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Frequentemente tudo que um ajudante ciente pode e deve fazer é trazer à luz o amor da criança. Não importa o que a criança tiver assumido em nome desse amor, ela sabe estar em sintonia com a sua consciência e sente-se nobre e boa. Quando, entretanto, com o auxílio de um ajudante sensato o amor da criança pode vir à luz, também torna- se claro para ela que o objetivo desse amor nunca pode ser atingido. Pois, trata-se de um amor que tem a esperança de poder salvar a pessoa amada através dos seus sacrifícios, protegê-la do sofrimento, expiar a sua culpa e salvá-la da desgraça. Frequentemente, ainda tem esperança de trazer de volta uma pessoa amada, do reino dos mortos.

Entretanto, quando esse amor infantil é trazido à luz, talvez essa criança - agora adulta - perceba que não pode superar a doença, o destino e a morte do outro através do seu amor e dos seus sacrifícios, mas que deve se expor a eles, impotente e corajosamente e concordar com tudo assim como é.

Quando os objetivos do amor infantil e os meios para atingi-los são trazidos à luz ficam decepcionados, pois fazem parte de uma imagem mágica do mundo que não tem substância diante do conhecimento de um adulto. Mas o amor propriamente dito permanece. Trazido à luz, ele procura por caminhos que trarão bons resultados. Então, o mesmo amor que causou a doença procura agora por uma outra solução, uma solução ciente, anulando, se ainda for possível, aquilo que causa a doença. Aqui os médi- cos e outros ajudantes talvez possam apontar direções. Porém somente se o amor da criança for considerado e reconhecido por eles, para que possa se dirigir a algo novo e maior.

"Eu por você"

Frequentemente reconhecemos como causa anímica de uma doença mortal a decisão da criança perante uma pessoa amada: "Antes desapareça eu do que você".

Na anorexia a decisão é: "Antes desapareça eu do que você, querido papai."

No nosso exemplo sobre a esclerose múltipla a decisão era: “Antes desapareça eu do que você, querida mamãe. "

Uma dinâmica semelhante acontecia antigamente com a tuberculose. Essa dinâmica está presente também no suicídio ou no acidente fatal.

“Mesmo que você vá, eu fico"

Quando essa dinâmica se revela numa conversa com o enfermo, qual seria a solução que ajuda e cura? Como acontece com toda boa descrição de um problema, a solução já está contida na descrição e atua através dela. A solução começa quando se traz à luz a frase que faz adoecer, e o paciente diz, com toda a força desse amor que move, à pessoa amada: "Antes desapareça eu do que você". É importante que a frase seja repetida tantas vezes quanto forem necessárias até que o cliente perceba e reconheça a pessoa amada como alguém que está diante dele e que, portanto, apesar de todo o amor, é uma pessoa autônoma e separada dele. Caso contrário a simbiose e a identificação permanecem, fracassando a diferenciação e a separação, responsáveis pela cura.

Quando se consegue dizer amorosamente essa frase, estabelece-se um limite tanto em relação à pessoa amada quanto ao próprio eu e separa-se o destino próprio do destino da pessoa amada. A frase não apenas nos força a ver o nosso próprio amor, mas também o amor da pessoa amada. Ela nos força a reconhecer que aquilo que a pessoa que ama quer fazer, no lugar da pessoa amada é um peso para ela, muito mais que uma ajuda.

Então é o momento de dizer à pessoa amada uma segunda frase: "Querido papai, querida mamãe, querido irmão, querida irmã - ou quem quer que seja - mesmo que você vá, eu fico." Às vezes, principalmente quando a frase se dirige ao pai ou à mãe, o paciente ainda acrescenta: "Querido papai, querida mamãe, abençoe-me, mesmo que você vá e eu ainda fique.“

Vou ilustrar com um exemplo.

O pai de uma mulher tinha dois irmãos deficientes: um era surdo e o outro psicótico. Ele se sentia atraído por seus irmãos e, por lealdade a eles, desejava partilhar seu destino, pois não suportava a própria felicidade em face da infelicidade deles. Mas sua filha percebeu o perigo e saltou na brecha. Ela colocou-se no lugar do pai, ao lado dos irmãos dele, e em seu coração, disse ao pai: "Querido papai, antes desapareça eu, e me junte aos seus irmãos, do que você" e “ Querido papai, antes partilhe eu a infeli- cidade com eles, do que você." E tornou-se anoréxica.

O que, porém, seria a solução para ela? Teria que pedir aos irmãos do pai, mesmo que só internamente: "Por favor, abençoem meu pai, se ele fica conosco; e me abençoem, se fico com meu pai."

"Eu sigo você"

Por trás do desejo de partir do pai e da mãe, que o filho procura impedir através da frase: "Antes eu do que você", existe frequentemente nos pais uma outra frase. Eles a dizem, como filhos, a seus próprios pais ou irmãos, quando estes morreram cedo, contraíram uma longa doença ou ficaram inválidos. A frase é: “Eu sigo você", ou mais precisamente: "Eu sigo você em sua doença" ou "Eu sigo você para a morte."

Portanto, na família a frase que atua primeiro é: "Eu sigo você", que é também uma frase infantil. Mais tarde, porém, quando essas crianças, por sua vez, se tornam pais, seus filhos impedem que a executem e então dizem: "Antes eu do que você."

"Eu ainda vivo mais um pouquinho"

Quando a frase "Eu sigo você'1 vem à luz como o quadro de fundo de doenças graves, acidentes fatais

força do amor que o move, olhando nos olhos da pessoa amada: "Querido papai, querida mamãe, querido irmão, querida irmã - ou seja quem for -, eu sigo você." Aqui também é importante que a frase seja repetida tantas vezes quantas forem necessárias, até que a pessoa amada seja percebida e reconhecida como uma pessoa autônoma que, apesar de todo o amor, separada do próprio eu. Então o filho reconhece que o seu amor não supera os limites que o separam do ente querido e que precisa deter-se diante desses limites. Aqui a frase também o força a reconhecer tanto o próprio amor quanto o da pessoa amada e a compreender que essa pessoa carrega e realiza melhor o seu destino quando ninguém a segue, muito menos o seu próprio filho.

Então o filho também pode dizer ao morto querido também uma segunda frase, que realmente dispensa e libera da obrigação do seguimento funesto: "Querido papai, querida mamãe, querido irmão, querida irmã - ou seja quem for - você está morto, eu ainda vivo mais um pouquinho, depois morrerei também. "Ou ainda: “Eu realizo a vida que me foi dada, enquanto durar e, então, também morrerei." Se o filho vê que um dos seus pais quer seguir na doença e na morte alguém de sua família de origem, então deve dizer: “Querido papai, querida mamãe, mesmo que você vá, eu fico." Ou: "Mesmo que você vá, eu honro você como meu pai e eu honro você como minha mãe. Você será sempre meu pai e você será sempre minha mãe" ou, se um dos pais tiver se suicidado: “Eu me curvo diante de sua decisão e diante de seu destino. Você sempre será o meu pai e você será sempre a minha mãe; e eu serei sempre o seu filho."