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Amamentação pela ama Quando a mãe não possa amamentar, por qual-

quer das circumstancias, que já apontamos no ca- pitulo precedente, e outras que ainda podem appa- recer, a alimentação do filho tem de ser confiada a uma pessoa estranha, a que se dá o nome d'ama; e triste é confe.ssal-o, tão pouca importância se liga a este facto, que a maior parte das vezes é uma parteira a encarregada da escolha da ama, quando a mãe se não limita a acceitar a primeira que lhe appareça — a questão é ter abundância de leite e ser fiel.

É nossa convicção que o abatimento physico e moral, que se revela claramente na nossa sociedade, está filiado em grande parte no pouco escrúpulo

com que confiamos a uma pessoa estranha a ali- mentação e educação dos nossos filhos.

Desgraçadamente o nosso meio social tem-nos creado um certo numero de necessidades e d'ha- bitos, que uma mulher d'uma certa gerarchia e meios de fortuna difficilmmte se resigna a renun- cial-os para se entregar á creação dos filhos.

Como assim seja, nós quereríamos ao menos, que os poderes dirigentes atlendessem a esta parte da hygiene publica, cuja importância devia ser re- gulada pelos preceitos da sciencia, como acontece em França, onde a escolha das amas de leite con- stitue um ramo d'adminislraçào publica.

A mortalidade sempre crescente das creanças nas primeiras idades, é um facto que reclama a in- tervenção urgente aos poderes públicos.

Infelizmente a existência das amas de leite já constitue, entre nós, uma necessidade, e os esta- belecimentos de caridade, que temos para abrigo da infância desvalida, como são os hospícios e as creches tornar-se-hão um sorvedouro de vidas, se não houver uma rigorosa vigilância na admissão do seu pessoal, para que possam ser observados um certo numero de preceitos hygienicos, que a sciencia aconselha, já que nas condições actuaes da nossa sociedade não pôde a caridade publica deixar de supprir a falta dos soccorros particulares.

Se ha necessidade d'ouvir sempre a opinião do medico para decidir da possibilidade do alleitamen-

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to materno, também só ao medico compete o de- cidir da escolha d'uma ama; porque só elle se acha convenientemente habilitado para avaliar bem todas as condições e requisitos indispensáveis a uma mulher, que se destina a amamentar.

Não é indifférente que se entregue o infante a qualquer mulher, que se proponha a crial-o ; pelo contrario, é do mais alio interesse e utilidade a sua minuciosa escolha e o papel do medico n'este caso é muito difficil e melindroso.

Escolher uma ama é garantir á família, que a procura a sua boa constituição e a sua saúde e conseguintemente a sua felicidade; porisso o me- dico não deve esquecer as mais minuciosas inves- tigações; porque nem sempre deixa de ser illudido pela ama, que escolhe, a quem importa menos a saúde e a vida da creança que a futura remunera- ção do seu trabalho.

É uni dos actos mais difficeis da prática me- dica, e se é possível prevenir até um certo limite não só a quantidade e natureza do leite como a existência de certas doenças, que a ama poderia transmittir á creança, não acontece o mesmo com relação a costumes, porque não pôde o medico determinal-os n'uma pessoa que vê pela primeira vez e que é possível não torne mais a ver.

Não poderá a creança mamar com o leite, que lhe compraram, e não com o que a natureza lhe

destinou, maus hábitos que a viciam, e que nunca mais poderá perder?

Se uma mãe comprehendesse e ponderasse bem o quanto tem de trabalhar, de cuidar, e de se mortificar quando dá o filho a crear a uma ama, não seria a vaidade e a ociosidade que a levaria a requisital-a tantas vezes.

Muitas mães não reconhecem ao menos a pos- sibilidade dos muitos perigos a que vão expor a saúde do filho com a escolha muito precipitada d'uma ama, e a maior parte ignora a sua gravi- dade, d'onde resulta muitas vezes a desgraça do individuo e certamente da família e da sociedade. Feitas estas considerações passemos ás condi- ções physicas e moraes a que deve satisfazer uma ama.

Comecemos pelo habito externo. Deve ser ro- busta, ter uma presença agradável e um lypo de boa saúde e de intelligente; os peitos salientes e bem conformados, especialmente no mamillo, por que da sua conformação depende muitas vezes um obstáculo ao alleitamento.

Devemos verificar se ella tem feridas, ulceras ou cicatrizes e especialmente na garganta, no pes- coço ou debaixo das axillas, ou manchas na pelle; porque tudo isto nos poderia revelar um vicio or- gânico ou uma infecção syphilitica, ou escrophu- losa que a faça reprovar.

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fiarmos demasiadamente nas informações que nos derem; porque é sabido o empenho com que ella procura muitas vezes occultar qualquer doença ou defeito orgânico.

