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Mulheres Apaixonadas e outras histórias: amor, telenovela e vida social

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Academic year: 2021

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Paula Guimarães Simões

Mulheres Apaixonadas e outras histórias:

amor, telenovela e vida social

Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado do Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal de Minas Gerais, como requisito parcial à obtenção do título de

Mestre em Comunicação Social.

Área de Concentração: Comunicação e Sociabilidade Contemporânea Linha de pesquisa: Processos Comunicativos e Práticas Sociais Orientadora: Profa. Dra. Vera Regina Veiga França

Belo Horizonte

Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da UFMG Abril de 2004

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“Mulheres Apaixonadas e outras histórias:

amor, telenovela e vida social”

Paula Guimarães Simões

Dissertação defendida e aprovada pela Banca Examinadora constituída pelos professores:

____________________________________

Profa. Maria Carmen Jacob de Souza Romano FACOM - UFBa

____________________________________

Profa. Rousiley Celi Moreira Maia DCS - UFMG

____________________________________

Profa. Vera Regina Veiga França Orientadora

Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas

Universidade Federal de Minas Gerais Belo Horizonte, 26 de abril de 2004

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Ao Ricardo:

esta pesquisa certamente não seria a mesma sem a vivência do amor ao seu lado.

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Agradecimentos

Com a conclusão de um trabalho, emerge a sensação de um dever cumprido, de uma etapa vencida, que é também um rito de passagem para um novo projeto, uma nova etapa. Emerge, ainda, um sentimento de gratidão a todos aqueles que apostaram no projeto então finalizado, que contribuíram para a sua realização. Ao terminar esta dissertação, quero, portanto, agradecer.

À Vera, pela orientação atenciosa e cuidadosa, pelo apoio em cada uma das etapas, pelas conversas e sugestões que sempre me apontam caminhos. Você se tornou, ao longo desses anos, na graduação e no mestrado, muito mais do que uma professora, uma orientadora: uma amiga, uma parceira, presença marcante em minha trajetória acadêmica, profissional e pessoal. A você, Vera, devo grande parte de minha formação, e qualquer palavra que eu diga será sempre insuficiente para demonstrar minha gratidão. Por tudo.

Ao Ricardo, que, mesmo quando esteve longe, sempre esteve muito perto, me acompanhando em todo o percurso. Presença indispensável em cada fase: das questões relacionadas ao desenvolvimento do projeto aos detalhes de finalização da dissertação; suas contribuições foram valiosas na concretização do trabalho. Presença fundamental em minha vida: seu amor, seu apoio, sua acolhida às minhas angústias me fortalecem, me ajudam a apostar em meus sonhos e projetos e a seguir em frente.

À CAPES, pela concessão da bolsa de pesquisa, que possibilitou a dedicação exclusiva ao desenvolvimento do projeto.

À Rousiley e ao César, cujas discussões me instigam desde a graduação e cujas contribuições durante o Exame de Qualificação foram preciosas para a continuidade e o enriquecimento da análise. Aos demais professores e aos funcionários com quem convivi de forma mais próxima durante o curso.

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Aos professores, amigos e colegas do Gris, grupo de pesquisa ao qual devo muito de minha formação acadêmica e pessoal. Nesse grupo, fiz grandes amizades (Cirlene, Sílvia e tantas outras) e estão registrados fatos marcantes da minha história.

Aos amigos que conquistei durante o mestrado: Letícia, amiga de todas as horas, e Jorge; Ângela e Roberto, com quem pude compartilhar de perto minha iniciação à docência.

Aos demais amigos e colegas da turma, pelos compartilhamentos de reflexões, achados e angústias. À minha grande amiga Carolina, pelo incentivo constante.

Aos meus alunos, que me ajudaram a problematizar questões e encontrar respostas.

A meus pais, Bernadete e Paulo; meus irmãos, Paulo Henrique, Luciano, Rogério e Joaquim; minhas cunhadas, Rossana, Gabriela e Kátia; meus sobrinhos, Natália, Paulo Henrique e Gabriel; enfim, a toda a minha família, pela base afetiva e material que permite a realização de meus projetos. Aos “carinhas” lá de casa, Gé, Kim, Sá e Digo, pela paciência e pela compreensão, sobretudo, nos momentos de maior nervosismo. À Gabi, agradeço também pela produção impecável da capa. À família do Ricardo, pelo apoio e pelo carinho em todos momentos.

A Deus, que sempre me concede forças para prosseguir e possibilitou a realização de todo o trabalho.

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“Ao contrário de tudo e contra tudo, o sujeito afirma o amor como valor.

Apesar das dificuldades da minha história, apesar das perturbações, das dúvidas, dos desesperos, apesar da vontade de me livrar disso, não paro de afirmar em mim mesmo o amor como um valor”.

Roland Barthes

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Resumo

A proposta desta pesquisa é investigar o tratamento e a atualização do amor em algumas telenovelas brasileiras contemporâneas, exibidas pela Rede Globo, e a forma como a sociedade configura sentidos sobre essa temática, ao se posicionar em relação às histórias de amor ficcionais. Parte-se da premissa de que o amor é um valor fundamental na constituição da experiência humana e um ingrediente básico na construção das narrativas telenovelísticas.

O objetivo é delinear um universo de representações acerca do valor do amor, construído na interlocução entre telenovela e vida social, entre ficção e realidade. Com isso, o trabalho revela elementos configuradores da experiência amorosa na sociedade contemporânea e a inscrição do amor no quadro de referências que orientam a vida dos sujeitos, ou seja, no ethos.

Para proceder à reflexão, foram definidos três eixos de análise. O primeiro se refere ao quadro de referência sobre o amor; o segundo, aos discursos instaurados pelas telenovelas sobre essa temática; e o terceiro, às falas dos telespectadores sobre o amor, a partir da interpelação empreendida pelos discursos telenovelísticos. O recorte empírico da pesquisa referente ao segundo eixo é composto por três telenovelas exibidas pela Rede Globo: Sabor da Paixão (18 horas), O Beijo do Vampiro (19 horas) e Mulheres Apaixonadas (21 horas). O corpus de discursos analisados no terceiro eixo é composto por manifestações de telespectadores expressas em jornais, em revistas e em um fórum de discussão na internet.

A análise revelou que muitas tramas amorosas construídas nas telenovelas procuram estabelecer uma tipologia do amor em pares antitéticos: o amor bom e o amor ruim, o amor do herói e o amor do vilão. Entretanto, há histórias em que ocorre um deslizamento das fronteiras entre esses dois pólos opostos, configurando uma representação mais móvel acerca do amor. O trabalho mostra, ainda, que as três telenovelas promovem atualizações nessa temática secular em relação à natureza dos obstáculos a serem enfrentados pelas personagens e à própria construção do relacionamento amoroso.

A pesquisa evidenciou, também, que, na interlocução que as telenovelas estabelecem com o público, nem sempre há convergências de sentidos em relação ao amor.

Ao tematizar esse valor, os telespectadores participam de um processo de negociação simbólica, que produz tanto legitimações como deslocamentos de sentidos sobre o amor. Ao cruzar as representações que emergem a partir desses dois âmbitos de produção simbólica — a telenovela e a sociedade —, a pesquisa evidencia a força do amor em nossa sociedade e a forma como esse valor se inscreve no ethos contemporâneo.

