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“O importante na vida é o amor. Com todos os perigos que ele contém”. Edgar Morin

O amor é um dos valores que constrói o ethos contemporâneo. Ele orienta as ações e as interações humanas, norteando a vida dos sujeitos e perpassando o próprio movimento de construção social da realidade. Muitas experiências se realizam e deixam de se realizar por amor; muitas escolhas e decisões são empreendidas em seu nome. Muitas são as pessoas que se alegram e vibram por causa do amor. Mas muitas também são aquelas que sofrem e se entristecem pelo mesmo motivo. A experiência do amor faz parte da vida de todos e de cada um de nós — sendo ele uma das importantes configurações que constituem a hierarquia de valores de referência construída pelos sujeitos. É necessário, portanto, discorrer um pouco acerca desse tema — suas definições, seu histórico, suas formas de tratamento —, a fim de melhor compreender e delinear o modo como ele irrompe nas cenas telenovelísticas e na própria vida social contemporânea.

Há muitas maneiras de definir essa “noção ambígua e difícil” (Giddens, 2002: 88) que é o amor, e vários autores vêm tentando fazer isso. No início do século XX, Georg Simmel o identifica como um fenômeno global complexo, como “uma das grandes categorias que dá forma ao existente” (Simmel, 1993: 122). O filósofo e sociólogo traz uma reflexão sobre a natureza do amor, entendendo-o como “algo absolutamente unitário, que não pode se compor a partir de elementos preexistentes” (Simmel, 1993: 125).45

Para Jurandir Freire Costa, sendo caracterizado como “interioridade” e “originaridade” absolutas, o amor, em Simmel, é “autônomo em relação ao prazer sexual, à

45 Além disso, Simmel apresenta uma tipologia do amor: o amor humano universal, o amor cristão e a natureza erótica. Segundo o autor, o amor humano universal apresenta um caráter abstrato, já que se dirige ao aspecto humano presente em todos os sujeitos, sem levar em conta as diferenças individuais. O que ele chama de amor cristão, ao contrário, dirige-se à totalidade da pessoa diferencial, ou seja, “compreende justamente o ser humano inteiro” (Simmel, 1993: 165). O amor que se apresenta como natureza erótica, para Simmel, “não é uma relação com outrem, mas um absoluto de seu ser, fechado em si” (Simmel, 1993: 180).

reprodução da espécie ou a compromissos familiares e sociais” (Costa, 1999: 71).46

É como se o amor fosse algo que se encerrasse nele mesmo, autônomo, absoluto, individual; uma “categoria primordial, não tendo nenhum outro fundamento além de sim mesmo” (Simmel, 1993: 124).

O amor também é definido como uma emoção ou uma crença emocional. Para Humberto Maturana, a “emoção fundamental que torna possível a história da humanização é o amor” (Maturana, 1999: 23). Ela constitui o domínio das ações humanas e legitima o eu e o outro nas interações recorrentes. Já para Jurandir Freire Costa, o amor é uma emoção que não pré-existe à humanidade, não é algo natural e universal:

o amor é uma crença emocional e, como toda crença, pode ser mantida, alterada, dispensada, trocada, melhorada, piorada ou abolida. O amor foi inventado como o fogo, a roda, o casamento [...]. Tudo pode ser recriado [...] em função do que julgarmos melhor para todos e cada um de nós (Costa, 1999: 12).

O amor depende, portanto, do investimento do sujeito, que constrói hierarquias de desejos e objetos no decorrer do processo de constituição das subjetividades. Ou seja, o amor não é um valor independente (Giddens, 2002: 88); ele está associado a uma série de outras emoções, sentimentos e valores, acionados em sua própria realização: “amor é uma palavra semanticamente articulada a outras como prazer, bem-estar, conforto, felicidade, boa vida, alegria ou, ao contrário, a sofrimento, decepção, frustração, ideais impossíveis, esperanças não-correspondidas e assim por diante” (Costa, 1999: 161). Morin também destaca a multiplicidade de fios que tecem o amor, mas, ao mesmo tempo, salienta sua unicidade:

o amor é algo único, como uma tapeçaria que é tecida com fios extremamente diversos, de origens diferentes. Por trás de um único e evidente “eu te amo” há uma multiplicidade de componentes, e é justamente a associação destes componentes inteiramente diversos que faz a coerência do “eu te amo” (Morin, 2002: 16).

46 Jurandir Freire Costa discute um pouco mais a natureza do amor em Simmel, comparando sua concepção à discussão empreendida por Sartre tempos depois. Cf. Costa, 1999.

