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DINARTE E ONOFRE – OS HOMENS QUE FIZERAM A UNIVERSIDADE

Dois grandes vultos natalenses desapareceram si- multaneamente, para nossa tristeza, neste mês de ju- lho de 1984: Dinarte Mariz e Onofre Lopes da Silva. Dois homens de atividades diferentes, mas que atua- ram juntos no idealismo e concretização de um sonho: a nossa universidade. “A maior obra do século no Rio Grande do Norte”, como disseram.

Dinarte criou-a por decreto, quando governador do estado, a 25 de junho de 1958, nomeando Onofre Lopes seu primeiro reitor. Onofre, partindo da esta- ca zero, consolidou a situação das Escolas Superio- res existentes, criou e incorporou outras, obtendo sua maior conquista com a federalização da UFRN, a 18 de dezembro de 1960.

Foram duas vidas paralelas, intensamente unidas e de serviços inestimáveis prestados à comunidade norte-rio-grandense.

Dinarte, o grande líder, deixou sua atividade no comércio de Caicó para se dedicar inteiramente à po- lítica, ascendeu aos mais altos postos da vida pública – governador, deputado federal, senador da república.

Onofre, por sua vez, renunciou à sua vida profis- sional de médico-cirurgião para consagrar sua inteli-

gência e sua capacidade de trabalho em favor da admi- nistração da UFRN e, posteriormente, a outras institui- ções de cultura.

Tivemos o privilégio de conhecer os dois de perto. Mais Onofre Lopes do que Dinarte Mariz, quando com o primeiro servimos à universidade e partilhamos tarefas comuns na Academia Norte-Rio-grandense de Letras e no Conselho de Cultura. A Dinarte combatemos, pela imprensa, durante a campanha de redemocratização do país, em 1945. Esse fato não nos distanciou nem criou raízes conflitantes. Dinarte tinha a alma grande. Quinze anos após, quando o procuramos para um único pedido que lhe fizemos (fui junto com Protásio) em toda a mi- nha vida – nossa recondução ao cargo de juiz municipal de Natal –, sua resposta foi surpreendente: “Melo, você é um patrimônio da nossa terra. Eu faria a nomeação mesmo que fosse errada e contra a lei”. Na verdade, nem era errada nem contra a lei. Tudo era força de expressão do bondoso governador. Suas palavras nos marcaram profundamente, nascendo daí uma amizade e solidarie- dade que nos uniram politicamente para sempre.

Onofre Lopes, com quem trabalhamos durante todo o seu reitorado de 10 anos e alguns meses, foi outra figura humana extraordinária. Um homem de bem em todo o sentido pleno da palavra. Impossível defini-lo, mesmo sumariamente, num breve artigo de jornal. Um idealista que tinha os pés no chão se é possível dizer isso para caracterizar quem perseguiu ideal nobilíssimo ao mesmo tempo em que se afirmava como administra- dor exemplar.

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PROTÁSIO PINHEIRO DE MELO

Dois norte-rio-grandenses desapareceram e deixa- ram a paisagem humana do pequeno estado mais ári- da do que antes. Ambos fincaram traços marcantes de sua passagem por este mundo com gestos inumeráveis de grandeza. Dinarte como homem público fez o bem indistintamente e trouxe benefícios múltiplos para o Rio Grande do Norte.

Onofre, como administrador, deixou a universida- de, na expressão Orteguiana – “a inteligência institu- cionalizada”.

Ambos serviram o povo e viveram dignamente. Ambos deixaram lições incontáveis de generosida- de, de fraternidade e de amor ao próximo – com seus exemplos. Cristãmente, ambos deixaram saudades para sempre.

Veríssimo de Melo ensinou Antropologia no Museu Câmara Cascudo e na UFRN. Foi excelente professor, segundo opinião de vários alunos, pela sua maneira especial de ministrar as aulas, seu bom humor e seu conhecimento da ciência do homem e de sua cultura.

Mostramos aqui capítulo inicial de seu Ensaio “An- tropologia e história”:

Antropologia, no seu sentido mais amplo, é o es- tudo do homem e da sua cultura. Do homem como produto da evolução animal, e da soma total de suas criações materiais e não materiais, isto é, da cultura. Do que se evidencia que a antropologia é, ao mesmo tempo, ciência biológica, ciência social e uma das hu- manidades. Alguns autores ainda a consideram ciência física, por exemplo, quando o seu enfoque recai sobre a

anatomia humana ou sobre qualquer manifestação da cultura material.