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Abstract

The purpose of this research is to investigate the love’s treatment on some contemporary Brazilian soap operas and the way through which society produces senses about this theme, while people take a position about fictional love stories. We assume that love is a fundamental value in the constitution of human experience and also an essencial element in the construction of soap operas’ narratives. Our aim is to map out a universe of representations about love, which is built through the permanent interaction between soap operas and social life, between fiction and reality. The study, hence, points out elements that constitute the experience of love in contemporary society. By analysing soap operas, the research shows how love is entry into the cultural frames that guide the subjects’ lives, that is, into an ethos.

In order to do such analysis, three axes were defined. The first one concerns the frame of references about love; the second one refers to the soap operas’ narratives about this theme; and the third one, to the spectators’ discourses about love. Refering to the second axis, the research’s database is composed by three soap operas shown by Rede Globo: Sabor da Paixão, O Beijo do Vampiro and Mulheres Apaixonadas. The second axis’ corpus is composed by some spectators utterances, which were made public by newspapers, magazines and Internet foruns.

The study shows that several relationships constructed in soap operas tend to fit into antithetic categories: the good type of love and the bad one, the hero’s love and the villain’s one. However, there are stories in which occurs a certain glide; frontiers that usually split poles apart get mixed, enabling the emergence of another representation of love: a less fixed one. The research also shows that the three soap operas bring-up-to-date this subject, its historical narratives, obstacles and the constitution of a relatioship itself.

Finally, the study’s results suggest that there is no necessary convergence between the soap operas’ representations about love and the way people conceive this value. The public is immerse in a process of symbolic negotiation, in which legitimations and displacements about the sense of love are produced. By intersecting representations that emerge from this sources of symbolic production (society and soap operas), the research shows the strength of love in our society and how it is an importat element of contemporary ethos.

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Sumário

INTRODUÇÃO ...11

CAPÍTULO 1 — TELENOVELA E VIDA SOCIAL: A CONSTRUÇÃO DO ETHOS CONTEMPORÂNEO ...16

1.1-DA MANIPULAÇÃO À INTERAÇÃO ...27

1.2-A REALIZAÇÃO DA INTERAÇÃO: O DISCURSO E A NARRATIVA FICCIONAIS ...35

1.3-FICÇÃO E REALIDADE: A CONSTRUÇÃO DO CONTEXTO SOCIAL ...40

1.4-A APREENSÃO DO DISCURSO: UM PROCESSO DE PRODUÇÃO DE SENTIDOS ...58

CAPÍTULO 2 — O AMOR COMO UM VALOR ...71

2.1-UMA TEMÁTICA SECULAR: ALGUMAS CONCEPÇÕES ...75

2.2-HISTÓRIAS DE AMOR ...81

2.3-O AMOR NA CONTEMPORANEIDADE ...85

2.4-O AMOR NA CULTURA DE MASSA: O CASO DA TELENOVELA ...92

CAPÍTULO 3 — O PERCURSO METODOLÓGICO ...97

3.1-PRIMEIRO EIXO: O QUADRO DE REFERÊNCIA SOBRE O AMOR ...98

3.2-SEGUNDO EIXO: OS DISCURSOS DAS TELENOVELAS ...100

3.3-TERCEIRO EIXO: AS LEITURAS DOS TELESPECTADORES ...104

CAPÍTULO 4 — REPRESENTAÇÕES DO AMOR NAS TELENOVELAS: A CONFIGURAÇÃO DE SENTIDOS ATRAVÉS DA FICÇÃO ...109

4.1SABOR DA PAIXÃO ...109

4.1.1 – Enredo e personagens ...109

4.1.2 – Diana e Alexandre: a concretização do amor romântico...110

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4.2OBEIJO DO VAMPIRO ...119

4.2.1 – Enredo e personagens ...119

4.2.2 – A trajetória de Lívia e sua luta por amor ...121

4.3MULHERES APAIXONADAS ...133

4.3.1 – Enredo e personagens ...133

4.3.2 – Helena, Téo e César: a realização do amor confluente ...135

4.3.3 – Heloísa e Sérgio: o amor destrutivo ...144

4.3.4 – Raquel, Marcos e Fred: do amor destrutivo ao amor romântico ...152

CAPÍTULO 5 — ALGUNS SENTIDOS SOBRE O AMOR A PARTIR DA VIDA SOCIAL: A EXPERIÊNCIA DOS SUJEITOS ...162

5.1-LENDO O AMOR NAS TELENOVELAS: O POSICIONAMENTO DOS TELESPECTADORES ...163

5.1.1- A tematização do amor: a força e os fundamentos desse valor ...163

5.1.2- Rompendo as barreiras da ficção ...178

5.1.3- A articulação com a experiência e a tessitura de narrativas individuais ...184

5.1.4- A leitura sobre os homens ...186

5.1.5- O julgamento de atitudes e valores ...189

CONCLUSÃO ...199

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...210

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Introdução

O amor é um valor muito importante na vida das pessoas e um elemento indispensável na construção das telenovelas brasileiras. A proposta desta pesquisa é analisar o tratamento conferido a essa temática em algumas telenovelas contemporâneas e a forma como os telespectadores produzem sentidos sobre a mesma, ao serem incitados pelas histórias de amor apresentadas pelas narrativas ficcionais. O objetivo é evidenciar algumas representações do amor que emergem a partir do diálogo que se estabelece entre ficção e realidade, entre telenovela e vida social. A análise permite revelar alguns traços que compõem a experiência do amor na sociedade brasileira, bem como sua inscrição no quadro de valores que a constitui.

A pesquisa parte do pressuposto que, em um contexto de crescente centralidade da mídia em todas as esferas da realidade social, é inegável o papel de seus produtos na constituição do universo de referências que orienta a ação humana. Há um constante diálogo entre as narrativas das formas simbólicas veiculadas pelos meios de comunicação e as narrativas cotidianas, e é nesse movimento dinâmico e interdependente de produção de sentidos que se constrói todo o ambiente cultural da sociedade. Dentre os valores que edificam esse universo simbólico, o amor ocupa um lugar central, sendo freqüentemente associado à felicidade e à realização plena do sentido da vida dos sujeitos — tanto nos discursos midiáticos como nos da experiência vivida cotidianamente.

Outro ponto de partida para a análise aqui proposta é a importância da telenovela na cultura brasileira. Esse bem simbólico ocupa grande parte da programação televisiva nacional, é visto por milhões de pessoas diariamente, consolidou-se como um hábito de muitos telespectadores e como um fundamental produto de exportação. Como outras formas simbólicas que constituem a cultura da mídia, a telenovela “ajuda a modelar a visão prevalecente de mundo e os valores mais profundos: define o que é considerado bom ou mau, positivo ou negativo, moral ou imoral” (Kellner, 2001: 9). Nesse sentido, esse gênero

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ficcional colabora na construção de referências que compõem o ethos de nossa sociedade, sendo o amor um dos valores estruturadores das narrativas telenovelísticas.

Existem muitos tipos de manifestação do amor: amor ao amante, amor à família, amor à mãe e amor ao pai, “amor a Deus e amor à pátria, amor cristão ao próximo e amor entre homem e mulher, amor por um amigo ou amor prático-racional ao ideal humanitário”

(Simmel, 1993: 120). Entretanto, neste trabalho, a análise incide sobre um tipo específico de amor: o “amor entre homem e mulher” ou entre um casal.1 Ou seja, o eixo da investigação volta-se para o vínculo amoroso estabelecido entre um homem e uma mulher, que implica afinidade de almas e atração recíproca (Giddens, 1993; Morin, 1997a).

