so-bre agência e estrutura, individualismos e holismos, nomo logias e idiograias, quantitativistas e qualitativistas, generalistas e espe-cialistas de todo tipo engalinharam-se inindavelmente sobre a “melhor” maneira de se lidar sistematicamente com peculiarida-des da análise sociológica que quase sempre poderiam ter suas pegadas rastreadas até esse problema de retroali mentação aqui esboçado, decorrente desta premissa incontornável: as pessoas pensam. As unidades de análise que tipicamente representam nossa “partícula” fundamental, os indivíduos, adaptam constan-temente suas crenças, objetivos e comportamentos a circunstân-cias em perpétua mutação, retroalimentando permanentemente o sistema de interações sociais — e modiicando seu compor-tamento.

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cons-tante” — se possam examinar exclusivamente os efeitos mútuos observáveis entre as variáveis.

Na ciência social, porém, esse enquadramento cobra do analista um esforço particularmente heroico no plano concei-tual, que frequentemente se apressa a desqualiicar a legitimida-de metodológica legitimida-de enquadramentos que exprimem perguntas autênticas, ocasionalmente derivadas de inquietações sociais correntes. Isso se dá, por exemplo, na clássica disputa entre, de um lado, uma sociologia macro-histórica que interpela temas de largo alcance por aproximações abstratas pouco propensas a apropriação empírica sistemática e, do outro, os estudos empíri-cos de médio alcance, que por deinição “parametrizam” vastos conjuntos de variáveis, arriscando-se a esterilizar a fecundidade do estudo para contextos distintos daquele especíico onde tiver sido feita a pesquisa.

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hesi-tações, vícios, enganos e promessas não cumpridas — feitas a nós mesmos.

Todas essas agudas diiculdades acarretadas pela im-portância de efeitos de retroalimentação na geração de não linearidades no comportamento de nossas variáveis deveriam nos tornar particularmente receptivos ao advento de técnicas destinadas à apropriação analítica do comportamento de sis-temas não lineares.

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Simulation (JASSS), que já há quase quinze anos mantém suas publicações gratuitamente acessíveis na internet (http://jasss. soc.surrey.ac.uk/JASSS.html). Pacotes de sotware dedicados às simulações encontram-se disponíveis na web, incluindo alguns de uso bastante simples, como o NetLogo (http://ccl. northwestern.edu/netlogo/), desenvolvido na Northwestern University.

Infelizmente, a ciência social acadêmica praticada em nossos departamentos tem sido lenta na assimilação desse aporte — que, no entanto, terá de vir, cedo ou tarde. Por todas as razões apontadas acima, a modelagem computacional de sistemas adaptativos não é apenas mais uma “moda” acadêmica, destinada a desaparecer na próxima esquina, como tantas outras. Tende, antes, a tornar-se uma ferramenta corriqueira, talvez um dia a principal ferramenta, para efetuar a árdua tarefa de integrar teorização e experimentação em ciências sociais. Os físicos, bem treinados em teorização formal e pouco ciosos quanto à demarcação de fronteiras disciplinares, já falam com desenvoltura de uma “sociofísica”, enquanto nós, cientistas sociais, ainda nos deixamos absorver por controvérsias intermináveis entre “quali” e “quanti”. De resto, hoje quase todo estudante tem acesso regular a algum tipo de computador, com o qual desde cedo se habitua a lidar cotidianamente. Se insistirmos numa formação que se apoia

apenas em pilhas de livros, reservando ao computador o papel exclusivo de processador de dados empíricos, negligenciaremos não apenas uma perspectiva importante de desenvolvimento de nossas disciplinas, mas até mesmo a formação mais plena de nossos alunos — que tenderão a nos abandonar.

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inicia-dos, enquanto os físicos se apropriam distraidamente de nosso objeto, melhor faríamos se cuidássemos de integrar as duas tradições de pesquisa, alargando nossos horizontes analíticos ao mesmo tempo que evitamos que nossos novos colegas i-quem reinventando a roda ao se apropriar ingenuamente de questões que nos ocupam há décadas.

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Claro. Como acontece com todo bom cientista, nem tudo o que Jakson esperava observou-se na operação de seu modelo. Mais especiicamente, a cooperação que ele buscava teimou em não “emergir”, para frustração não pequena do autor. Em lugar dela, porém, tendeu a disseminar-se uma forte propensão à não agressão — que em si mesma constitui um resultado teórico interessante, e ainda pode ser um subs-tituto funcional razoável da cooperação, já que reduz a im-portância da manutenção estável de redes de amizade para a sobrevivência individual. Como o próprio autor airma, ain-da há muito a se explorar no modelo, mas ali já se encontra material muito mais que suiciente para submeter o trabalho ao público amplo que ele sem dúvida merece.

Tem sido sempre um privilégio poder colaborar com Jakson Aquino e acompanhar sua trajetória proissional. Agora, com a publicação de sua tese, essa satisfação se es-tende a um público muito maior, ampliando as perspectivas de disseminação e maturação coletiva de sua contribuição. É bom ver a caravana andar.

Bruno P. W. Reis

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Introdução

Pouco dotado de instintos que, sozinhos, levem a um com-portamento adaptativo, desprovido de garras, de presas e portador de um enorme e exigente cérebro que precisa de muita água e ener-gia para continuar funcionando, um ser humano isolado de seus semelhantes diicilmente pode ser considerado um animal bem preparado para sobreviver num ambiente natural. Pode-se airmar que os seres humanos há milhares de anos têm não apenas sobre-vivido mas se tornado uma espécie bem-sucedida, difundindo-se por praticamente todos os hábitats do planeta, porque vivem em sociedade e cooperam na produção de bens coletivos. Entretanto, em muitas circunstâncias, a atitude que deixaria um indivíduo em melhor situação material seria usufruir bens coletivos já produzi-dos sem contribuir para sua produção. Assim, uma questão que acompanha a ciência política há muito tempo tem sido: por que os homens cooperam para a produção de bens públicos?

Muitas das explicações fornecidas incluem a existência de emoções pró-sociais nos humanos, entre elas, a tendência para se sentir grato por um favor recebido e desejar retribuí-lo quan-do tiver oportunidade, a disposição para punir alguém que não tem cooperado para a produção de um bem público — mes-mo que isso implique um custo para si próprio —, a vergonha por ter feito algo errado etc. Essas soluções, entretanto, apenas empurram a resposta para um período mais distante, criando novas perguntas: como evoluíram essas emoções pró-sociais? Como se deu a evolução da cooperação?

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evidências empíricas disponíveis, seria sempre possível cons-truir mais de uma versão plausível do processo de evolução da cooperação. Por serem questões evolucionistas, as respostas não podem ser buscadas fazendo uso apenas dos métodos de investigação tradicionalmente empregados pelas ciências so-ciais. É preciso o apoio de teorias e métodos evolucionistas. O uso de argumentos evolucionistas em geral e da biologia em particular não é algo comum em pesquisas sociológicas, mas, a meu ver, as ciências sociais somente têm a ganhar com uma mudança de atitude dos cientistas sociais.