Na associação dos componentes para a constituição do amor, a articulação entre esse valor e a felicidade é muito presente. O amor, freqüentemente, aparece como fundamento para a felicidade no casamento, na família, no círculo de amigos, no trabalho. Costa aponta que o amor deslocou-se para o “centro imaginário do ideal de felicidade pessoal” (Costa, 1999: 20), tornando-se seu atributo essencial. Para Morin, essa articulação entre as duas emoções é bastante evidente na contemporaneidade, convertendo o amor no “tema central da felicidade moderna” (Morin, 1997a: 131). Segundo ele, o amor é o “fundamento tornado necessário e evidente de qualquer vida pessoal” (Morin, 1997a: 133).

Apostar nesse valor tão central na vida dos sujeitos significa, certamente, assumir os riscos que com ele advêm: sofrimentos, desentendimentos, separações, ilusões, o enfrentamento da morte. Na visão de Morin, amar é um risco que devemos assumir: “como dizia Platão acerca da imortalidade da alma, trata-se de um belo risco que se deve correr. O amor é um mito muito belo. Evidentemente, encontra-se condenado à errância e à incerteza” (Morin, 2002: 29). Ao comparar o amor ao mito, o autor salienta a importância de ambos na vida dos sujeitos:

eu diria sobre o amor o que em geral digo sobre o mito. [...] Não se pode viver sem mitos, e eu incluiria, entre os “mitos”, a crença no amor, um dos mais nobres e poderosos e, talvez, o único mito ao qual deveríamos nos apegar. E não apenas o amor interindividual, mas, o amor num sentido muito mais amplo, sem, evidentemente, macular o amor individual (Morin, 2002: 28).

É importante destacar a natureza relacional que perpassa algumas concepções do amor — distanciando-o da perspectiva simmeliana de “interioridade” absoluta. Julia Kristeva destaca a constituição de um espaço mútuo e dilatado na constituição das relações amorosas: “mais que desejo, para além ou para aquém do prazer, o amor os contorna ou os desloca para elevar-se às dimensões do universo. Que universo? O nosso, o meu e o seu confundidos, ampliados” (Kristeva, 1988: 25-26).

Morin também enfatiza a relação como dimensão constituinte do amor, que depende do engajamento não somente de um sujeito: “engaja-se a pessoa amada, engajam-se também os que nos amam sem que nós os amemos, ou os que amam a pessoa amada sem que ela os ame” (Morin, 2002: 29). Para o autor, o amor permite ao sujeito descobrir a verdade do outro, ao mesmo tempo em que projeta a verdade dele sobre o outro: a beleza do amor “reside na interpenetração da verdade do outro em si, implica encontrar sua verdade através da alteridade” (Morin, 2002: 31).

O amor pode ser entendido, assim, como um valor que coloca o eu e o outro em relação. É um valor na medida em que “aponta para aquilo que devemos ter, ser ou desejar” (Costa, 1999: 161). Ao analisar frações do discurso amoroso, isto é, as figuras que colocam o enamorado em ação, Roland Barthes enfatiza a tese do amor como um valor. Segundo ele, “ao contrário de tudo e contra tudo, o sujeito afirma o amor como valor. Apesar das dificuldades da minha história, apesar das perturbações, das dúvidas, dos desesperos, apesar da vontade de me livrar disso, não paro de afirmar em mim mesmo o amor como um valor” (Barthes, 2000: 34).

A partir do que foi exposto, é possível endossar que “as verdades do amor são [...] múltiplas. Nenhuma delas pode dizer o que é essencialmente o amor” (Costa, 1999: 165). Mas todos os autores e concepções anteriormente referidos concordam em um ponto: o amor é fundamental na constituição da experiência humana, independente de ser visto e conceituado como categoria, emoção, crença, sentimento, mito ou valor. Frente a essas múltiplas verdades do amor,

o que pode acontecer — e de fato acontece — é que elegemos sempre uma ou outra descrição tendo em vista o que julgamos mais desejável para nossas vidas. Isto é, o amor não se impõe a nós por força de sua “intrínseca verdade”, mas pelo valor que atribuímos a um de seus constituintes (Costa, 1999: 165).

Assim, neste trabalho, o amor é tratado como um valor, essencial na constituição da experiência dos sujeitos e na edificação do ethos contemporâneo. Valor esse que foi

diferentemente concebido e trabalhado no decorrer dos tempos, sendo consagrado por inúmeras narrativas ficcionais e discutido em várias doutrinas e concepções. Acompanhemos, primeiro, algumas perspectivas para pensar o amor desenvolvidas em diferentes períodos, para, em seguida, resgatarmos alguns mitos que ainda hoje permeiam o imaginário amoroso.