Não há outra ciência de campo mais vasta e mais universal do que a antropologia. Onde estiver ou esteve o homem ou um produto do seu trabalho, seja o mais primitivo ou o mais evoluído, aí estará, certamente, o interesse antropológico.

A espécie humana, apesar de suas variedades, é uma só. Mas as culturas são extremamente variáveis no tempo e no espaço. E já se vê que a antropologia não pode prescindir do relacionamento com todas as ciências que estudam o homem e o meio geográfico onde as culturas são inseridas.

Beals e Hoijer afirmam que “em essência a função do antropólogo é integrar as diversas disciplinas que tratam do homem, e pela amplitude de suas preocupa- ções especulativas, a antropologia deve ser entendida como a síntese de todas as ciências que tratam da na- tureza humana”. O que não quer dizer que seja mais

uma ciência do homem.

Sua característica própria e inconfundível reside no fato de ser, ao mesmo tempo, e só ela, a única ciência que estuda os aspectos biológicos e culturais do ho- mem, ou como frisava Kroeber: “nenhuma outra ciência enfrentou esse grupo de problemas como seu fim fun- damental. A antropociência definiu seu problema”.

Mischa Titiev observou que a “vasta maioria das ações voluntárias dos seres humanos são produtos mistos de duas forças diferentes que atuam simulta- neamente, de forma a produzir uma atividade única:

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forças biológicas e forças culturais”. Por isso, propôs a expressão “comportamento biocultural” para toda ca- tegoria de atividade humana, entendendo que a com- petência do antropólogo cultural consiste em adqui- rir o conhecimento de como essas forças interatuam. Essa é a característica específica da antropologia, seu problema básico e nuclear.

Hoebel, num expressivo esquema, mostra-nos o vastíssimo território das ciências que se relacionam com a antropologia, segundo a orientação que se de- seja dar a uma abordagem antropológica. Numa orien- tação biológica, incluiremos a anatomia, fisiologia, psicologia filosófica, genética, geologia, paleontologia e primatologia. Numa orientação cultural, teremos a história, geologia, arqueologia, arte, literatura, música, tecnologia, linguística, ciência política, direito, psicolo- gia, economia e geografia humana.

Para Clyde Kluckhohn, “a história é a tentativa de descrever os acontecimentos passados da maneira mais precisa, concreta e completa possível, estabele- cer as sequências desses acontecimentos, apontar os padrões porventura existentes nas sequências”. Adian- ta ainda que a história é tanto um método como uma ciência independente e a antropologia possui seu lado histórico. O decorrer do desenvolvimento humano, a dispersão da espécie sobre a Terra e a evolução das culturas, tudo isso são investigações históricas.

Mas há outros pontos de vista extremados em re- lação à história, como os de Malinowski e Radcliffe- -Brown, ao declararem que a antropologia só tem um

sentido enquanto ciência. Excluem a história por con- siderarem que o fato determinado carece de interesse por si mesmo. O objeto da ciência, aduzem, é relacionar fatos e deles formular proposições válidas em torno da natureza das coisas.

Já outros autores adotam posições inversas, en- tendendo que a antropologia “ou é história ou não é nada”. Acrescentam: “tudo ocupa um lugar no tempo. A cultura é uma continuação, nunca é o mesmo de um dia a outro. Toda observação antropológica é um fato histórico”.

Modernamente, a orientação mais segura sobre o assunto é a de que o antropólogo deve manter uma abor- dagem ampla do seu trabalho, isto é, holística. Orien- tação que acentua a integração da cultura. O homem é um só. O seu estudo interessa a todas as ciências. Kluckhohn, numa metáfora sugestiva, anunciou, por exemplo, a queda de todos os muros que antigamente limitavam as ciências sociais. Hoje, o antropólogo irá a qualquer campo de qualquer ciência que possa trazer mais luz ao conhecimento da natureza humana e das forças que agem na sociedade: os fins supremos da an- tropologia.

PALESTRA DE VERÍSSIMO NO MUSEU

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