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Não obstante haver diferentes níveis de complexidade, em princípio, não há um fosso intransponível entre realidade natural e realidade humana. Entretanto, as ciências sociais não se encon-tram integradas nem mesmo internamente. Não conseguimos, com a mesma facilidade apresentada no parágrafo anterior, ima-ginar transições relativamente fáceis de uma disciplina para outra (por exemplo, da sociologia para a economia, da antropologia para a ciência política etc.). E, o pior, cada disciplina se apresenta em várias versões. A sociologia, por exemplo, pode ser vista sob o prisma da teoria da escolha racional, teoria dos sistemas, teoria da ação comunicativa, interacionismo simbólico etc.

Talvez, essa diversidade de abordagens se deva ao fato das diversas sociologias partirem de diferentes pressupostos, nenhum deles empiricamente testado. Acredito que, por trás de cada abordagem, podem ser encontradas diferentes con-cepções de como está estruturada a realidade e de qual é a na-tureza humana. Essas diferentes concepções levam tanto a uma não integração das ciências sociais entre si como a uma falta de integração entre ciências sociais e ciências naturais. Não há dúvidas de que a realidade social é complexa o suiciente para que possamos considerar ingênua qualquer esperança de ter sobre ela o mesmo grau de domínio que temos sobre a natu-reza. Ou seja, não conseguiremos reduzir as ciências sociais às ciências naturais, mas nem por isso deixa de ser importante conhecer os fundamentos naturais da realidade social.

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atêm a um dos níveis, mas isso não é suiciente para justiicar a distância atual entre ciências naturais e sociais. Algumas lacu-nas podem ser preenchidas. Como argumentam Lenski (1988, p. 163, rodapé) e Cosmides, Tooby e Barkow (1992, p. 12), as ciências naturais são integradas, mas não de um modo reducio-nista, e a integração entre ciências naturais e sociais é possível. A descoberta do DNA, nos anos cinquenta do século XX, permitiu uma melhor compreensão de como se dá a se-leção natural das espécies e, nos últimos anos, os avanços da medicina têm permitido uma melhor compreensão do fun-cionamento do cérebro humano. Tendo por base esses dois avanços, a psicologia cognitiva tem feito progressos conside-ráveis e o corolário de todos esses acontecimentos tem sido o gradual preenchimento das lacunas que separam as ciências sociais das ciências naturais. Já se pode pensar numa retomada de algumas antigas discussões ilosóicas, agora com embasa-mento cientíico. As teorias evolucionistas prometem fornecer o material necessário para a construção de uma ponte entre ciências sociais e ciências naturais.

O fato de não haver uma teoria sociológica suiciente-mente uniicada dispersa os esforços empreendidos pelos so-ciólogos. Cada corrente teórica na sociologia tem de recriar os fundamentos de uma teoria sociológica geral. A situação é semelhante ao que ocorria com a física antes de Newton (KUHN, 1970, p. 13).

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das sociedades humanas. Não existem modelos baseados em agentes abordando a cooperação em sociedades tão complexas quanto as contemporâneas que possam servir de ponto de par-tida para um modelo com o nível de detalhamento que almejo. Por isso, o ponto de partida para o modelo aqui desenvolvido são sociedades mais simples, de antropoides.

O meu objetivo com este trabalho é contribuir para o desenvolvimento de técnicas que auxiliem no preenchi mento das lacunas apresentadas. Mais especiicamente, o objetivo é construir um modelo computacional baseado em agentes e testá-lo por meio de simulação em computador. A estratégia seguida consistiu, basicamente, em construir um modelo cujos agentes possuem características comportamentais interpretá-veis como equivalentes às de antropoides atualmente existen-tes e, possivelmente, às do nosso último ancestral comum com esses antropoides. Por um lado, o modelo resultante é mais realista e traz para um ambiente complexo muitos elementos dos modelos de evolução da cooperação encontrados na lite-ratura. Por outro lado, não é possível considerar que o modelo apresentado aqui represente sociedades humanas modernas, pois várias habilidades cognitivas soisticadas não foram mo-deladas, como a comunicação com linguagem simbólica, por exemplo. Um objetivo secundário é avaliar o potencial das téc-nicas de modelagem baseadas em agentes para o desenvolvi-mento de modelos de fenômenos sociais.

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1

Discussão Metodológica

1.1 Ciências Sociais

Na física, as regularidades resultantes do que se consi-dera serem processos causais são expressas em fórmulas ma-temáticas. As fórmulas não correspondem exatamente ao que ocorre no mundo real, mas ao que ocorreria se o mundo fosse tão simples quanto o modelo teórico que serve de contexto para a fórmula. As teorias sociais, ao contrário, não costumam ser expressas em linguagem matemática tal como ocorre com a maioria das ciências naturais. Quando se faz uma análise de dados sociais, pode-se, por exemplo, a partir de uma análise de regressão, expressar regularidades do mundo social numa fór-mula matemática — o modelo de regressão. Ao contrário do que ocorre na física, geralmente não é possível generalizar os resultados na forma de leis sociais, ou seja, raramente conse-guimos garantir que um determinado fenômeno sempre será suiciente para causar um fenômeno social especíico.

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absolutamente irrelevante. Por exemplo, o impacto dos fótons da luz solar sobre os corpos também pode ajudar a empurrar o cor-po, mas seu efeito é tão desprezível que, independentemente da nossa observação ser diurna ou noturna, a precisão dos nossos cálculos não será acrescida em nada se incluirmos essa variável na análise.

No estudo da sociedade a situação é bem diferente. Os fenômenos sociais são determinados — ou melhor, condicio-nados — por uma multidão de variáveis que não conseguimos detectar em nossas pesquisas, mas que não permanecem cons-tantes ao se passar de uma sociedade para outra. São, por isso, poucas as generalizações que podem ser estendidas a todas as sociedades humanas de todos os tempos. Cada fenômeno so-cial é causado por uma multidão de fatores que se inluenciam mutuamente, muitas vezes atuando em direções opostas, o que torna sua ocorrência um evento sempre incerto.

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1.1.1 Conceitos claros e distintos

Durkheim (1999, p. XVIII), seguindo o ideal cartesiano, airmava que as teorias nas ciências sociais deveriam se utilizar de conceitos “claros e distintos”. Ao se fazer a comparação en-tre as características de um objeto real e um conceito, deveria ser possível ter clareza se o objeto é ou não um dos objetos representados pelo conceito. Um conceito bem construído si-multaneamente englobaria todos os objetos que se pretende que ele represente e excluiria todos aqueles que ele não deveria representar, não deixando margens para interpretações am-bíguas. A deinição de fato social apresentada por Durkheim (1999, p. 13) deveria ser um exemplo de conceito com essas características.

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com-partilharem todas um mesmo conjunto de características. Assim, de acordo com Sperber, por exemplo, todas as sociedades huma-nas possuem alguma instituição que conseguimos reco nhecer como casamento. Mas não há nenhuma característica comum a todos os tipos de casamento de todas as sociedades que não ocor-ra em nenhuma outocor-ra instituição e que, portanto, possa ser usa-da para deinir de forma clara e distinta o casamento (SPERBER, 1996, p. 17). Ou seja, a instituição casamento existiria em todas as sociedades, mas nem sempre devido ao mesmo conjunto de causas ou com o mesmo conjunto de consequências. O caráter altamente incerto e multicausal dos fenômenos sociais parece também ser uma justiicativa para o uso, pelas ciências sociais, de conceitos por semelhança de família.