2.1- Uma temática secular: algumas concepções

O amor não é um tema inovador da atualidade. Ao longo dos séculos, muitas perspectivas foram construídas acerca desse valor, que também suscita a reflexão de importantes pensadores, de filósofos da Grécia Antiga a pesquisadores contemporâneos.

Em três de seus diálogos — Lisis, Banquete e Fedro —, Platão (427 a.C. — 347 a.C.) apresenta sua teoria sobre o amor. Em Banquete, o filósofo grego elogia o sentimento através de uma discussão entre sete interlocutores: Fedro, Pausânias, Erixímaco, Aristófanes, Agatão, Sócrates e Alcebíades. Cada um deles apresenta o seu discurso, configurando uma visão acerca do amor. Alcebíades é o último a falar, fazendo uma exaltação do amor através de uma glorificação às palavras anteriores de Sócrates — que narra o discurso da sacerdotisa Diotima. Nesse discurso, o “amor aparece como uma resposta humana ao reconhecimento prévio do verdadeiro Bem e da verdadeira Beleza, estes sim, valores permanentes aos quais o homem sábio deve aspirar” (Costa, 1999: 37).

Dessa forma, o fim do diálogo evidencia a visão de Platão sobre o amor. O filósofo afirma a existência de dois mundos distintos: um imperfeito, em que há espaço para o feio, o mal e o mortal; e o mundo das idéias, o mundo superior, em que há o bom, o belo, o imortal, a perfeição. Para que o mundo físico alcance a plenitude, é preciso realizar a passagem do mundo inferior ao superior, sendo necessário um instrumento mediador: o amor. O amor é o intermediário para alcançar o mundo perfeito, tornando-se “uma busca do bem e a

condição de possibilidade de alcançá-lo” (França, M., 1998a: 34). O amor é o que faz a mediação entre os dois domínios, é uma iniciação ao Bem e ao Belo (Kristeva, 1988).

No cristianismo, o amor também ocupa um lugar central, constituindo-se como “o fundamento de toda a organização cristã” (Roque, 1994: 47). Como aponta Simmel, há duas exigências religiosas fundamentais no cristianismo: a salvação individual da alma e o amor, sendo que este “passa a ser o ponto central extremo” (Simmel, 1993: 173). Isso pode ser percebido, principalmente, a partir de dois mandamentos, que resumem os princípios essenciais da religião, enunciando “a versão mais notável do amor bíblico” (Kristeva, 1988: 107):

amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda tua alma e de todo teu espírito (Deut 6, 5). Este é o maior e o primeiro mandamento. E o segundo, semelhante a este, é: Amarás teu próximo como a ti mesmo (Lev 19, 18). Nesses dois mandamentos se resumem toda a Lei e os Profetas (Bíblia Sagrada, 1982: 1312, grifo no original).

Na tradição cristã, o amor é voltado para a felicidade celeste; deve ser dedicado a Deus, ao próximo e até mesmo aos inimigos, a fim de atingir a salvação. Jurandir Costa compara as concepções platônica e cristã do amor, concluindo que, em ambas, “o amor correto era imaginado como um sentimento voltado para algo que transcendia a vida mundana e aspirava à eternidade” (Costa, 1999: 38).47

Outra concepção importante do amor pode ser encontrada no chamado amor cortês do século XII.48 Georges Duby traça o quadro geral desse tipo de amor, que é constituído por um triângulo: a dama, o homem e o jovem. Segundo o autor, no modelo de amor cortês,

um homem efetivamente jovem [...] assedia, com intenção de tomá-la, uma dama, isto é, uma mulher casada, portanto inacessível, inconquistável, uma mulher cercada, protegida pelos interditos mais estritos erguidos por uma sociedade baseada em linhagens cujos fundamentos eram as heranças transmitindo-se por linha masculina e que, conseqüentemente, considerava o adultério da esposa como a pior das subversões e ameaçava com castigos terríveis o seu cúmplice (Duby, 1989: 60).

47 Julia Kristeva, além de lembrar esses dois mandamentos, procede a uma análise da lei do amor no livro bíblico

Cântico dos Cânticos, que, segundo ela, retoma, evidencia e amplifica a dinâmica complexa do amor presente na Bíblia (Cf. Kristeva, 1988).