Para proceder à análise, foram selecionadas três telenovelas contemporâneas, construídas por diferentes autores e exibidas pela Rede Globo em horários distintos: Sabor da Paixão (18 horas), O Beijo do Vampiro (19 horas) e Mulheres Apaixonadas (21 horas). A pesquisa parte da premissa de que as três novelas podem apresentar semelhanças e diferenças na forma de tratar a temática do amor. Essas narrativas podem construir representações em que há uma divisão binária do amor em pólos opostos — o bom e o mau, o certo e o errado — ou podem apresentar uma natureza mais móvel e ambígua, que permita a diluição das fronteiras para além das tipificações maniqueístas do amor.

As leituras realizadas pelos telespectadores foram apreendidas a partir de uma coleta diversificada, que envolve cartas publicadas em jornais e revistas e manifestações expressas em um fórum de discussão na internet, situado na Globo.com. Os discursos construídos pelas telenovelas convocam o público a se posicionar em relação a ações, valores e posições de sujeito ali apresentados. Os telespectadores utilizam as tramas das novelas como referências para se situar em relação a diferentes temas, como o amor.

1 Na análise das manifestações dos telespectadores sobre as histórias de amor apresentadas pelas telenovelas, há referência a uma relação homossexual entre duas adolescentes construída em uma das narrativas estudadas.

Entretanto, o foco da pesquisa não é discutir as especificidades desse tipo de relacionamento, o qual foi tratado e entendido como uma história de amor, assim como as relações heterossexuais aqui analisadas.

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A partir da interlocução entre os discursos das telenovelas e as falas do público, é possível evidenciar a forma como o amor é vivenciado na sociedade contemporânea. Nesse diálogo entre telenovela e sociedade, há todo um processo de negociação simbólica em que representações e valores podem ser cristalizados ou deslocados para outros universos de sentidos. Ou seja, há tanto convergências como divergências nas formas de perceber e viver o amor que emergem a partir desses dois âmbitos de produção simbólica. O trabalho está dividido em cinco capítulos, conforme será exposto a seguir.

O primeiro capítulo evidencia a perspectiva relacional que norteia esta investigação, ao trabalhar a telenovela como um fenômeno que instaura uma interação comunicativa. Evidencia, ainda, algumas relações entre telenovela e vida social, bem como o papel dos discursos e das representações produzidos nesses dois universos na construção da cultura e do ethos contemporâneos. Há uma reflexão sobre o processo de produção dos bens simbólicos na sociedade industrial, a partir da recuperação de perspectivas que se dedicam à análise da indústria cultural e da cultura de massa, a fim de caracterizar a dinâmica de produção da telenovela brasileira. Além disso, faz-se uma recuperação dos antecedentes e do histórico da telenovela no Brasil, a fim de demarcar as características desse gênero ficcional na contemporaneidade.

Ao trazer o diálogo entre ficção e realidade como uma marca da telenovela nacional, esse capítulo inicial discute a forma como os universos real e ficcional são constituídos, bem como a natureza das representações que permeiam essa relação. Apresenta, também, algumas instâncias em que é possível identificar essa imbricação entre ficção e realidade nas novelas e a forma como essa interlocução vem sendo estudada por pesquisadores brasileiros. Por fim, além de atentar para o discurso e a narrativa da telenovela, esse capítulo resgata o papel dos sujeitos na apreensão e interpretação dos sentidos por ela

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instaurados, evidenciando a circularidade que marca a telenovela como um fenômeno comunicativo.

O segundo capítulo discute a temática específica investigada na relação entre telenovela e vida social: o amor. Algumas definições são destacadas, visando a mostrar a forma como o amor é entendido neste trabalho: como um valor fundamental na constituição da experiência dos sujeitos e na edificação do ethos contemporâneo. Neste momento, concepções do amor — de Platão a pesquisadores contemporâneos — e narrativas ficcionais

— como as histórias de Tristão e Isolda e Romeu e Julieta — construídas ao longo dos séculos são recuperadas, a fim de apontar características presentes nas perspectivas e experiências contemporâneas do amor.

Depois dessa recuperação histórica, são apresentadas algumas mudanças que vêm ocorrendo nas últimas décadas — como a emancipação feminina — que acarretaram modificações na natureza do casamento e da sexualidade. Essas transformações trouxeram novos tipos de relação amorosa na realidade social, os quais convivem com formas de relacionamento mais tradicionais. Por fim, o capítulo traz uma discussão sobre o modo como o amor é tratado na cultura de massa, particularmente, na telenovela brasileira.

O terceiro capítulo apresenta as escolhas metodológicas da pesquisa, indicando os eixos de análise que procuram dar conta da telenovela como um processo comunicativo, ou seja, das várias dimensões presentes na configuração do objeto: 1) o contexto ou o quadro de referência sobre o amor; 2) os discursos das telenovelas; e 3) as leituras dos telespectadores.

No primeiro eixo, são definidas algumas categorias de análise que auxiliam na apreensão e compreensão dos discursos sobre o amor instaurados no segundo e no terceiro eixos da investigação. Nesses dois últimos eixos, são apresentados o corpus da pesquisa, a ficha técnica das três telenovelas, a identificação dos casais a serem analisados, bem como um roteiro de observação a ser seguido em cada eixo.

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O quarto capítulo traz a análise das representações do amor que emergem com as três telenovelas, a partir dos indicadores analíticos definidos no capítulo anterior. A análise dos discursos de Sabor da Paixão, O Beijo do Vampiro e Mulheres Apaixonadas permitiu avaliar a natureza das representações do amor que emergem em cada narrativa: se elas são mais fixas ou mais móveis na configuração de sentidos sobre a temática estudada. Além disso, permitiu perceber a reiteração e a renovação de elementos que podem ocorrer na atualização do amor empreendida por essas telenovelas.

No quinto capítulo, é feita a análise de um conjunto de leituras realizadas pelos telespectadores acerca de histórias de amor apresentadas pelas novelas. A reflexão, nesse eixo, mostra como o público tematiza esse valor, posiciona-se frente aos relacionamentos amorosos ficcionais, manifestando a forma como gostaria de vivenciar o amor em sua experiência concreta. Essas representações do amor que emergem a partir das falas da sociedade são relacionadas com os sentidos sobre essa temática instaurados pelas telenovelas, no capítulo conclusivo deste trabalho.

O cruzamento dos resultados da investigação permite revelar aspectos acerca da forma como o amor é vivenciado na sociedade brasileira contemporânea. Permite perceber as semelhanças e as diferenças, as convergências e as divergências em relação a esse valor que se processam dentro da própria estrutura midiática, ao analisar a natureza das representações que uma telenovela constrói, comparando-a com as outras narrativas. Além disso, esses embates de sentido sobre o amor são captados na relação que as telenovelas estabelecem com a sociedade, ou seja, no diálogo entre ficção e realidade, entre telenovela e vida social. Assim, ao realizar essa interlocução entre as representações instauradas por esse dois âmbitos de produção de sentidos, é possível apreender a negociação simbólica acerca do amor que ocorre na configuração e na atualização do ethos contemporâneo.

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Capítulo 1 — Telenovela e vida social: a construção do ethos contemporâneo

“as ‘realidades’ e as ‘fantasias’ só podem tomar forma através da escrita, na qual exterioridade e interioridade, mundo e ego, experiência e fantasia aparecem compostos pela mesma matéria verbal”.