1.1.2 Ambiguidade da linguagem

Como se não bastasse a complexidade do objeto de es-tudo dos cientistas sociais, a principal ferramenta que utiliza-mos para construir nossas teorias — a linguagem humana — é naturalmente ambígua. As palavras carregam as mais variadas conotações, umas positivas, outras negativas, e a interpretação do signiicado de uma expressão ou sentença é muito depen-dente do contexto em que é proferida ou escrita.

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as ciências naturais e outros critérios devem ser utilizados para avaliar a qualidade das suas teorias.

Podemos perceber um maior rigor e clareza do pensa-mento quando se passa da linguagem oral para a linguagem escrita. A linguagem escrita permite ao autor revisar ideias, re-ordenar argumentos e reescrever sentenças, e todas essas ações ajudam o escritor a perceber e eliminar algumas incoerências e ambiguidades presentes na primeira versão do texto. Expressar as ideias por escrito ameniza, mas não resolve o problema.

Segundo Bendix (1970, p.  180), substituir as expressões da linguagem comum por termos técnicos inventados também não produz resultados satisfatórios. Os novos conceitos, logo que começam a ser usados, não estão carregados de conotações di-versas, mas, se a teoria em que eles aparecem izer sucesso, em breve estarão. Além disso, mesmo um conceito recém-inventado precisará de um contexto para ser compreendido.

1.1.3 Leis sociais

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que levarão as novas informações em consideração ao agir. Ou seja, os indivíduos podem não mais considerar benéica a ação praticada e, nesse caso, já não seria mais válida uma lei (social) que antes corretamente enunciava que em tais circunstâncias os indivíduos agem de tal forma. Um ser humano é inteligen-te o suicieninteligen-te para evitar alguns erros que soube inteligen-terem sido cometidos por outros ou que ele próprio cometeu no passado. Além disso, para atingir seus objetivos, levará em considera-ção as prováveis ações dos outros indivíduos. Assim, as teorias sobre a realidade social são historicamente situadas — válidas apenas para um determinado período — porque o conheci-mento dos indivíduos e as práticas cristalizadas nas institui-ções estão sempre se modiicando. A versatilidade humana garante a não repetição da história.

O ser humano possui algumas propensões à ação biologi-camente condicionada, mas mesmo essas propensões depen-dem não apenas do meio ambiente imediato, mas também dos valores que o indivíduo foi culturalmente levado a construir. Por exemplo, qualquer indivíduo que sinta ter sido tratado de modo injusto tenderá a achar a situação desagradável, mas a noção de justiça desse indivíduo será em boa medida construí-da a partir construí-das noções de certo e de errado prevalecentes em seu meio cultural.1 A reação do indivíduo dependerá de

mui-tos fatores: seu poder em comparação com quem lhe foi injus-to, seu temperamento pessoal, seu estado de humor no dia, e outros mais. Em princípio seria possível pensar em algumas leis psicológicas gerais acerca do comportamento hu mano, mas são leis que preveem apenas tendências, não sendo

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terministas. Na prática, a proliferação de teorias mutua mente inconsistentes na psicologia parece ser tão grande quanto nas ciências sociais, não sendo muito promissor o que poderia vir a ser o fundamento de uma teoria da ação social.

Mas, se tentar prever o comportamento de indivíduos já é tarefa difícil, mais desaiador ainda é tentar derivar leis sociais gerais a partir de leis psicológicas mutuamente inconsistentes. Consequentemente, as generalizações que os cientistas sociais conseguem fazer não costumam ser válidas para todas as sociedades de todos os tempos. Elas estão historicamente situadas e o mais prudente é não chamá-las de leis (BENDIX, 1970, p. 184; DIMAGGIO; POWELL, 1991, p. 10; ROTHSTEIN, 1996, p. 154; GIDDENS, 1984, p. 346).

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construtos típico-ideais do que como leis gerais. Por exemplo, o processo de modernização que ocorre nas sociedades não oci-dentais é diferente do processo que tem ocorrido nas sociedades ocidentais; é, pois, errado usar generalizações elaboradas a partir de estudos do processo de modernização das sociedades ociden-tais para fazer previsões para outras sociedades, mas pode ser útil confrontar modelos feitos para sociedades ocidentais com obser-vações das sociedades não ocidentais (BENDIX, 1970, p. 279). Usando a terminologia de Merton (1970), tais teorias, por não se aplicarem a todas as sociedades de todos os tempos, seriam consideradas teorias de médio alcance.

Merton estava preocupado com a distância do mundo empírico a que se encontravam as grandes teorias. As teorias de médio alcance “também envolvem abstrações, mas estas es-tão mais próximas dos dados observados”2 (MERTON, 1970,

p. 51). As teorias de médio alcance, ao tornarem mais profun-damente conhecidos objetos menores, forneceriam subsídios para induções de maior exatidão e precisão, sendo, pois, de utilidade para o aperfeiçoamento de qualquer grande teoria. Embora as grandes teorias sejam frequentemente discrepantes entre si, elas são suicientemente imprecisas para acomodar em seu interior uma mesma determinada teoria de médio alcance. Em suma, o que Hoferbert e Cingranelli (1996, p. 608) dizem acerca da economia política é válido para todas as ciên-cias sociais:

O desaio para a economia política é enorme. Causação num mundo de mais variáveis do que casos é um alvo elusivo, que provavelmente não se renderá por vontade própria à representação estatística mais elegante.

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1.1.4 Experimentos cruciais

De acordo com Zetterberg (1970), um dos fatores preju-diciais ao acúmulo de conhecimento teórico é o modo como os sociólogos selecionam seus objetos de estudo empíricos: o cri-tério de escolha do objeto de pesquisa é mais frequentemente algo socialmente do que teoricamente relevante, e uma pesquisa importante por contribuir para a solução de algum problema social imediato nem sempre permite tornar mais plausível uma ou outra teoria alternativa que esteja sendo investigada. Ou seja, usando uma expressão de Stinchcombe (1970), nem sempre uma pesquisa assim delimitada é um experimento crucial.

Há, pois, pelo menos dois modos de se escolher um obje-to de pesquisa empírica. Num deles, o pesquisador se interessa por um tema e procura alguma teoria que o ajude a explicar o que se passa com seu objeto de estudo. O outro modo consiste em confrontar teorias umas com as outras e prever quais fatos empíricos seriam úteis de se observar como experimento cru-cial. Esse segundo tipo de pesquisa empírica permite escolher entre teorias alternativas, fazendo com que teorias sejam es-quecidas, mantidas ou reformuladas por terem sido falseadas ou provisoriamente conirmadas. O conhecimento teórico se acumula e se torna mais integrado.

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teó-ricos feitos por cientistas sociais que, diante da diiculdade ou impossibilidade de coleta dos dados necessários para a cons-trução da teoria, se limitam a fazer especulações ilosóicas — às vezes rotuladas de teoria sociológica.