48 Segundo Howard Bloch, o conceito de amor cortês foi cunhado por Gaston Paris num artigo sobre Chrétien de Troyes no século XIX (Bloch, 1995: 18).

Georges Duby (1989) analisa o advento desse tipo de amor, relacionando-o com o contexto social da época e evidenciando as condições que tornaram propícias a constituição do código do amor cortês. Ele lembra que, naquele tempo, os acordos de casamento eram feitos quase sempre sem levar em conta os sentimentos dos noivos. Tudo se realizava

para que se estabelecesse, entre os cônjuges, não uma relação calorosa, comparável ao que é para nós o amor conjugal, mas uma ligação fria de desigualdade: estima condescendente, no melhor dos casos, da parte do marido, reverência amedrontada, também no melhor dos casos, da parte de sua mulher (Duby, 1989: 62-63).

Segundo Denis de Rougemount, nesse período, o casamento havia se tornado apenas um meio de enriquecimento, através da “anexação de terras oferecidas em dote ou prometidas em herança” (Rougemount, 2003: 48). Essas circunstâncias acabariam por acarretar o desejo de se edificar “um código cujos preceitos, destinados a aplicar-se no exterior da área da conjugalidade, viessem a ser uma espécie de complemento do direito matrimonial e se construíssem paralelamente a este” (Duby, 1989: 63).

Assim, as cortes de amor fundam “o verdadeiro amor fora do casamento” (Morin, 1997a: 132) e prezam “uma fidelidade independente do casamento legal e fundada exclusivamente no amor” (Rougemount, 2003: 48, grifo do autor). Howard Bloch resume as características do amor cortês no período da Alta Idade Média, quando há, segundo o autor, uma idealização da mulher e do amor:

(1) o desejo foi secularizado, ou a paixão reservada no cristianismo para a divindade passou legitimamente a convergir para um ser humano supostamente mortal; (2) o amor secular tornou-se impossível ou, como Denis de Rougemont e outros notaram, tornou-se por definição “infeliz”, “romântico”; e (3) o amor impossível tornou-se nobre, e o sofrimento, a marca de distinção social (Bloch, 1995: 18).

Nesse sentido, o culto ao sofrimento, a idealização do amor e os obstáculos enfrentados para a realização plena desse sentimento marcam o modelo do amor cortês. Modelo esse que, segundo Cristiane Costa, começa a instaurar a linguagem romântica, em que

os poetas trovadores nomeiam aquilo “que os amantes modernos vão conhecer como paixão” (Costa, Cristiane, 2000: 17). O amor cortês é, portanto, o precursor do amor romântico, instaurado a partir do século XVIII, na medida em que suas características serão retomadas na constituição dessa outra concepção do amor.

Jurandir Freire Costa (1999) situa, entre o amor cortês e o amor romântico, o que ele denomina a versão leiga ou científica do amor, ou seja, a visão que emerge com o pensamento político-filosófico leigo dos séculos XVI e XVII, particularmente com Hobbes, Locke e Condillac. Segundo Costa, com esses pensadores, o “amor saiu do topo da pirâmide das paixões, onde fora colocado pela sensibilidade clássica antiga e cristã. Em seu lugar, emergiu o desejo e depois o prazer. Na genealogia da idéia de amor, a virada foi fundamental” (Costa, 1999: 59-60).

Para Hobbes, o egoísmo e a violência são características centrais na constituição humana e só podem ser contidas através do grande Leviatã ou Deus Mortal. Segundo Costa, a “teoria hobbesiana do desejo afirmava que todo amor é, antes de mais nada, ‘amor de si’, e que este ‘amor de si’ nada mais é do que egoísmo” (Costa, 1999: 61). Em Locke e Condillac, segundo Costa, o amor se torna produto do prazer, sinônimo de sensação prazerosa. Ou seja, na perspectiva desses pensadores, o “amor era o nome dado a um conjunto de impressões sensoriais de prazer” (Costa, 1999: 62).49

Ainda dentro da versão leiga ou científica do amor, Jurandir Costa situa Rousseau, cuja perspectiva se distancia das demais concepções inscritas na mesma versão. Segundo Costa, o pensador também fala do amor de si, mas diferentemente de Hobbes, Locke e Condillac, esse amor é originário e não derivado de alguma outra coisa. Costa aponta que, para Rousseau, “um desejo — o desejo sexual — pede a presença do outro para se realizar, pois é, em si, desejo de complementaridade. Rousseau apóia-se nesse impulso originário para

afirmar que a sociabilidade é possível, sem coerção ou qualquer outra violência legal do Estado” (Costa, 1999: 67). O pensador prega a “harmoniosa conjunção entre sexo, amor e casamento, na unidade da família conjugal”; ou seja, “o casamento e a família serão, para Rousseau, o lugar do apogeu do amor” (Costa, 1999: 68).

