• Nenhum resultado encontrado

AMOR AOS PRESÉPIOS A ÁRVORE DE NATAL

Veríssimo de Melo

Nenhuma tradição cristã e latina é mais tocante e significativa para os brasileiros do que o presépio fami- liar, armado durante o Natal, numa singela homena- gem ao nascimento de Jesus.

Guardo da casa do meu avô, na infância, recor- dação viva e perene do presépio que todos os anos lá armavam. Aquilo, para os meus olhos de criança, era um mundo maravilhoso de sugestões.

Ficava horas e horas a contemplá-lo, com suas montanhas de pedras. A estrela anunciadora no alto, os santos e as figurações tradicionais, uma infinidade de ornatos pitorescos, como aquele espelho na areia, imitando um lago e sobre o qual boiavam patos colo- ridos. A organização do presépio, com tantas figuras, tantos enfeites, tanto trabalho, já era uma festa. Todos ajudavam, trazendo isso ou aquilo, para que nada fal-

tasse à miniatura da natividade. Depois do presépio da casa do meu avô, vi somente outro, na infância, que me impressionou bastante. Foi aquele da casa de dona Bela – uma cidade, em ponto pequeno, e que ainda no ano passado, soube por pessoas de minha família, ha- via sido armado mais uma vez, com o mesmo carinho de sempre.

É muito triste que a tradição do presépio, pelo que estou informado, tende a desaparecer nesta cidade. Chefes de famílias, por ignorância e sem qualquer exa- me do mal que praticam, estão introduzindo em suas residências, em lugar do encanto natural do presépio, tradições outras de origem pagã e ariana, como a cha- mada “árvore de Natal” ou o “Papai Noel”, de trajes nórdicos, apesar do nosso calor tropical.

Esse espírito de servilismo de muitos patrícios nos- sos, que desprezam as verdadeiras e puras tradições latinas, por outras de procedência europeia, precisa ser combatido enquanto é tempo, através de uma cam- panha ampla de esclarecimento à população pela im- prensa, rádio e outros meios de difusão.

Nenhum povo merece respeito se abandona as suas tradições e as substitui por modelos estrangei- ros. A “árvore de Natal” e o “Papai Noel” são verdadei- ros atentados à nossa dignidade nacional. Precisamos defender o presépio contra essa invasão da dignidade nacional. Precisamos defender o presépio contra essa invasão de ídolos pagãos arianos.

Um dentista alemão Carlos Frederico Von Martius, visitando, em 1817, a pequena Vila de Nossa Senhora

98

PROTÁSIO PINHEIRO DE MELO

do Bom Sucesso, em Pindamonhangaba-SP, deslum- brou-se diante de um presépio, admirando-se como num recanto pobre e modesto como aquele, situado na solidão de um caminho pouco transitado, houvesse tanta poesia e tanto carinho na maneira como se ho- menageava aquele grande dia.

Von Martius, estrangeiro, sentira uma grande emo- ção ao encontrar uma tradição cristã genuinamente nossa, porque é de origem latina, tivesse ele encon- trado uma “árvore de Natal”, tradição de seu povo, ou- tra teria sido a impressão, para não dizer decepção, em virtude, naturalmente, das ricas árvores que vira em sua pátria, na Alemanha. Isso foi em 1817. Se Von Martius fosse vivo e voltasse ao Brasil, teria a mesma e desoladora impressão de que estou possuído, vendo as tradições realmente brasileiras serem substituídas por outras alemãs ou russas.

E disse o tradutor de Martius, o sr. Amaral Gurgel, nas alturas de 1938, em defesa das nossas tradições: “infelizmente, o modernismo de mau gosto, desprezan- do o que é nosso, substituiu a beleza típica do presépio pelo prosaísmo da ‘árvore de Natal’”.

No ano passado, Alceu Maynard Araújo iniciou em São Paulo uma proveitosa campanha pela imprensa em favor do presépio. Secundando a sua respeitosa opi- nião, escrevi artigos em jornais desta cidade, de Recife e de São Paulo, defendendo a mesma causa honrosa, isto é, a valorização do presépio.

Todavia, estou certo que “uma andorinha só não faz verão”, e que só tem resultado prático a campanha

que tiver o patrocínio de unanimidade dos tradiciona- listas brasileiros, com a cooperação dos homens de boa vontade.

Quanto à “árvore de Natal”, indispensável nas re- sidências dos ricos e ignorantes, estou certo de que só será destruída por meio de uma campanha de ridículo constante e sem tréguas.

O ilustre etnólogo português, sr. Armando de Mat- tos, publicou recentemente no Boletim Douro Litoral, nº IX, da 3ª série, uma oportuna conferência que pro- nunciou no Porto, sobre o presépio na etnografia portu- guesa e que teve o ensejo de defender idêntico ponto de vista com palavras incisivas que merecem divulgação.

Referindo-se ao fato de que o presépio, nos gran- des centros, tem sido prejudicado pela difusão de ele- mentos estranhos à raça portuguesa, escreve o sr. Ar- mando de Mattos: “Esses elementos estranhos, a que me refiro, estão, a saber, são a ‘árvore de Natal’ e a figura barbuda de ‘Papai Noel’, vestido de encarnado e por figurino russo”. Foram estes os agentes que pre- judicaram o Natal português por dezenas de anos. E como medida saneadora dos bons costumes lusitanos, acrescenta o sr. Armando de Mattos: “é hoje o movi- mento de expulsão nos lares portugueses da ‘árvore de Natal’ e do limpa-chaminés. Nota-se um grande desvanecimento daqueles que têm ainda a felicidade de acreditar nas virtudes e qualidades de nossa gente, dos nossos costumes, da nossa alma portuguesa”.

E é assim que falam e escrevem os homens cultos em Portugal. Nós, brasileiros, irmãos pelo sangue e pela

100

PROTÁSIO PINHEIRO DE MELO

origem latina dos portugueses, precisamos também ex- pulsar de nossas casas esses fantoches nórdicos, resti- tuindo ao presépio humilde e cheio de tantas evocações o lugar destacado que ele conquistou, por direito, nos lares e no coração dos brasileiros.

JOÃOZINHO

CRÔNICA ESCRITA EM MAIO DE 1959 -

Documentos relacionados