Os trabalhos com pretensão teórica geral, ou seja, aque-les que pretendem encontrar leis ou mecanismos explicativos gerais que possam ser aplicados a uma grande diversidade de situações, costumam ser resultado de pesquisas bibliográicas, e não de alguma pesquisa empírica desenhada com o pro-pósito explícito de servir de experimento crucial para testar teorias. Comparam-se teorias com teorias e não teorias com fatos, o que me parece uma atividade mais propriamente i-losóica do que cientíica. Esse é mais um fator que contribui para a coexistência, nas ciências sociais, de um amontoado de teorias mutuamente contraditórias. As ciências sociais não formam um conjunto coerente de teorias complementares, cujas airmações podem ser, com algum esforço, inter-relacio-nadas e, em última instância, derivadas de princípios comuns (HOFFERBERT; CINGRANELLI, 1996, p. 606-607).

Em parte, é claro, essa situação é resultante da complexida-de dos fenômenos sociais, cuja intrincada inter-relação complexida-de uma multiplicidade de causas e efeitos diiculta — e muito — o isola-mento teórico de mecanismos causais de validade geral. Há tam-bém o problema moral que impede a realização de experimentos tal como são feitos nas ciências naturais. Mesmo quando não é eticamente reprovável, continua a ser um grande desaio metodo-lógico a realização de experimentos com seres humanos:

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em pesquisa educacional frequentemente ocorre das crianças se saírem bem sob qualquer novo método ou inovação curricular (DYE, 1987, p. 16).

Apesar de todas as diiculdades, acredito que se uma proporção maior de cientistas sociais dedicasse sua criativi-dade à solução de dilemas teóricos boa parte dessas teorias já teria sido falseada ou, pelo menos, teriam icado mais claros os limites de sua aplicabilidade e as causas desses limites.

Uma forma de se conseguir uma maior aproximação do ideal de construção de conceitos claros e distintos é pela formalização lógica ou matemática das teorias. A formaliza-ção é o caminho natural a ser seguido quando se pretende produzir teorias desprovidas de ambiguidade, um pré-requi-sito para atender ao critério da falseabilidade e, consequente-mente, cientiicidade. A partir de Galileu, as ciências naturais têm, progressivamente, não apenas utilizado a matemática para análise de dados empíricos mas também incorporado formulações matemáticas em suas teorias. Nas ciências so-ciais tem sido diferente.

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A estatística tem sido utilizada para analisar dados obti-dos em grande quantidade, pois muitas vezes é possível, usando técnicas quantitativas, determinar quais fatores são mais rele-vantes para a ocorrência de um fenômeno que tem múltiplas causas e múltiplas consequências. O suicídio, de Durkheim, e

A ética protestante e o espírito do capitalismo, de Weber, exem-pliicam essa forma de se servir da matemática entre os autores clássicos da sociologia. A partir de meados do século XX, as téc-nicas de metodologia quantitativa de pesquisa soisticaram-se bastante, sendo hoje comumente empregadas para dar funda-mentação empírica a teorias em diversos centros de pesquisa no Brasil e no mundo. Esse é um louvável emprego da matemática e certamente é a forma mais viável de realizar pesquisas empíricas que tenham como objetivo servir de experimentos cruciais para testar teorias.

Estão já bem desenvolvidas as técnicas de pesquisa quali tativa e quantitativa. O que ainda se encontra em está gio embrionário nas ciências sociais é a cooperação entre os cien-tistas sociais que se sentem mais felizes realizando pesquisas qualitativas e aqueles que acham mais divertido realizar pes-quisas quantitativas. Embora muitos cientistas sociais avaliem positivamente o emprego conjunto de técnicas quantitativas e qualitativas, não são raros os casos de intolerância: os que realizam pesquisas quantitativas são frequentemente chama-dos de empiricistas, e os que realizam pesquisas qualitativas, de não cientistas.

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pesquisa dentro dos rigores exigidos pela ciência. Entretanto, não se pode esquecer somente ser viável a coleta de uma gran-de quantidagran-de gran-de dados para uma pequena quantidagran-de gran-de va-riáveis. A pesquisa quantitativa é necessariamente feita sobre uma realidade previamente empobrecida e, se forem coletados dados sobre variáveis irrelevantes, os resultados da pesquisa serão teórica e politicamente irrelevantes, embora possam ser estatisticamente signiicativos. A realização de estudos em pro-fundidade de alguns poucos casos — as tradicionais pesquisas qualitativas — permite a elaboração de diversas hipóteses ex-plicativas do fenômeno estudado; o exame cuidadoso dessas hipóteses permite a escolha das variáveis mais promissoras para a realização de testes cruciais; a coleta em grande quanti-dade dessas variáveis permite, por meio da análise estatística, determinar qual a correlação de cada uma das variáveis com a existência do fenômeno estudado, o que em alguns casos po-derá resultar na rejeição de algumas das hipóteses elaboradas durante as pesquisas qualitativas. Portanto, é de se esperar que as pesquisas empíricas mais frutíferas sejam aquelas que com-binem as vantagens das abordagens qualitativa e quantitativa.

1.2 Formalização de Teorias

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suprimida. Pelo contrário, continuam sendo feitas pesquisas qua-litativas, ou seja, pesquisas que até podem gerar hipóteses a serem testadas por pesquisas quantitativas, mas que, em si, são investiga-ções do singular, não replicável, não generalizável.

Ao se tentar traduzir uma teoria elaborada numa lingua-gem natural (português, por exemplo) para a lingualingua-gem árida da lógica analítica ou da matemática, ambiguidades antes dis-farçadas no discurso e que não podem ser atribuídas apenas à complexidade do objeto de pesquisa se tornam aparentes e fáceis de eliminar (WILSON, 1999, p.  578). A formalização também permite uma melhor compreensão das inter-relações entre os vários elementos de uma teoria (HENRICKSON; MACKELVEY, 2002, p. 7292).

Entretanto, não parecem ter feito muito sucesso os esforços no sentido de usar uma matemática altamente so-isticada na formulação de teorias (WILSON, 1999, p. 557). Tipicamente, formalizar uma teoria signiica torná-la mais simples do que sua versão discursiva. Por isso, é preciso ava-liar caso a caso se os ganhos teóricos com a formalização superam a perda de riqueza conceitual que pode estar resul-tando da formalização.

Sem uma grande simpliicação, os diagramas lógicos ou as fórmulas matemáticas icariam tão monstruosamente complexos que seriam insolúveis e, portanto, inúteis.3 Se um

modelo teórico for quase tão complexo quanto a realidade que representa, não haverá muita diferença entre utilizá-lo ou olhar diretamente para realidade. Nos dois casos, nossa

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apreensão da realidade seria resultado, principalmente, de nossos preconceitos e intuições. Se as previsões feitas por um modelo forem razoavelmente acertadas, podemos le-gitimamente suspeitar que o modelo contém os elementos correspondentes às relações de causa e efeito mais relevantes para a ocorrência do fenômeno observado (HEDSTRÖM; SWEDBERG, 1998, p.  14). Geralmente, não poderemos ter certeza de que a correspondência realmente existe porque outras combinações de elementos poderiam gerar os mesmos resultados (BOERO; SQUAZZONI, 2005, p. 2.12).