Ao destacar essas características do pensamento de Rousseau sobre o amor, Jurandir Costa o apresenta como um outro precursor do amor romântico, que emerge pouco tempo depois. Segundo Costa, o pensador fornece “o molde imaginário de todo o modo de amar no Ocidente moderno” (Costa, 1999: 66).

O amor romântico começa a marcar presença a partir do final do século XVIII. Assim como no amor cortês, “a articulação do amor como um ideal” (Bloch, 1995: 19) é fundamental no amor românico, cuja ascensão foi propiciada por várias circunstâncias que compunham o contexto da época. Segundo Giddens, o “surgimento da idéia do amor romântico tem de ser compreendido em relação a vários conjuntos de influências que afetaram as mulheres a partir do final do século XVIII” (Giddens, 1993: 52).

O sociólogo destaca a criação do lar, a modificação das relações entre pais e filhos e a invenção da maternidade como alguns desses fatores. Conforme aponta Giddens, essas influências estão interligadas e mostram que o centro da família desloca-se da autoridade patriarcal para a afeição maternal. “A idealização da mãe foi parte integrante da moderna construção da maternidade, e sem dúvida alimentou diretamente alguns dos valores propagados sobre o amor romântico” (Giddens, 1993: 53). Isso porque, segundo o autor, as idéias que sustentavam o amor romântico estavam articuladas à subordinação da mulher ao lar e ao seu relativo isolamento do mundo exterior. Nesse contexto, a promoção do amor era um exercício predominantemente feminino. Aos homens, de forma geral, era reservado um

“padrão duplo”: o conforto do ambiente doméstico (promovido pelo amor romântico) e a sexualidade da amante ou da prostituta (característica do chamado amor apaixonado).50

Nas ligações do amor romântico, “o elemento do amor sublime tende a predominar sobre aquele do ardor sexual” (Giddens, 1993: 51) — diferenciando-o do amor apaixonado ou amour passion. Giddens destaca que, ainda que a atração imediata faça parte do amor romântico,

ela tem de ser completamente separada das compulsões sexuais/eróticas do amor apaixonado. O “primeiro olhar” é uma atitude comunicativa, uma apreensão intuitiva das qualidades do outro. É um processo de atração por alguém que pode tornar a vida de outro alguém, digamos assim, “completa” (Giddens, 1993: 51).

Segundo Giddens, uma característica central do amor romântico é “a possibilidade de se estabelecer um vínculo emocional durável com o outro, tendo-se como base as qualidades intrínsecas desse próprio vínculo” (Giddens, 1993: 10).51

Além disso, esse tipo de amor pressupõe uma idealização do ser amado, um encontro de almas: “o outro, seja quem for, preenche um vazio que o indivíduo sequer necessariamente reconhece — até que a relação de amor seja iniciada. E este vazio tem diretamente a ver com a auto-identidade: em certo sentido, o indivíduo fragmentado torna-se inteiro” (Giddens, 1993: 56). Nesse sentido, a construção das ligações amorosas é essencial na criação das narrativas identitárias dos sujeitos, que podem criar uma narrativa biográfica mútua.

Norbert Elias (1987) também destaca algumas das características centrais do amor romântico. Segundo ele, o homem retira da ligação amorosa “uma vantagem suplementar: desfruta a espera do prazer, uma alegria melancólica que se mistura com o sofrimento do

50 Esse padrão duplo apontado por Giddens (1993) pode ser visto como uma generalização do comportamento masculino daquela época, mas, certamente, essa duplicidade em relação ao amor não foi vivenciada por todos os homens, de todas as classes sociais. Entretanto, para atender aos propósitos desta pesquisa, não consideramos necessário recuperar e aprofundar a discussão sobre as especificidades da conduta masculina assumida nas diferentes camadas sociais.

51

Giddens considera o amor romântico como o precursor do que ele chama de relacionamento puro ou relação pura, que também se baseia nas qualidades intrínsecas do próprio vínculo em sua constituição e cujas características serão explicitadas ainda neste capítulo.

amor, a tensão do desejo dá-lhe uma sensação gratificante. São estas as características que dão a este amor a sua tonalidade romântica” (Elias, 1987: 224 apud Costa, 1999: 66, grifo do

autor). Além disso, ele destaca que as ligações afetivas construídas tendo por base o amor

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