Italo Calvino

A vida social está em constante processo de construção e reconstrução. Ela não é algo dado e pré-estabelecido oferecido aos sujeitos, mas é permanentemente constituída e transformada pela ação e interação destes no mundo. É a experiência humana que funda a realidade social, constituindo discursivamente o universo de valores, referências, normas e regras que orientam a vida dos indivíduos. É fundamental compreender esse processo para melhor delinear a relação entre telenovela e vida social.

O processo de “construção social da realidade” (Berger; Luckmann, 2000) é realizado por sujeitos em constante interação e comunicação com outros. É nesse espaço de ação conjunta que eles constróem suas experiências e o próprio mundo. Dessa forma, a experiência deve ser entendida não apenas como um estar vivo no mundo, mas como um (inter)agir — do homem com o mundo, com os outros e consigo mesmo. Significa um trabalho de apreensão e leitura da realidade, que ocorre em duas dimensões: uma dimensão sensível — apreensão pela percepção — e uma dimensão simbólica — apreensão pelos sentidos construídos. Esse trabalho é realizado no espaço de ação e intervenção dos homens, nesse mundo partilhado intersubjetivamente, na realidade da vida cotidiana.

Essa construção da vida social é efetivada através da linguagem. Esta é a

“mediação fundamental” para a realização do homem com os outros no mundo (Herrero, 1982: 77). Conforme França, a linguagem se refere

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ao conteúdo expresso sob uma certa forma. Na linguagem, vamos alcançar, através dos atos de discurso, a produção de uma materialidade simbólica, o movimento de investimento do sentido, ato voluntário e humano de produção de símbolos, articulação e troca de palavras (França, V., 1998: 47).

É a linguagem que marca o ser do homem em sociedade. Através dela, o indivíduo pode acessar a subjetividade do outro e tornar acessível sua própria subjetividade.2 Como afirma Adriano Rodrigues, “é na e pela linguagem que a experiência se constitui, se revela ou se desvenda o sentido que a enforma” (Rodrigues, 1990: 32). A linguagem tem, portanto, um papel constituidor da experiência humana.

No decorrer desse processo de construção das experiências e da realidade social, a própria cultura vai sendo constituída. Esta pode ser entendida como “um corpo complexo de normas, símbolos, mitos e imagens que penetram o indivíduo em sua intimidade, estruturam os instintos, orientam as emoções” (Morin, 1997a: 15). Refere-se a um universo simbólico em permanente construção, que penetra nos homens, estrutura e orienta suas ações no mundo; ou seja, a cultura está intimamente relacionada à vida prática, à existência concreta dos homens.

A cultura, portanto, é constituída pela produção de sentidos instaurada tanto por textos e representações mais amplos quanto pelos sujeitos em suas práticas cotidianas.

O ambiente cultural de uma sociedade, marcado pela fluidez e pelos pluralismos, é permeado por valores, referências e costumes que norteiam a vida dos sujeitos. Esse universo de sentidos constituidor da cultura está situado em um espaço determinado, disposto para a ação e a realização humanas — no ethos. A palavra ethos vem do grego e refere-se a habitar, designando tanto a própria morada como as condições, as normas e os modos de atuação rotineiros dos sujeitos nesse lugar específico (Sodré, 2001: 153-154). Como aponta

2 A subjetividade é aqui entendida, a partir de Woodward, como “a compreensão que temos sobre o nosso eu. O termo envolve os pensamentos e as emoções conscientes e inconscientes que constituem nossas concepções sobre ‘quem nós somos’. A subjetividade envolve nossos sentimentos e pensamentos mais pessoais. Entretanto, nós vivemos nossa subjetividade em um contexto social no qual a linguagem e a cultura dão significado à experiência que temos de nós mesmos e no qual nós adotamos uma identidade” (Woodward, 2000: 55).

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Sodré, o ethos compreende costumes, hábitos, regras e valores que constituem e regulam o sentido comum em uma sociedade.

A partir disso, é possível afirmar que o ethos das sociedades contemporâneas é constituído por um conjunto de valores, normas, referências, modos de atuar, hábitos, que orientam a ação dos sujeitos. Esse universo não é estável e fixo; ele é constantemente modificado e atualizado a partir de aproximações e afastamentos, reconhecimentos e estranhamentos no quadro mais amplo de valores que o constitui. Afinal,

[...] não há ethos sem um ambiente cognitivo que o dinamize, sem uma unidade dinâmica de identificações de grupo, que é seu modo de relação com a singularidade própria, isto é, a cultura: aí atuam as formas simbólicas que historicamente orientam o conhecimento, a sensibilidade e as ações dos indivíduos (Sodré, 2001: 154, tradução nossa).3

Dessa forma, as referências que compõem o ethos contemporâneo orientam a ação humana, que, por sua vez, atualiza as referências existentes em um movimento dinâmico, que configura novos valores e regras e provoca deslocamentos. É importante ressaltar aqui a distinção entre o universo dos valores e o das regras, isto é, o domínio ético e o domínio moral em uma sociedade. Segundo Adriano Rodrigues (1994), o domínio ético diz respeito ao sistema de valores que permeia a sociedade e suas instituições e tem a ver com o processo gerador da sociabilidade, com a institucionalização da vida em comum, sendo anterior às formas contratuais estabelecidas, explícita ou implicitamente, entre os interlocutores. O domínio moral, ainda conforme Rodrigues, resulta dos contratos estabelecidos entre os sujeitos, cristalizando-se no sistema normativo e legal que orienta os discursos, os comportamentos e as ações dos interlocutores (Rodrigues, 1994: 77).4

3 “[...] no hay ethos sin un ambiente cognitivo que lo dinamice, sin una unidad dinámica de identificaciones de grupo, que es su modo de relación con la singularidad propia, esto es, la cultura; ahí actúan las formas simbólicas que históricamente orientan el conocimiento, la sensibilidad y las acciones de los individuos”.

4 Neste trabalho, o interesse central é o universo de valores — especificamente, o amor — que constitui a sociedade e, portanto, refere-se, primordialmente, ao domínio ético que a constitui.

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Nesse movimento constituidor dos domínios ético e moral ou do ambiente cultural de uma sociedade, o papel dos discursos é fundamental, pois é na prática discursiva que os valores e as referências ganham existência sensível. O discurso pode ser entendido como uma materialidade simbólica produzida no espaço da interlocução entre os sujeitos e inscrita em contextos; é a linguagem colocada em ação pelos interlocutores.5 Os discursos são produtos de — e sempre se dirigem a — interlocutores; eles não existem em si, mas ganham existência material no ato da enunciação.

Esta se refere ao “produto da interação de dois indivíduos socialmente organizados e, mesmo que não haja um interlocutor real, este pode ser substituído pelo representante médio do grupo social ao qual pertence o locutor. A palavra dirige-se a um interlocutor” (Bakhtin, 1992: 112, grifo do autor). A enunciação, portanto, está ligada a essa dinâmica de interação estabelecida entre os sujeitos. Como sustenta Bakhtin, a enunciação não é um fato individual, mas sim um produto da interação social.6 Os discursos são construídos e transformados continuamente na relação entre os homens.

Os enunciados construídos nas interações entre os sujeitos sociais trazem as marcas dos valores e das referências que perpassam a sociedade em que estão inscritos.