Vemos, portanto, que entre os obstáculos para o progres-so teórico das ciências progres-sociais encontram-se o baixo empenho para elevar o rigor formal das teorias, a baixa interação entre pesquisadores que adotam diferentes métodos de realização de pesquisa empírica e o não direcionamento das pesquisas empíricas para a resolução de dilemas teóricos.

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1.3 Teoria dos Jogos

1.3.1 Dilema do prisioneiro

Dois indivíduos foram presos por porte ilegal de ar-mas, sendo também suspeitos de participação num roubo que houvera nas proximidades. Os dois estão sendo interrogados simultaneamente — em salas separadas — e cada um foi in-formado de que se testemunhar ter visto o outro participando do roubo será beneiciado pela lei da delação premiada e será solto imediatamente, contanto que não seja denunciado pelo companheiro. Esse é o melhor resultado possível para cada indivíduo. Se os dois cooperarem um com o outro, ou seja, se nenhum denunciar o outro, ambos icarão presos por ape-nas alguns dias por porte ilegal de armas. Se os indivíduos se denunciarem mutuamente (desertarem), ambos icarão pre-sos por meses, respondendo pelo crime de roubo. Mas o pior desfecho para cada um deles será cooperar enquanto o outro deserta. Nesse caso, o indivíduo será acusado de dois crimes e não será beneiciado pela lei de delação premiada.

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Figura 1 – Dilema do Prisioneiro

4, 4 6, 0

0, 6 2, 2

C D Jogador 2

C D

Jogador 1

Fonte: Elaboração própria.

Dois indivíduos jogando o Dilema do Prisioneiro apenas uma vez, se forem racionais e egoístas, optarão pela deserção. O Dilema do Prisioneiro é talvez o mais simples dos jogos que permitem visualizar que cooperar pode ser irracional. Dado que todas as sociedades podem ser consi-deradas grandes obras cooperativas, torna-se teoricamente de extrema relevância se as pessoas cooperam por serem ra-cionais ou por algum outro motivo. Do ponto de vista da investigação teórica, a formalização de situações de coope-ração tem início com o Dilema do Prisioneiro.

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Boa parte dos trabalhos produzidos no âmbito da teoria dos jogos tem por objetivo investigar as condições propícias à cooperação no Dilema do Prisioneiro e nos problemas de ação coletiva (TAYLOR, 1987, p. 19-20). Segundo Boudon (1979, p. 50), obras clássicas como O contrato social, de Rousseau, e

he calculus of consent, de Buchanan e Tullock, poderiam ser interpretadas como propostas de solução para o Dilema do Prisioneiro.

A teoria dos jogos permite ver com clareza mecanismos simples que podem estar entre os principais responsáveis pela existência de importantes fenômenos sociais aparentemente enigmáticos. A existência de instituições sociais complexas, por exemplo, pode ser vista como resultado da cooperação de inúmeros indivíduos para a produção de bens coletivos. E os indivíduos que cooperam para a produção dessas instituições, por sua vez, estão inseridos numa estrutura de prêmios e puni-ções semelhante à dos jogadores do Dilema do Prisioneiro. As-sim, a teoria dos jogos tem demonstrado que a com preensão da cooperação em larga escala existente na sociedade como um todo pode ser aprimorada pelo estudo de um modelo mui-to simples, facilmente entendido de modo intuitivo e ma te-maticamente tratável pela aritmética elementar.

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forma independente qual será o curso da minha ação. Assim, o Dilema do Prisioneiro seria a forma mais resumida de mo-delar a cooperação interindividual, mas o problema da ação coletiva seria uma forma mais apropriada de tentar capturar o aspecto cooperativo dos indivíduos vivendo em sociedade.

1.3.2 Teorias da escolha racional como teorias gerais

helen e Steinmo (1992, p. 12) e Rothstein (1996, p. 156) acusam as teorias da escolha racional de terem pretensão de pro-duzir leis gerais da sociedade a partir de um número limitado de pressupostos. Talvez a crítica esteja correta e alguns teóricos da escolha racional realmente tenham essa pretensão. Tsebelis (1998, p. 21), por exemplo, parece ser um deles ao airmar:

Juntamente com a principal corrente da ciência políti-ca contemporânea, sustento que a atividade humana é orientada pelo objetivo e é instrumental e que os atores individuais e institucionais tentam promover ao máxi-mo a realização de seus objetivos. A este pressuposto fundamental chamo pressuposto da racionalidade.

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Os jogos abstratamente construídos são as principais ferramentas de análise das teorias da escolha racional. Como argumenta Elster, os teóricos da escolha racional procuram capturar em jogos simples, matematicamente tratáveis, várias relações de interdependência existentes entre os indivíduos:

Primeiro, a premiação de cada um depende da premia-ção de todos por altruísmo, inveja, desejo por igualdade e motivações similares. Em seguida, a premiação de cada um depende das escolhas de todos, através de causali-dade social geral. E, inalmente, a escolha de cada um depende da antecipação das escolhas de todos (ELSTER, 1986a, p. 207).

1.3.3 Pressupostos das teorias da escolha racional

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1.3.3.1 Pressuposto da racionalidade

O primeiro pressuposto simpliicador adotado pelas teorias da escolha racional é, obviamente, o de que os se-res humanos são estritamente racionais. Basta que qualquer um pense na própria vida cotidiana para encontrar uma in-inidade de exemplos de ações motivadas pelo hábito e pela emotividade, e não por qualquer raciocínio consciente. Além disso, uma decisão lembrada por uma pessoa como resultado de uma decisão racional pode muitas vezes ser apenas uma raciona lização enviesada feita após a decisão ter sido tomada de modo intuitivo (HAIDT, 2001; HAUSER et al., 2007).

Por um lado, o pressuposto da racionalidade é clara-mente irrealista. Por outro, um pressuposto de irracionalidade serviria para explicar qualquer curso de ação adotado por um indivíduo, inclusive comportamentos favoráveis aos interes-ses do indivíduo e, portanto, interpretáveis como racionais. O pressuposto da irracionalidade pode ser usado para explicar qualquer coisa (MYERSON, 1992, p. 69), o que equivale a não explicar nada. Por isso, um teórico da escolha racional somen-te atribui irracionalidade a um agensomen-te quando falha em desco-brir a racionalidade das suas ações (ELSTER, 1986a, p. 213).

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in-tencionalidade”: se um indivíduo agiu racionalmente é porque ele tinha intenção de fazer o que fez. Fazer a coisa mais racio-nal a ser feita “sem querer” não seria agir racioracio-nalmente.

Outro pressuposto necessário para que os agentes possam ser considerados racionais é o de que possuem preferências es-táveis (BECKER, 1986, p. 5), pois se as preferências dos agentes mudassem com o tempo seria impossível calcular qual seria a sua escolha. Os desejos devem, portanto, ser mutuamente con-sistentes e estáveis. Em algumas circunstâncias, poderia não ser possível calcular qual a melhor ação para um indivíduo se seus valores se modiicassem com o tempo ou se houvesse intransiti-vidade dos valores, ou seja, se, por exemplo, na ordem de prefe-rências do indivíduo A > B e B > C, mas C > A.