Pelo que diz respeito á idade, é conveniente que a ama tenha de 20 a 30 annós, porque sendo mais nova é completamente inexperiente dos cuidados que é necessário dispensar a uma creança, e sendo mais velha é menos apta para criar, porisso que á medida que se vae approximando da idade cri- tica o leite será menos abundante e de peior qua- lidade.

Relativamente ao seu estado, devemos esperar d'uma mulher casada, melhores costumes que d'uma solteira e até mais critério para se cohibir de tudo aquillo que as creancas não devem apren- der.

Em igualdade de circumstancias, devemos pre- ferir sempre aquella que tenha vivido no campo, á que habita na cidade.

A sua constituição deve ser forte, ter um peito largo e bem desenvolvido, a respiração fácil, e não ser excessivamente gorda nem revelar extrema ma- greza.

Ao medico compete o verificar por todos os meios d'exploração, que tiver ao seu alcance, que não exista actualmente alguma affecpão aguda ou chronica, nem disposição para ella, muito princi-

palmente pelo que diz respeito a certas diatheses como tuberculose, syphilis, etc.

Deve preferir-se ura temperamento modera- damente sanguíneo com quanto haja difficuldade em precisar bem, qual seja o mais adoptado; com- tudo, devemos excluir os excessivamente lympha- ticos ou nervosos.

Relativamente á idade do leite será mais con- veniente para a creança, aquelle, que menos se distancie da epocha do parto, para que elle conte- nha ainda algum colostro, cujas propriedades pur- gativas são úteis para a creança, pode aconselhar- se desde o segundo até ao sexto mez.

Ao exame da ama segue-se naturalmente o do leite.

Quando tratamos da amamentação materna dis- semos que nos havíamos de referir á composição e analyse do leite, e vamos fazei-o, muito resumi- damente, porisso que o caracter genérico, que ter- mos dado ao nosso trabalho nos não permitte en- trarem minuciosos detalhes sobre este ponto, que de per si só podia fazer objecto d'uma dissertação. O leite da mulher não diffère essencialmente do leite dos outros animaes, mas distingue se d'elle por alguns caracteres, que lhe são peculiares.

Como já dissemos, o leite é o alimento exclusi- vamente destinado á nutrição nas recentes idades ; tão previdente foi a natureza em reunir n'este li-

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quido todos os elementos necessários, que elle é considerado como typo dos alimentos perfeitos.

Com effeito, encontramos no leite os três ty- pos d'alimentos: matérias albuminóides ou protei- cas, hydrocarbonadas e saes mineraes, que pelas suas propriedades concorrem para a nutrição e au- gmenta dos tecidos, para as necessidades da res- piração e para a formação das partes duras.

Este alimento, sendo formado de substancias que facilmente se separam, sem que a sua natu- reza se altere, é imminentemente próprio para adaptar os órgãos digestivos da creança ás condi- ções múltiplas da vida extra-uterina.

Vamos referir-nos ás suas propriedades physi- cas e chimicas, e depois occupar-nos-hemos dos diversos ensaios e analyses, que podem auxiliar-nos na apreciação das suas qualidades nutritivas.

É este o único meio de podermos reconhecer se elle estará ou não, nas condições de poder servir para a alimentação da creança, e nem sempre o mais rigoroso exame nos offerece uma garantia se- gura, tantas e tão variadas são as circumstancias, que podem alterar a sua composição, tanto na pro- porção como nas propriedades dos elementos que o constituem.

Nem sempre, ás suas propriedades physicas e chimicas correspondem os seus effeitos physiologi- cos, e nós vemo-nos por vezes extremamente em-

baraçado, para decidir se um determinado leite po- derá ou não ser util á creanca.

Para umas será até prejudicial o leite, que phy- sica e chimicamente se approximar mais do typo normal, como para outras aquelle que mais se af- fastar d'esse typo.

O leite, seja qual fôr o animal de que proceder, contém sempre-manteiga, assucar de leite ou la- dina, uma substancia albuinoide o caseum, agua e saes, como o chloreto de sódio, phosphatos al- calinos e terrosos ; e gazes, como o oxigénio e acido carbónico.

Muitas outras substancias teem sido encontra- das, embora em fraca quantidade, como são : os ácidos láctico, butyrico e silicico, o fluor, a urca, a hematina e a cholesterina, e dois alcalóides a que Blyth chamou galactino e glactro-chomo no leite de vacca, e lecithina no da mulher.

Como nos estamos occupando das condições necessárias a uma ama, referir-nos-hemos agora especialmente ao leite de mulher, e quando tra- tarmos da amamentação artificial apresentaremos uma tabeliã comparativa relativamente aos elemen- tos constituintes do leite da mulher e dos outros animaes, para que possamos apreciar o valor nu- tritivo de cada um.