Afinal, o ato de enunciação “é sempre pressuposto no produto que dele resulta, o enunciado, ou seja, a enunciação nunca é explicitada, mas deixa no enunciado as suas marcas” (Balogh, 2002: 70). Ao mesmo tempo em que utilizam o universo simbólico existente, os indivíduos

5 Essa perspectiva de entendimento do discurso como linguagem em ação é sustentada pela Análise do Discurso.

Segundo essa abordagem, o discurso é um jogo de comunicação em que se deve “levar em conta simultaneamente um espaço externo e um espaço interno de construção do sentido — o que nos leva às dimensões situacional e lingüística da significação discursiva” (Charaudeau, 1996: 8). Ou seja, é preciso atentar tanto para a dimensão interna do texto quanto para toda situação interlocutiva que o instaura (Cf. Pinto, 1999;

Spink, 2000; Gill, 2003).

6 Bakhtin enfatiza a interação verbal na constituição da própria língua: “a verdadeira substância da língua não é constituída por um sistema abstrato de formas lingüísticas nem pela enunciação monológica isolada, nem pelo ato psicofisiológico de sua produção, mas pelo fenômeno social da interação verbal, realizada através da enunciação ou das enunciações. A interação verbal constitui assim a realidade fundamental da língua” (Bakhtin, 1992: 123, grifo do autor).

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renovam e atualizam-no, a partir do contexto social e da situação interlocutiva que se delineia no ato da enunciação.

Assim, os diversos discursos produzidos em uma cultura — tanto os construídos pelo sujeitos nas práticas vividas cotidianas quanto os produzidos pela mídia — trazem as marcas da sociedade e do contexto em que estão inscritos e ajudam a configurar e reconfigurar o universo cultural, o ethos dessa mesma sociedade. É preciso compreender melhor esse diálogo que se estabelece entre cultura e sociedade, a fim de elucidar tanto a natureza dos discursos e os sentidos por eles instaurados quanto os elementos e as características que constituem o contexto social em que se inscrevem: “[...] situar os textos culturais em seu contexto social implica traçar as articulações pelas quais as sociedades produzem cultura e o modo como a cultura, por sua vez, conforma a sociedade por meio de sua influência sobre indivíduos e grupos” (Kellner, 2001: 39).

A análise e a interpretação dos discursos que permeiam e constróem a realidade social podem ajudar a apreender a estrutura e a dinâmica de uma sociedade, bem como os valores e as referências que a atravessam. As diferentes formas simbólicas7 devem ser estudadas “em relação a contextos e processos historicamente específicos e socialmente estruturados dentro dos quais, e por meio dos quais, essas formas simbólicas são produzidas, transmitidas e recebidas” (Thompson, 1999: 181). A partir disso, é possível elucidar não apenas aspectos estruturais internos dos fenômenos culturais, mas também características significativas da própria vida social. Isso significa que a compreensão dos diferentes bens simbólicos que edificam uma cultura

pode ajudar-nos a entender nossa sociedade contemporânea. Ou seja, entender o porquê da popularidade de certas produções pode elucidar o meio social em que elas nascem e circulam, podendo, portanto, levar-nos a perceber o que está acontecendo nas sociedades e nas culturas contemporâneas (Kellner, 2001: 14).

7 A expressão formas simbólicas é utilizada por Thompson em um sentido geral para se referir “a uma ampla variedade de fenômenos significativos, desde ações, gestos e rituais até manifestações verbais, textos, programas de televisão e obras de arte” (Thompson, 1999: 183).

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Em todo esse movimento dinâmico e circular — de construção das experiências, da realidade social, dos discursos, dos valores, das referências, das formas simbólicas, da cultura, do ethos —, a mídia ocupa um lugar de destaque. Segundo Adriano Rodrigues, os media ou os dispositivos midiáticos são “constitutivos dos quadros éticos da experiência, formando o horizonte do sentido das diferentes esferas da experiência moderna, constituindo o sistema de valores que tornam pertinentes os discursos e as acções” (Rodrigues, 1994: 79).

Assim, os meios de comunicação configuram-se como um importante espaço de constituição de um universo de representações que aponta para a sociedade em que estão inscritos. As imagens, os sons e os espetáculos veiculados pela cultura da mídia8 colaboram na construção do “tecido da vida cotidiana, dominando o tempo de lazer, modelando opiniões políticas e comportamentos sociais e fornecendo o material com que as pessoas forjam sua identidade” (Kellner, 2001: 9).

A mídia disponibiliza diferentes materiais simbólicos, discutindo assuntos e preocupações da sociedade em que está inscrita, oferecendo modelos de identificação, padrões de comportamento e hierarquias de valores, que são apropriados e incorporados pelos sujeitos no decorrer dos processos de leitura dos diversos produtos. É preciso reconhecer que a cultura da mídia colabora na conformação de visões de mundo, de opiniões, de valores e comportamentos, ressaltando que sua contribuição se cruza com a subjetividade e a inscrição sócio-cultural dos sujeitos no processo de conformação.

O reconhecimento desse papel da mídia na configuração do ethos contemporâneo sinaliza para o fato de que a investigação sobre os produtos culturais de uma sociedade pode

8 Douglas Kellner utiliza essa expressão para designar os bens simbólicos produzidos pelos meios de comunicação: “a expressão ‘cultura da mídia’ tem a vantagem de designar tanto a natureza quanto a forma das produções da indústria cultural (ou seja, a cultura) e seu modo de produção e distribuição (ou seja, tecnologias e indústrias da mídia). Com isso, evitam-se termos ideológicos como ‘cultura de massa’ e ‘cultura popular’ e se chama a atenção para o circuito de produção, distribuição e recepção por meio do qual a cultura da mídia é produzida, distribuída e consumida. Essa expressão derruba as barreiras artificiais entre os campos dos estudos de cultura, mídia e comunicações e chama a atenção para a interconexão entre cultura e meios de comunicações na constituição da cultura da mídia, desfazendo assim distinções reificadas entre ‘cultura’ e ‘comunicação’”

(Kellner, 2001: 52).

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ajudar a desvendar e a evidenciar os valores e as referências que a compõem. Ou seja, os bens culturais podem ser lidos “como contexto social a nos dizer algumas coisas sobre a sociedade contemporânea” (Kellner, 2001: 307) — sociedade esta em que os meios eletrônicos, principalmente a televisão, ocupam um lugar fundamental em sua própria constituição social.

Recuperando discussão empreendida por Stuart Hall, Mauro Porto aponta que

nas sociedades contemporâneas, caracterizadas pelo desenvolvimento de uma poderosa indústria cultural, os mídia eletrônicos — particularmente a TV — tornaram-se os agentes principais na construção do consenso e disseminação de representações sobre a realidade. As formas pelas quais a realidade é representada nos mídia desempenham um papel constitutivo na vida política e social e não são meros reflexos “a posteriori” dos eventos, em um processo dinâmico estabelecido através de “Cenários de Representação”

(Porto, 1995: 59).