Em suma, as exigências para que uma ação seja conside-rada rigorosamente racional são tantas que se pode dizer que bem poucas ações são objetivamente racionais. Mesmo que o in-divíduo esteja com sua atenção voltada para a resolução de um proble ma, a capacidade humana de raciocinar corretamente é limitada. Normalmente, o raciocínio dos indivíduos parece ser mais o resultado de uma visualização do problema do que da rea-lização de cálculos formais. Por exemplo, ao responder a questões envolvendo probabilidades e proporções, uma simples alteração na formulação da questão pode ser suiciente para modiicar a escolha do respondente (TVERSKY; KAHNEMAN, 1990).

1.3.3.2 Pressuposto do egoísmo

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pos-sibilidade de construção de uma sociedade melhor. Mas ele é necessário para que a teoria possa produzir resultados exatos.

O pressuposto da racionalidade diz apenas que o indi-víduo escolherá o melhor meio para atingir o im desejado, mas não diz nada sobre qual seria esse im. Se os desejos dos indivíduos pudessem variar aleatoriamente, qualquer com-portamento poderia ser explicado como ação racional para atingir um im. Assim, o pressuposto de que os indivíduos são egoístas tem por objetivo especiicar o que é desejado por eles: aumentar o próprio bem-estar. Para manter os modelos sim-ples, os indivíduos não sofrem ao presenciar ou mesmo causar o sofrimento de outro. De maneira geral, o aumento de seu bem-estar equivale a aumento de riqueza e poder.

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esse conhecimento e uma solução é observar o que os ami-gos e vizinhos estão conseguindo. Se eles estiverem em melhor situa ção, provavelmente ainda há algo que possa ser feito. Es-tamos permanente e inconscientemente monitorando nossos colegas e vizinhos em busca de sinais de que eles estejam sen-do mais bem-sucedisen-dos sen-do que nós. A inveja é um sentimento desagradável despertado quando o indivíduo se depara com uma situação em que outros se encontram em melhor estado. A inveja e outras irracionalidades estão presentes na maioria das ações de qualquer ser humano.

1.3.3.3 Pressuposto do conhecimento completo

Outro pressuposto, particularmente importante em muitos trabalhos de teoria dos jogos, é o de que os agentes têm conheci-mento completo da situação do jogo e de que esse conheciconheci-mento é comum a todos os agentes envolvidos. A melhor decisão a ser tomada por um agente num modelo muitas vezes depende das decisões a serem tomadas pelos demais. Mas se não se sabe quais são as informações possuídas por um agente, não é possível pre-ver com exatidão o que seria racional para ele. Assim, tal como um pressuposto de irracionalidade, um pressuposto de que os agentes tomam decisões com base em informações errôneas ou incompletas pode ser usado para explicar qualquer tipo de com-portamento (BECKER, 1986, p. 7).

1.3.3.4 Pressupostos e tratabilidade matemática

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Um sistema em que todos os agentes são absolutamente egoístas, por exemplo, embora irrealista, é consistente, mode-lável matematicamente. É possível calcular o resultado de um jogo, ou seja, quais serão as ações escolhidas pelos agentes da-das as condições do jogo. Um pressuposto de altruísmo absolu-to, pelo menos em algumas circunstâncias, também permitiria a elaboração de modelos formais. Por exemplo, no Dilema do Prisioneiro jogado por dois agentes incondicionalmente altruís-tas, cada jogador preferiria que ele próprio cooperasse e o outro desertasse, pois isso maximizaria a premiação do outro jogador, mas a segunda melhor opção seria os dois cooperarem. Em todo caso, um jogador sempre garantiria um melhor resultado para o outro cooperando do que desertando e, portanto, o dois escolhe-riam co operar e o equilíbrio do jogo seria a cooperação mútua. O problema é que o altruísmo absoluto é ainda mais distante da realidade do que o egoísmo absoluto. Sem altruísmo ou egoís-mo absolutos, o número de ações alternativas se multiplicaria e os modelos se tornariam bem mais complexos e nuançados e, obvia mente, a possibilidade de extração de resultados exatos dos modelos se reduziria enormemente.

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em que o benefício de se encontrar menores preços se tornas-se menor do que o custo de conti nuar procurando. Entretanto, é impossível saber o momento em que isso ocorrerá se não se conhecem os preços com antecedência. Isso justiica o uso da regra prática, mas não faz com que ela se torne compatível com os rigorosos pressupostos de racionalidade da teoria dos jogos, ainal, os pressupostos existem para garantir a realização de cál-culos exatos e deduções precisas.

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Por outro lado, os modelos elaborados pelas teorias da escolha racional — pelo menos os mais simples — fazem previsões exatas de como os agentes devem se comportar. Se a observação empírica da realidade revelar que os indi-víduos não se comportam como previsto pelo modelo, as premissas do modelo podem ser modificadas (TSEBELIS, 1998, p. 53). Ou seja, em alguns casos, as teorias da esco-lha racional se apresentam como a opção mais apropriada para a elaboração de teorias que façam previsões precisas e, portanto, falseáveis. Isso é particularmente verdadeiro para situações em que os atores, tipicamente, agem de modo cal-culista, como fazem os políticos e os agentes econômicos. É claro que, mesmo nesses casos, as ações racionais dos atores frequentemente têm consequências de longo prazo não in-tencionais e não previsíveis no momento da ação.

1.3.4 Vigor metodológico do pressuposto da racionalidade

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Coleman (1990, p. 98-9), a racionalidade da troca de favores está no fato de que quem presta o favor está colocando à disposição de outrem recursos que lhe pertencem, dos quais não lhe será custo-so se desfazer no momento e que serão de grande utilidade para quem os recebe, esperando, num momento em que passar por necessidade análoga, receber ajuda, que lhe será de grande valia e que não será muito custosa a quem retribuir o favor. Entre tanto, um exame psicológico detalhado do indivíduo que fez o favor po-deria revelar que ele não fez nenhum cálculo de custo-benefício e que simplesmente se sentiu bem em ajudar alguém que estava em situação pior do que a sua. Ainal, como considerar racional e egoísta um indivíduo que faz um favor para um completo estra-nho com o qual está certo de que nunca haverá outro encontro? Coleman procura explicar casos como esses pela existência de normas internalizadas, entendendo que um indi víduo tem uma nor ma internalizada quando sente um desconforto psicológico ao transgredir uma norma. Ou seja, o próprio indivíduo se pune ao não fazer o que a norma prescreve ou ao fazer o que a norma proíbe (COLEMAN, 1990, p. 293).

Assim, um ato de “pura generosidade” poderia ser ex-plicado como um ato de obediência a uma norma internaliza-da. Quanto à internalização da norma, realizá-la seria um ato racional nos casos em que o ator se confronte com situações em que não esteja a seu alcance burlar a norma sem ser puni-do. Se não é possível controlar certos eventos do mundo (as punições), a atitude que mais benefícios pode trazer ao sujeito é a modiicação de suas expectativas em relação ao mundo (no caso, passar a desejar obedecer às normas e a se sentir gratiicado ao fazê-lo)4 (COLEMAN, 1990, p. 517).