O primeiro leite da mulher consecutivo ao parto, a que se dá o nome de colostro, diffère pelos seus

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caracteres e pelas suas propriedades do leite pro- priamente dito.

É um liquido viscoso, amarello, de sabor nau- seabundo e alcalino tendo propriedades purgativas e contendo menos agua e mais matérias solidas que o verdadeiro leite.

Deixado em repouso separa-se em duas par- tes, uma serosa e outra viscosa, que forma á su- perfície um creme amarello e espesso em maior quantidade que no leite propriamente dicto.

Tractado pelo ammoniaco transforma-se n'uma polpa viscosa, em quanto que o leite fica comple- tamente límpido.

Se o examinarmos ao microscópio reconhece- mos a presença de muitos glóbulos de gordura na- dando no liquido com o volume de Yioo a h/m de

millimetre

Este liquido vae passando por variantes nas proporções dos seus elementos, acompanhando passo a passo as necessidades da creança e o desen- volvimento e transformação natural dos seus órgãos.

Ás suas propriedades purgativas se attribue a evacuação d'um liquido verde, que existe no intes- tino do recem-nascido, chamado mecânico, com- posto de mucus intestinal e d'uma materia biliar, que apresenta as mesmas propriedades e reecções chimicas da bile.

Passados alguns dias depois do parto é que o colostro vae adquirindo as propriedades necessa-

rias para se tornar o alimento adaptado ás primei- ras idades, constituindo assim o leite perfeito.

O leite é um liquido branco, levemente azulado, mais ou menos opaco, inodoro, mais pesado que a agua, d'um sabor doce e rom reação alcalina, comtudo estas propriedades podem variar conside- ravelmente debaixo da influencia d'um certo nu- mero de circumstancias e nenhum outro leite está mais sujeito a estas variações que o leite da mu- lher.

Em différentes horas do dia, antes e depois das refeições, antes ou depois de mamar a creança, se podem encontrar differenças bastante sensíveis na sua composição, apresentando-se umas vezes seroso e transparente, outras muito opaco, e revelando-nos mesmo alterações na proporção dos seus elemen- tos, o que justifica a diversidade de resultados a que teem chegado vários medicos e clínicos, que procederam à analyse d'esté liquido, como são: Simon, Becquerel, Vernon. Henri Fery, e mui- tos outros.

O leite de mulher compõe-se de parte liquida e parte solida.

A parte liquida é na sua maior parte agua, con- tendo, em dissolução o caseum, que constitue a base do queijo, matérias salinas e o assucar de leite ou ladina, que pela sua fermentação pôde dar ori- gem a acido láctico.

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A parte solida é formada exclusivamente pelos glóbulos de leite, que fluctuant! no meio do liquido constituídos por uma materia gorda ou butyrosa, que é a base da manteiga.

Yarios processos são indicados para avaliar as qualidades e a quantidade do liJite.

Pela analyse chimica e pela analyse optica po- demos nós apreciar as qualidades do leite d'uma ama procurando d'esté modo conhecer se este li- quido está ou não nas circumstancias de ser des- tinado á alimentação da creanpa.

Os progressos que modernamente tem realisado a chimica orgânica, e a invenção e uso do micros- cópio, garanlem-nos até uma certa medida o bom resultado das nossas investigações, ha porém um certo numero de modificações verificadas no leite, que a mais rigorosa analyse e o mais perfeito mi- croscópio não podem revelar-nos a natureza e quantidade dos princípios, que lhe deram origem ; e só podemos ter conhecimento d'elles pelos effei- tos que produzirem.

A prática medica exige processos simples, fá- ceis e promptos ; e d'aqui resulta uma grande van- tagem nos processos d'analyse optica porisso que uma analyse chimica rigorosa seria muito demo- rada, havendo mesmo um certo numero d'altera- ções mórbidas, que a chimica não revela como por

exemplo a mistura com os glóbulos do pús, sub-

stancias mucosas, etc, \

Já a olho nú nos podemos servir d'alguns pro- cessos, que nos auxiliam na apreciação das qualida- des do leite e a maior parte das vezes são aquel- las a que recorre o medico quando não pôde dis- por do microscópio.

Pela simples apparencia do leite vêr-se ha logo se elle é muito seroso e semi-transparente ou mui- to opaco; porque aquelle que nos offerecer pro- priedades intermédias em ambos estes casos, deve ser considerado como o mais próprio para alimen- tar a creança.

Também podemos julgar do valor nutritivo do leite a analysar deixando cahir uma gotta sobre uma superfície polida, corno por exemplo a unha do experimentador, quando elle deixe um traço branco á medida que vai escorregando por essa superficie sem que a percorra com extrema rapi- dez nem excessiva lentidão.