A televisão é, portanto, um meio de comunicação de massa fundamental para evidenciar o diálogo e o cruzamento entre a sociedade e a cultura. Veículo privilegiado para a informação e o divertimento do grande público, a TV pode ser vista como um elemento que contribui para a integração nacional, a constituição do laço social e da identidade nacional (Wolton, 1996: 19). A televisão exibe hábitos e valores que perpassam a sociedade, mas, ao mesmo tempo, “mostra e analisa os hábitos e costumes que está ajudando a desfazer, transformar e criar” (Pignatari, 1984: 60). Esse meio de comunicação não apenas reproduz costumes e valores da sociedade, mas também colabora na reconfiguração desse universo simbólico que constitui a realidade social. Como aponta Maria Carmem Romano, a televisão

“tem sido uma das mais importantes referências de valores e hábitos ‘modernos’ para os telespectadores” (Romano, 1998: 79).

No Brasil, desde a sua instalação em 1950, a televisão desenvolve-se em ritmo acelerado, valendo-se de algumas características que foram seduzindo e conquistando o público: ela oferece uma distração prática e econômica, sem que o espectador precise se locomover; utiliza linguagem oral, mais coloquial; é marcada pela instantaneidade e pela

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velocidade de transmissão das mensagens; e apresenta a possibilidade de colocar em contato regiões distantes e culturas diversas.

A partir da penetração massiva e da aceitação do público, a televisão torna-se um elemento constituinte do cotidiano e importante fornecedora de informação e entretenimento.

Dentre os vários formatos de ficção seriada9 da programação televisiva nacional, um deles tornou-se um dos principais produtos da cultura brasileira: a telenovela.10

A primeira história parcelada na televisão brasileira foi exibida em 1951: Sua vida me pertence (TV Tupi-SP),11 palco para a realização do primeiro beijo na TV nacional, gerando “protestos de todos os tipos contra a imoralidade que ameaçava os lares do país”

(Alencar, 2002: 19). As décadas de 50 e 60 foram marcadas pelos teleteatros, apresentados ao vivo, até a estréia da telenovela diária, em 1963: 25 499 Ocupado (TV-Excelsior-SP).12 O diretor artístico da TV Excelsior, Edson Leite, trouxe o original da Argentina, adaptando-o para a exibição diária, a fim de criar o hábito entre os brasileiros. O programa não obteve muita repercussão, pois, na mesma emissora, o sucesso era para filmes importados dos Estados Unidos. Conforme Ismael Fernandes, os homens dessa época ainda não sabiam, mas

“estavam lançando a maior produção de arte popular da nossa televisão” (Fernandes, 1994:

35). Isso porque, da década de 60 em diante, a telenovela se cristaliza como gênero13 de

9 Os formatos que compõem a ficção televisiva seriada são: a telenovela, a série, a minissérie, o seriado, a soap opera e o sitcom (Malcher, 2003: 22).

10 Segundo Mauro Alencar, “a palavra ‘novela’ deriva do italiano novella, da forma latina novella, de novellus, novella, novellum, adjetivo diminutivo derivado de novus, nova, novum. Em Dramaturgia de televisão, Renata Pallottini, esclarece: ‘Do sentido de novo a palavra derivou para o de enredado. Substantivando-se e adquirindo denotação especial, durante a Idade Média, acabou significando enredo, entrecho, vindo daí narrativa enovelada, trançada’” (Alencar, 2002: 44, grifo dos autores).

11 Novela de Walter Forster, escrita, produzida, dirigida e interpretada pelo mesmo.

12 Novela de Dulce Santucci, baseada em original de Alberto Migré, escrita e dirigida por Tito Di Míglio.

13 Martín-Barbero trabalha o conceito de gênero como uma estratégia de comunicabilidade; não como algo que ocorre no texto, mas pelo texto. Ou seja, o gênero é uma estratégia de interação que ativa competências comunicativas tanto nos emissores como nos destinatários (Martín-Barbero, 2001: 314). É possível dizer que a telenovela é um gênero híbrido, que incorpora vários outros gêneros em sua constituição, ou seja, várias

“matrizes culturais populares e tradicionais que se perpetuam no presente como partes integrantes da cultura de massa e da indústria cultural” (Borelli, 1995: 76). Essa constituição da telenovela como um gênero ficcional, a partir de outras matrizes, será discutida ainda neste capítulo.

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sucesso nacional — sendo O direito de nascer (TV-Tupi)14 um marco do boom do gênero telenovelístico, entre o fim de 1964 e 1965.

Nesse período de estabelecimento da telenovela na programação nacional, os textos — principalmente escritos pela cubana Glória Magadan — apresentavam temáticas distantes da realidade e da cultura nacionais: castelos, príncipes, condes e duquesas invadiam os lares brasileiros. A renovação do gênero começa em 1968, com o lançamento de Beto Rockefeller (TV-Tupi),15 quando se inicia o processo de “cotidianização da narrativa”

(Pignatari, 1984: 61, grifo do autor).16 A direção de atores passa a ser mais livre e solta, e o texto rompe com os diálogos formais, propondo uma narrativa de cunho coloquial, repleta de gírias e expressões populares, características da linguagem cotidiana.

Desde Beto Rockfeller, a novela não deixou de referir-se a determinados problemas da sociedade brasileira [...]. Não cessou de aceitar o desafio que um determinado realismo representa para um gênero originalmente voltado para a vida sentimental e os triângulos amorosos (Mattelart; Mattelart, 1989:

111).

Com as modificações empreendidas a partir de então, delineava-se a nova telenovela especificamente brasileira, que passa a trazer, para a realidade ficcional, aspectos e problemas que permeiam a vida social concreta dos brasileiros. Ao longo da década de 70, a Rede Globo, fundada em 1965, passa a assumir a liderança da audiência, tornando-se a “peça mestra do audiovisual brasileiro” (Wolton, 1996: 161). Assume, também, o quase monopólio da produção de telenovelas, inaugurando “uma década de novelas-verdade que se legitimaram, acima de tudo, pelos temas políticos e de realidade que abordaram” (Borelli, 2000: 130, grifo da autora). É desse período a criação da Central Globo de Produção, que irá garantir maior qualidade técnica aos produtos da emissora — o chamado “padrão Globo de qualidade”.

14 Novela de Félix Caignet, adaptada do original cubano para a TV brasileira por Teixeira Filho e Talma de Oliveira.

15 Novela de Bráulio Pedroso, dirigida por Lima Duarte.

16 Segundo Pignatari, com esse processo, passa a existir “um mundo de ficção ‘real’ paralelo ao nosso e ao qual temos acesso em horas marcadas, através do buraco negro ou multicor do vídeo” (Pignatari, 1984: 61-62).

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Em 1980, com o fim da TV-Tupi — única emissora a estabelecer alguma concorrência para a Globo na produção de telenovelas na década anterior —, a Rede Globo firma-se como líder de audiência e de excelência técnica na teledramaturgia. Ainda que a telenovela tenha começado a ser exportada em 1973, com O Bem Amado (Dias Gomes, 1973, 22h), é na década de 80 que ela se consolida como produto de exportação, com o lançamento de Escrava Isaura (Gilberto Braga, 1976-77, 18h), nos Estados Unidos. Com a abertura política e o fim da censura, os autores têm mais liberdade para tratar de temas polêmicos, dando continuidade ao tratamento da realidade brasileira iniciado no fim da década de 60.

Ao longo da década de 90 e na atualidade, as temáticas sociais, culturais e políticas da realidade nacional são cada vez mais abordadas pelas telenovelas. Assim como os demais produtos da cultura da mídia, a telenovela brasileira ajuda a evidenciar os valores que constróem a sociedade contemporânea. Através da inscrição desses valores nas ações e nas falas das personagens, a telenovela não apenas os reproduz, mas configura um movimento que constantemente atualiza o ethos nacional contemporâneo.