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Acredito que esse argumento de Coleman pode ser complementado por uma explicação evolucionista. Parece--me muito estranho que o indivíduo tome a decisão racional de internalizar uma norma: obviamente o processo de inter-nalização de normas se dá de modo inconsciente, e esse é, claramente, mais um momento de irrealismo de uma teoria da escolha racional. Entretanto, de fato, as coisas se passam de um modo que a teoria faz previsões acertadas sobre o comportamento dos indivíduos. Como, então, explicar que o indivíduo escolha inconscientemente o curso de ação mais racional (a internalização das normas)? A resposta evolucio-nista é de que isso não é obra do acaso. Situações semelhan-tes à oportunidade de fazer favores para estranhos ocorrem há alguns milhões de anos. Nessas situações, os indivíduos se veem diante da necessidade de tomar a decisão de ajudar ou não sem a possibilidade de extrair do ambiente imediato to-das as informações necessárias para uma decisão bem ponde-rada (na terminologia da teoria dos jogos, trata-se de um jogo de informação incompleta). No caso, o indivíduo não sabe ao certo se o outro indivíduo terá no futuro oportunidade de retribuir o favor recebido. Somente seria racional fazer o fa-vor se a retribuição fosse esperada. Na ausência dessa infor-mação, não há como tomar uma decisão racional: a decisão tem que ser emotiva. O que uma teoria evolucionista prevê é que os indivíduos desenvolverão as propensões emotivas mais apropriadas para lhes guiar em situações que se repetem por milhares de gerações (TOOBY; COSMIDES, 1992).5 Assim,

por exemplo, no caso do encontro com um predador em po-tencial, a emoção mais apropriada é o medo, que motivará a

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fuga; no caso de um encontro com uma pessoa em diiculda-de, e em situação pior do que a do próprio indivíduo, a ação apropriada seria a ajuda, pois por milhões de anos a probabi-lidade de reencontrar esse indivíduo ou um de seus familiares foi bastante alta. Atualmente, com o enorme crescimento das cidades, com o desenvolvimento dos meios de transporte e da indústria do turismo, frequentemente encontramos indi-víduos cuja probabilidade de reencontro futuro sabemos ser praticamente nula. Mas a capacidade de internalizar normas e a propensão para internalizar com facilidade a norma de ajudar o próximo em diiculdade já estão desenvolvidas no ser humano, mesmo que isso às vezes seja claramente não ra-cional para um indivíduo egoísta. Assim, em muitos casos, as propensões emotivas evoluídas ao longo de milhões de anos parecem continuar levando os indivíduos a se comportar de modo semelhante ao que fariam se estivessem realizando cál-culos racionais de longo prazo.

Essa mesma explicação evolucionista permite argumen-tar que o pressuposto do conhecimento perfeito da realidade não é metodologicamente tão absurdo quanto possa parecer num primeiro exame. Não somos descendentes de indivíduos que tomaram as decisões erradas. Estes morreram deixando ne-nhum ou poucos descendentes. Somos descendentes dos indiví-duos que, em boa parte guiados por suas propensões emotivas, tomaram as decisões certas. À medida que problemas análogos aos enfrentados por nossos ancestrais continuem a se repetir, ao agir guiados pelas mesmas propensões emotivas dos nossos ancestrais, estaremos tomando decisões próximas do que se es-peraria de um agente com conhecimento perfeito do jogo.

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aos ocorridos repetidas vezes no passado da nossa espécie. Quanto menor for nosso conhecimento sobre o passado evo-lutivo, mais especulativas serão as explicações evolucionistas de acontecimentos do presente. Na verdade, as pistas que te-mos sobre como viveram nossos antepassados de tempos pré--históricos são tão fragmentárias que frequentemente é mais útil especular sobre como foi o passado a partir do comporta-mento presente do que explicar o comportacomporta-mento presente a partir de um conhecimento do passado. Por im, é importante observar que as forças naturais de seleção tendem a maximizar o sucesso reprodutivo do indivíduo e de seus familiares mais próximos, o que nem sempre coincide com a forma como a teoria dos jogos costumam caracterizar seus indivíduos egoís-tas. A forma mais fácil de prever o comportamento de um in-divíduo é considerar que ele busca o enriquecimento material, mas essa é apenas uma das atitudes que pode levá-lo ao suces-so reprodutivo.

1.3.5 Limitações da teoria dos jogos

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Modelar heterogeneidade verdadeira signiica adi-cionar uma nova equação para cada indivíduo. Mes-mo com sistemas sociais Mes-moderadamente grandes, isso rapidamente se torna intratável. Essa forma de modelar processos é, portanto, melhor utilizada em macroprocessos e para a análise de dados agregados (EDLING, 2002, p. 205).

Ao liberar os agentes da obrigação de agir simultanea-mente, os jogos em forma estendida possibilitam a modelagem de ações sequenciais e superam algumas das limitações dos jogos apresentados numa matriz com estrutura de premiação (como na Figura 1, p. 45).

Entretanto, a construção de um jogo que simule o en-contro de muitos indivíduos diferentes não é uma tarefa fácil para a teoria dos jogos tradicional. A complexidade de com-binar muitas funções num cálculo cresce exponencialmente à medida que o número de indivíduos e interações entre eles cresce. Isso signiica que a teoria dos jogos, provavelmente, também não é capaz de oferecer instrumentos suicientes para superar a necessidade de se recorrer a explicações funcionalis-tas dos fenômenos sociais.

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escolha racional ou de usos mais tradicionais da matemática. Mas o potencial e as limitações dessa abordagem serão trata-dos na próxima seção.

1.4 Modelos Baseados em Agentes

Em um modelo baseado em agentes (MBA), o pes-quisador escreve um programa de computador em que são estipuladas regras de comportamento a serem seguidas por agentes virtuais, existentes apenas na memória do compu-tador. Ao ser executado o programa, os agentes são criados e começam a interagir uns com os outros, geralmente sem a intervenção do pesquisador. Portanto, ao contrário do uso tradicional da matemática nas ciências sociais, os MBAs são construídos “de baixo para cima”. Ou seja, modela-se o com-portamento de agentes individuais, mas da interação desses agentes resulta uma sociedade artiicial. E, ao contrário dos modelos tradicionais da teoria dos jogos, todos os cálculos são feitos por uma máquina, o que permite a criação de mo-delos com milhares de agentes heterogêneos.

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mode-los computacionais começaram a icar mais frequentes, sendo um dos mais conhecidos um torneio entre estratégias para jo-gar o Dilema do Prisioneiro promovido por Axelrod (1984). As estratégias foram formuladas por diversos pesquisadores, convertidas em linguagem de programação e executadas em computador.6 O torneio de Axelrod já apresentava algumas

das características dos MBAs, mas outras somente seriam im-plementadas nos modelos da década seguinte. Os recursos dos computadores se desenvolveram, passaram a ser melhor ex-plorados e grande parte dos atuais MBAs compartilha algumas características em comum.