O mesmo podemos verificar observando o modo rápido ou lento com que se dispersam algumas gottas de leite lançadas n'uma porção d'agua fer-

vida ou filtrada.

Á vista deve ser um liquido branco e homogé- neo e ao paladar ser ligeiramente doce.

Estes processos são muito superficiaes e de pouca confiança, porém, algumas vezes são o bas- tante para ajuizarmos do valor nutritivo do leite

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(fuma ama, quando ella reúna pelo menos uma. grande parte das condições a que já nos referimos.

Como são muitas e muito variadas as influen- cias, quer physiologicas querpathologicas, que po- dem alterar a densidade e composição do leite, quando o medico se limite a esaminal-o a olho nú, deve pelo menos attender á diversidade d'aspecto, que elle apresenta antes e depois da creança ma- mar.

Quando o leite permaneça por muito tempo na glândula mamaria torna-se seroso, claro e pobre em elementos nutritivos, ao passo que depois da creança mamar elle é mais opaco e mais nutriente.

Pelo exame microscópico é que nós podemos avaliar melhor as qualidades nutritivas do leite, bem como a natureza e quantidade de certos elementos estranhos, que o podem alterar como são : glóbu- los de colostro, pus e sangue ou certos organis- mos inferiores cuja presença pôde ser muito pre- judicial á creança.

1'elo numero, forma e volume dos glóbulos do leite, que constituem a sua parte gordurosa pode- mos nós ajuizar do seu valor nutritivo, porisso que á sua riqueza em glóbulos corresponde ordinaria- mente a proporção dos outros elementos, que en- tram na sua composição.

Um numero prodigioso de glóbulos d'um de- terminado volume e bem conformados, indicar- nos-ha que o leite é de boa qualidade, e o contra-

rio acontece quando elles sejam pequenos e muito disseminados no liquido.

Os glóbulos mais volumosos teem approxima- damente um diâmetro de */300 de millimetre, e os

ipais pequenos desde */s00 até Vsoo de millimetre,

Bouchut, indicando o processo para a conta- gem dos glóbulos n'um millimetre cubico de leite, procura determinar a relação que existe entre o numero de glóbulos contidos n'um litro d'esté Ilí- quido e a quantidade e peso da manteiga, valen- do-se dos dados que lhe fornece a analyse chimica do leite de vacca.

A densidade e a proporção dos outros elemen- tos pôde igualmente ser apreciada, comtudo só por uma analyse chimica rigorosa e com o auxilio do microscópio é que nós podemos chegar a con- clusões exactas muito embora só o microscópico possa já, dar-nos uma idéa muito aproximada das qualidades do leite d'uma ama.

Muitos instrumentos se teem inventado e qual d'elles o mais engenhoso para avaliar chimica- menle a natureza e proporções dos elementos, que entram na composição do leite.

D'entre muitos citaremos o lacloscopo de Don- né, o laclom.elro de Lecomte e bulyromelro de Merchant, etc.

Não entraremos na descripçâo d'estes appare- lhos nem nos processos d'analyse; porque isso le- var-nos-hia muito longe.

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Depois de estudarmos os diversos meios de po- dermos avaliar a qualidade do leite, restava-nos procurar saber se a ama tem ou não quantidade sufficiente de leite para alimentar convenientemen- te a creança.

E' este um problema de difficil resolução e á falta de meios rlirectos lançamos mão d'um certo numero d'observaçoes cujo conjuncto nos decidirá com muitas probabilidades a este respeito.

Se nos fôr possível poder examinar o filho da ama, nós podemos avaliar pelo seu estado não só a qualidade do leite, mas também certiticar-nos se elle terá sido em quantidade sufficiente.

Se reconhecermos que os peitos da ama contém bastante leite pelo pequeno esforço da creança para exercer a sucção, chegando mesmo a gotejar-lhe dos lábios, e que ella íica satisfeita depois de ma- mar, podemos affirmar que a ama tem leite em quantidade sufficiente.

Em ultimo caso recorremos á pesagem da creança, antes e depois de mamar, durante alguns dias, para avaliarmos quanto o seu peso augmen- tou.

Segundo Bouchut as creanças normalmente desenvolvidas mamam de oito a dez vezes por dia, e o peso do leite que absorvem é successivamente de 3, 15, 40 e 50 grammas nos primeiros quatro dias para cada refeição, de 60 a 80 nos primeiros mezes e de 100 a 130 depois dos cinco mezes.

Quando nos primeiros mezes se pese a crean- ça, de dez em dez dias, e se reconheça que o seu peso tem augmentado 250 a 300 grammas pode- mos concluir que o leite é, não só em quantidade sufficiente como facilmente assimilável.

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Amamentação artificial

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