Esse gênero ficcional ocupa, assim, um importante lugar na cultura e na sociedade brasileiras. Ele constrói um cotidiano na tela em estreita relação com a realidade social em que se situa, trazendo para a construção das personagens as preocupações, os valores e as temáticas que perpassam o cotidiano dos telespectadores. “A telenovela é um universo onde circulam, reelaborados, a partir das normas da ficção, aquilo que está acontecendo na sociedade, os problemas, os valores [...]” (Baccega, 1998: 9). É da própria vida social que emergem os temas a serem debatidos e atualizados nas obras ficcionais, configurando um movimento circular entre a telenovela e a sociedade.

Assim, a telenovela instaura uma interação que coloca em relação todos os elementos que a configuram: os discursos que emergem com a narrativa telenovelística, os

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sujeitos que os constróem — autores, diretores, enfim, os realizadores17 — e os indivíduos que a apreendem — os telespectadores. É importante ressaltar que todo esse processo ocorre em um contexto: a realidade social brasileira. A partir dele, emergem os temas a serem trabalhados na ficção, que, por sua vez, retornam para a vida social. É nesse movimento entre telenovela e sociedade que os sentidos são produzidos, no decorrer da edificação das interações comunicativas (França, V., 1998) ou interações comunicacionais (Braga, 2001).

O conceito de interações comunicativas ou interações comunicacionais é útil para pensar todo o processo de produção de sentidos instaurado pelas telenovelas. As interações comunicacionais remetem aos “processos simbólicos e práticos que, organizando trocas entre os seres humanos, viabilizam as diversas ações e objetivos em que se vêem engajados [...] e toda e qualquer atuação que solicita co-participação” (Braga, 2001: 17-18). A expressão traz a comunicação como “uma complexa rede relacional empreendida por seus elementos componentes — as relações e dinâmicas estabelecidas pelos interlocutores entre si, com mensagem, com a situação” (França, V., 1998: 46). É dessa maneira que os diversos elementos se cruzam na constituição da telenovela como um fenômeno comunicativo.

É possível resgatar, como fazem alguns autores,18 a metáfora da rede para caracterizar a telenovela como um processo comunicativo complexo e global. A idéia da rede diz respeito a vários nós ou elos de uma cadeia que se entrecruzam e correspondem às diferentes instâncias de um processo comunicativo. Segundo França,

tomada como rede, ou teia complexa, percebemos inicialmente que a comunicação não tem limites definidos (a delimitação de uma situação é uma operação do pensamento) e deve sempre ser buscada na pluralidade de seus elementos e injunções; que suas variações refletem a dinâmica dos posicionamentos (França, 2002e: 71).

17 A expressão realizadores é utilizada aqui para se referir a todos os “profissionais envolvidos na elaboração da telenovela — do produtor ao câmera-man. A telenovela decorre de uma realização coletiva, todavia, o processo é orquestrado, conduzido pelo diretor-geral e pelo escritor, sendo supervisionado pelo produtor e coordenador de núcleo, no caso da TV Globo. A existência da autoria é considerada neste campo, sendo para muitos uma função exercida pelo escritor da obra” (Souza, 2003a: 4).

18 França, 2002b; Serres, s/d apud França, 2002b; Elias, 1994.

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A comunicação é um tecido móvel, constituído por vários elementos, que, ao se posicionarem na construção da rede, também se reconfiguram. Mas, se não podemos tomar os elementos como entidades autônomas, também não podemos pensar a rede dessa forma.

Como alerta França, não se deve “tomar a rede como algo em si [...], mas como o viés adequado para apreender a dinâmica relacional que marca os processos comunicativos (os processos de produção e troca de sentidos)” (França, 2002e: 72). É preciso buscar captar as relações que se estabelecem tanto nas dimensões mais internas do objeto, quanto em sua relação com a rede social mais ampla, entendendo cada objeto “como um elo, um nó, um vértice, atravessado por vários caminhos, na grande rede do social” (França, 2002e: 72).

A metáfora da rede ajuda a enfatizar a circularidade, a complexidade e a globalidade que constituem a telenovela como um processo comunicativo, assim como a estreita relação entre telenovela e vida social. A telenovela pode ser entendida como um dos nós que tece a realidade social, construindo, evidenciando, reconfigurando e atualizando valores que perpassam a sociedade e a vida dos indivíduos, edificando, assim o ethos contemporâneo.

1. 1 - Da manipulação à interação

A complexidade da telenovela como um processo comunicativo e sua importância na sociedade e na cultura nacionais foram negligenciadas durante muito tempo pela academia.

Como aponta Borelli, havia “um certo preconceito acadêmico em relação à telenovela”

(Borelli, 2001: 2, grifo da autora), de modo que esta era considerada um “objeto menor”, indigno de suscitar pesquisas e reflexões. Uma das razões que explica essa negligência com relação ao lugar ocupado pela telenovela no campo cultural brasileiro é a filiação dos pesquisadores à tradição frankfurtiana.

A Escola de Frankfurt é uma corrente de cunho filosófico que desenvolveu importantes reflexões acerca do desenvolvimento da cultura na sociedade capitalista, na

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segunda metade do século XX. Segundo os expoentes da Teoria Crítica, a racionalização e o desenvolvimento industriais atendem a um projeto de dominação e, ao invés de trazer liberdade e transcendência para os homens, subjugam-nos aos interesses dominantes.

Conforme essa perspectiva, os indivíduos foram expropriados de sua capacidade de pensar, de sua própria consciência pelos produtos da indústria cultural.19

Para os pensadores dessa escola, os bens culturais são fabricados seguindo as mesmas lógicas das demais indústrias da sociedade tecnológica, com uma organização administrativa, de gerenciamento do lucro e racionalização técnica da produção. Dessa forma, são caracterizados pela padronização e pela estandardização.

O que na indústria cultural se apresenta como um progresso, o insistentemente novo que ela oferece, permanece, em todos os seus ramos, a mudança de indumentária de um sempre semelhante; em toda parte a mudança encobre um esqueleto no qual houve tão poucas mudanças como na própria motivação do lucro desde que ela ganhou ascendência sobre a cultura (Adorno, 1978: 94).

Essa homogeneização dos produtos é vista como paralela à obtenção do conformismo e da alienação, configurando um processo de massificação dos indivíduos. A ideologia da indústria cultural visa a alcançar a servidão e a dependência dos homens, num processo em que o “conformismo substitui a consciência” (Adorno, 1978: 97).

Alicerçado nesse referencial teórico, o discurso intelectual brasileiro, principalmente na década de 70, rejeita a indústria cultural e seus produtos, entre os quais a telenovela. A perspectiva frankfurtiana motiva vários estudos que buscam denunciar a natureza ideológica da televisão e seus programas.20

19 Theodor W. Adorno e Max Horkheimer cunharam a expressão indústria cultural para se referir às obras culturais fabricadas a partir do desenvolvimento técnico da cultura. A expressão vem substituir cultura de massa, que se refere, segundo os pensadores, a uma cultura surgindo espontaneamente das próprias massas. Para eles, indústria cultural é o termo mais adequado para se referir aos “produtos adaptados ao consumo das massas e que em grande medida determinam esse consumo” (Adorno, 1978: 92).