Os dois recursos computacionais mais importantes para a construção de modelos são a capacidade de simular a geração de números aleatórios e a facilidade de repetir a execução de uma mesma instrução milhares de vezes. A geração de núme-ros aleatórios é particularmente importante para a simulação de fenômenos sociais. Uma vez que os fenômenos sociais têm caráter incerto, ao invés de determinar que um agente seguirá certo curso de ação numa circunstância especíica, pode-se, por exemplo, determinar que o agente seguirá certo curso de ação numa circunstância especíica se o computador, a partir de uma distribuição uniforme entre 0 e 100, gerar um número maior do que 60. Para simular a heterogeneidade encontrada nas populações humanas, as características dos agentes po-dem ser distribuídas aleatoriamente, e essa distribuição pode ter a forma mais adequada para o modelo: uniforme, normal ou gaussiana, assimétrica etc. Se algo aparentemente estranho ocorrer, a simulação poderá ser repetida e os eventos ocor-rerão novamente, exatamente na mesma sequência, sendo

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possível examinar minuciosamente os fatos que antecederam o fenômeno de interesse. Isso, pelo menos em certa medida, compensa a frequente impossibilidade de se realizar uma aná-lise formal rigorosa de um modelo baseado em agentes simu-lado em computador.

É possível ainda determinar o tempo de “vida” dos agentes e permitir que eles se reproduzam, simulando, assim, processos evolutivos. Os agentes podem mudar seu comporta-mento pelo aprendizado e a herança genética de características comportamentais pode fazer com que as novas gerações sejam diferentes das antigas.

Ao contrário das teorias da escolha racional, é possível dis-pensar vários pressupostos simpliicadores. Nos MBAs, os agentes não precisam ser racionais e, ao contrário do que ocorre em pes-quisas empíricas, não é preciso especular sobre qual irracionalidade está levando um agente a se comportar de determinada forma. Por se tratar apenas de um modelo, é possível saber exatamente o que se passa na “mente” de cada agente e, portanto, as irracionalidades são conhecidas com precisão.

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podem assumir ao se posicionar em relação umas às outras. Entretanto, essa simpliicação reduz o custo computacional para calcular quem são os vizinhos de um agente e quais re-cursos do mundo virtual estão nas suas proximidades. Com a intenção de simular os fenômenos sociais, o programador do modelo determina regras para o deslocamento dos agentes e para a interação entre eles.

Poder-se-ia argumentar que os MBAs seriam apenas mo-delos probabilísticos e que ao invés de desperdiçar tempo pro-gramando o movimento de agentes num mundo virtual seria mais prático simplesmente determinar uma probabilidade dos agentes se encontrarem. Ocorre, porém, que a probabilidade de haver um encontro entre agentes não permanece necessaria-mente ixa. Pelo contrário, em muitos modelos, ela se modiica com a própria dinâmica do jogo. Uma outra vantagem de um MBA sobre um modelo probabilístico é a maior proximidade dos MBAs da nossa forma natural de pensar em relação aos mo-delos probabilísticos. Nossos ancestrais não faziam cálculos de probabilidade, mas usavam a visão para perceber a formação de padrões e avaliar o que se passava no mundo. Os MBAs per-mitem produzir uma representação visual da evolução dos pa-râmetros dos modelos. O deslocamento dos agentes no mundo virtual pode ser exibido na tela do computador, cores e formas diferentes podem ser atribuídas a agentes que não possuem ca-racterísticas iguais etc., e isso facilita para o pesquisador a tarefa de reconstruir mentalmente o que se passa no modelo e pensar em alterações que possam torná-lo mais realista.

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Os modelos podem produzir resultados semelhantes aos obtidos em pesquisas empíricas e Macy e Willer (2002) reco-mendam que sejam feitas análises quantitativas com as socieda-des artiiciais tal como se faz com bancos de dados produzidos a partir de surveys. Pode-se fazer uma análise de regressão entre as características dos agentes e o nível de “bem-estar” atingido por eles ou o caráter do resultado agregado produzido. Ao contrário do que ocorre com as pesquisas empíricas em ciências sociais, ao se trabalhar com sociedades artiiciais é possível fazer experi-mentos controlados, mantendo constantes alguns parâmetros e variando outros (GILBERT, 2004, p. 1).

Num certo sentido, modelos feitos em computador são experimentos mentais (MACY; WILLER, 2002, p. 147), sendo o computador apenas um instrumento que ampliica a capa-cidade do cientista de executar cálculos e imaginar a evolução que ocorre nos valores dos diversos parâmetros do modelo.

Um experimento mental não é um experimento empí-rico; ele existe apenas na mente do cientista como um fruto de sua imaginação e capacidade de pensamento intuitivo. Os experimentos mentais, entretanto, ganham mais credi-bilidade diante da comunidade acadêmica quando são for-malizados num modelo. A formalização permite perceber falhas no raciocínio que não eram vistas enquanto se usava apenas a intuição e a limitada memória de trabalho do cé-rebro humano. Os MBAs podem, portanto, contribuir para testar a consistência interna de algumas teorias (BOERO; SQUAZZONI, 2005, p. 1.15).

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Foi sendo um pioneiro na aplicação desse procedimento que Galileu inaugurou a física moderna. Na época de Galileu, questionava-se a possibilidade de usar a matemática, onde os elementos se relacionam entre si com perfeição, para repre-sentar o que se passava no mundo empírico, em que não po-dem ser encontradas formas perfeitas. E, de fato, os modelos matemáticos são construídos tendo por base pressupostos simpliicadores. Como diz Koyré (1991, p. 166), “os corpos que se movem em linha reta num espaço vazio ininito não são corpos reais que se deslocam num espaço real, mas cor-pos matemáticos que se deslocam num espaço matemático”.

Analogamente ao que se passa na mecânica, pode-se di-zer que os agentes que vivem nos mundos virtuais dos MBAs são agentes matemáticos.

Construir um modelo consiste, basicamente, em abstrair de uma realidade empírica complexa somente os ele mentos mais importantes para a compreensão das relações causais respon sáveis pela existência do fenômeno. Por um lado, o mo-delo icará demasiadamente complexo ou mesmo não anali-sável se for incluído um número excessivo de elementos. Por outro lado, um modelo excessivamente simples poderá não ter utilidade prática por não ser possível interpretá-lo como representante adequado de nenhuma realidade empírica rele-vante. Quanto mais simples um MBA, maior será sua corres-pondência apenas a alguma teoria geral e não a alguma teoria de médio alcance. Segundo Boero e Squazzoni (2005, p. 4.60), nesses casos, se houver intenção de considerar o modelo empi-ricamente válido, será preciso confrontá-lo com uma extensa variedade de situações concretas.

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Figura 1 – Dilema do Prisioneiro 4, 4 6, 0 0, 6 2, 2CJogador 2DCDJogador 1
Figura 3 – Colapso da cooperação na ausência de metanormas
Figura 4 – Colapso da cooperação no jogo do Dilema do Prisioneiro
Figura 5 – Evolução da cooperação no jogo do Dilema do Prisioneiro
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Referências

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