20 Não apenas no Brasil há herdeiros do pensamento crítico frankfurtiano que refletem sobre a televisão. Para Paul Virilio, esse veículo “não permite recuo algum, nenhuma distância crítica e, por conseqüência, nenhuma reflexão” (Machado, 2000: 127). Pierre Bourdieu segue a mesma linha de pensamento em Sobre a televisão (1997), argumentando que a televisão não favorece o pensamento, porque ela é construída em condições de

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A partir de uma revisão do “estado da arte” da televisão e da telenovela, Siqueira (2002) reúne as obras filiadas a esse pensamento crítico formulado pelos pensadores da Escola de Frankfurt em um viés de caráter ideológico.21 A pesquisadora situa nessa perspectiva as obras A televisão (1994), de Ciro Marcondes Filho, e Reinventando a cultura

— a comunicação e seus produtos (1996), de Muniz Sodré. Marcondes Filho recupera a história da televisão no Brasil e empreende uma crítica à narrativa telenovelística, que, segundo ele, não é capaz de promover a reflexão. Para Sodré, assistir a novelas é uma forma de satisfazer desejos reprimidos, pressupondo uma relação da telenovela com a dinâmica do consumo, que implica a passividade da recepção.

Maria Rita Kehl (1986), também refletindo sobre a apreensão dos discursos das telenovelas, considera que há passividade no âmbito da recepção. Para Kehl, a telenovela impõe,

com a força da imagem, padrões de comportamento, de identificação, de julgamento e principalmente um novo padrão estético compatível com a nova fachada de “país em desenvolvimento”. Trata-se de ajustar o homem brasileiro, transformado nessa categoria abstrata e passiva chamada público [...] (Kehl, 1986: 289, grifo da autora).

É certo que a tradição frankfurtiana trouxe inestimáveis contribuições para o pensamento sobre a cultura contemporânea. Douglas Kellner reconhece esse papel da Teoria Crítica, ao chamar a atenção para o processo de industrialização e mercantilização da cultura.

Afinal,

a cultura da mídia é industrial; organiza-se com base no modelo de produção de massa e é produzida para a massa de acordo com tipos (gêneros), segundo fórmulas, códigos e normas convencionais. É, portanto, uma forma de cultura comercial, e seus produtos são mercadorias que tentam atrair o lucro privado produzido por empresas gigantescas que estão interessadas na acumulação de capital (Kellner, 2001: 9).

urgência e de velocidade. Segundo ele, “a televisão não é muito propícia à expressão do pensamento. Estabelece um elo, negativo, entre a urgência e o pensamento. É um velho tópico do discurso filosófico: a oposição feita por Platão entre o filósofo que dispõe de tempo e as pessoas que estão na ágora, a praça pública, e que são tomadas pela urgência. Ele diz, mais ou menos, que, na urgência, não se pode pensar” (Bourdieu, 1997: 39).

21 Siqueira classifica as obras sobre a televisão e a telenovela em duas outras perspectivas: viés de caráter histórico e viés de caráter culturalista (Cf. Siqueira, 2002: 31-45).

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Para o estudioso, “a abordagem da Escola de Frankfurt fornece instrumental para criticar as formas ideológicas e aviltadas da cultura da mídia e indica os modos como ela reforça as ideologias que legitimam as formas de opressão” (Kellner, 2001: 45-46). Ele aponta que a abordagem frankfurtiana oferece um modelo integral que transcende as divisões nos estudos de mídia, cultura e comunicação, demonstrando como esses três elementos apresentam normas e práticas sociais de maneira positiva e legitimam a organização capitalista da sociedade (Kellner, 2001: 46-47).

Apesar de reconhecer tais contribuições, Kellner ressalta o caráter parcial e unilateral dos estudos de Adorno e seus seguidores. Reconhecendo também esses limites da perspectiva da Escola de Frankfurt, a partir da década de 80, vários estudiosos passam a relativizar a perspectiva excessivamente crítica e pessimista da tradição alemã, destacando o lugar que a televisão e seus produtos ocupam na cultura brasileira. Sem negligenciar as contribuições da Teoria Crítica, os pesquisadores atentam para o fato de que “uma obra de cultura sempre carrega uma dose de ambigüidade, uma tensão interna, decorrente da necessidade de acionar a energia e a inventividade dos trabalhadores que a elaboraram”

(Ortiz; Borelli; Ramos, 1991: 121). É nesse contexto que a telenovela passa a ser reconhecida como objeto de estudo de relevância.

Arlindo Machado está entre os que criticam a perspectiva adorniana de pensar a cultura. Para o pesquisador brasileiro, “o fenômeno da banalização é resultado de uma apropriação industrial da cultura e pode ser hoje estendido a toda e qualquer forma de produção intelectual” (Machado, 2000: 9). Ao contrário da tradição frankfurtiana, Machado reconhece os programas televisuais como integrantes da cultura nacional e reivindica a existência de “vida inteligente na televisão” (Machado, 2000: 10). Para ele, o meio televisivo pode ser visto como um dispositivo audiovisual através do qual as pessoas podem exprimir inquietações e descobertas, anseios e dúvidas, crenças e descrenças.

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Outro pensador que relativiza o pessimismo da Teoria Crítica e traz grandes contribuições para refletir sobre a televisão — e a telenovela — é Edgar Morin (1997a). Da mesma forma que Adorno, Morin aponta como característica do processo de produção da cultura de massa a dinâmica industrial, tecnológica, burocrática, administrativa, pautada pela racionalização, pelo lucro e pela divisão do trabalho.22 É um processo em que a padronização é necessária para otimizar a dinâmica empresarial de produção cultural.

Entretanto, “nem a divisão do trabalho nem a padronização são, em si, obstáculos à individualização da obra” (Morin 1997a: 31). Isso porque, como apresenta Morin, há uma especificidade que distingue os bens da indústria cultural de outras mercadorias da sociedade.

Segundo ele, os produtos da cultura de massa são afeitos a um tipo de contradição: entre padronização e individualização, entre repetição e criação. “A indústria cultural deve, pois, superar constantemente uma contradição fundamental entre suas estruturas burocratizadas- padronizadas e a originalidade (individualidade e novidade) do produto que ela deve fornecer” (Morin, 1997a: 25, grifo do autor).

A possibilidade de organização burocrático-industrial reside, conforme Morin, na recorrência aos arquétipos. Arquétipos são “figurinos-modelo do espírito humano que ordenam os sonhos e, particularmente, os sonhos racionalizados que são os temas míticos ou romanescos” (Morin, 1997a: 26). Ou seja, os arquétipos são formas ancestrais, imagens primordiais, que freqüentemente correspondem a temas mitológicos, os quais reaparecem em contos e lendas populares de épocas e culturas diferentes. São espécies de fôrmas que dizem respeito às grandes temáticas que estão sempre presentes na vida dos homens e são

22 Morin utiliza o termo cultura de massa para se referir à cultura “produzida segundo as normas maciças da fabricação industrial; propagada pelas técnicas de difusão maciça (que um estranho neologismo anglo-latino chama de mass media); destinando-se a uma massa social, isto é, um aglomerado gigantesco de indivíduos compreendidos aquém e além das estruturas internas da sociedade” (Morin, 1997a: 14, grifo do autor). Ele também utiliza a expressão indústria cultural para se referir a esse tipo de cultura, mas não defende, como Adorno e Horkheimer, a substituição de uma expressão por outra.

Referências

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