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4.2 APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DE RESULTADOS

4.2.1 Amparo legal e institucional

Para atender ao objetivo de “Apreender a visão de ativistas do movimento de mulheres sobre o amparo legal e institucional voltado às mulheres em situação de violência doméstica”, foram colhidos depoimentos que responderam à seguinte questão: Como você vê as leis e os programas que visam proteger as mulheres em situação de violência doméstica?

Para a questão acima, as categorias identificadas e seus respectivos percentuais de frequência de respostas foram: A – baixa efetividade (12%); B – conquista social (40%); C – empoderamento (9%); D – garantia constitucional (5%); E – instrumento de conscientização (18%); F – patriarcalismo (16%).

28% 19% 9% 16% 6% 22% 01-05 06-10 11-15 16-20 20-25 Acima de 26

Gráfico 7 – Distribuição de categorias do DSC de ativistas do polo Juazeiro/BA - Petrolina/PE (Amparo legal e institucional)

Fonte: Elaboração própria a partir de dados categorizados em forma de DSC. Dados oriundos de pesquisa de campo realizada em 2013/14. Classificação das categorias em ordem alfabética.

Para as categorias acima, foram consolidados os resultados a seguir em forma de Discurso do Sujeito Coletivo - DSC39.

Categoria A – DSC: Baixa efetividade

Entre a existência de uma lei e a efetivação existe um caminho muito longo. Pela Lei Maria da Penha, a mulher não pode sofrer vários tipos de agressão: verbal, física, mas ainda falta ser exercida de fato e de direito, falta um desempenho das autoridades. Para mim, ainda falta a sua efetivação. A lei é muito boa, mas quando a mulher sofre a violência tem tanta dificuldade para ser cumprida... É preciso haver uma discussão maior, é preciso que os governantes e o [Poder] Judiciário revejam essa questão da lei do ponto de vista da aplicabilidade [que], infelizmente, estamos muito longe de alcançar (DSC estruturado dos depoimentos: AT PSI 01; AT ES 07; AT AS 22; AT ES 23; AT ENF 26; ATM ENC 27; AT AS 31; AT PED 32)

De acordo com o DSC da categoria A, “Baixa efetividade”, foi identificada a existência de uma performance inadequada dos integrantes do sistema de justiça e do Poder Executivo enquanto esferas deliberativas e executoras da legislação. De

39Para fins de identificação no banco de dados e de preservação do sigilo das pessoas entrevistadas, foi estabelecido um código alfanumérico em substituição ao nome. As abreviaturas adotadas devem ser interpretadas como segue: AT refere-se a ativista feminina; ATM refere-se a ativista masculino; AS = assistente social; AUT= autônoma; CM= comerciária; CMT= comerciante; CO = costureira; DNC = dona de casa; ES = educadora social; EL= eletricista; ENC= encanador; ENF = enfermeira; PED = pedagoga; PSI = psicóloga; PRO = professora; VER = vereadora.

0 5 10 15 20 25 Bai xa e fe ti v id ad e Con q u is ta s o ci al E m p o d e ra m e n to G ar a n ti a co n sti tu ci on a l In stru m e n to d e con sci e n ti zaçã o Pa tri a rcal is m o A B C D E F

acordo com o relatado, as autoridades não têm a atitude esperada para a sua materialização, ao considerar que “falta a sua efetivação” e ainda que “falta um desempenho das autoridades” quanto ao processo de implementação da Lei Maria da Penha.

Ao se considerar o papel do Estado enquanto gestor dos direitos constitucionais, os quais vinculam as pessoas e a nação (LOPES, 2006), colocam-se como fundamentais as questões relativas à fruição plena da cidadania. Incluindo-se aí o tema do acesso à justiça e, portanto, da efetividade40 do sistema de justiça.

Nesse aspecto, “pertencer a um Estado garantidor de direitos é, sem dúvida, um aspecto central da cidadania” (BOTELHO; SCHWARCZ, 2012, p. 16). Desse modo, mais do que as proposições do dogmatismo do direito positivado, é levada em conta a postura das instituições que compõem o aparato do sistema de justiça e o comportamento adotado pelos operadores do sistema de justiça, isto é, a conjunção de aptidão e disposição institucional. Significa dizer que se trata não só de acessar o sistema de justiça, mas também de garantir que sejam produzidos resultados socialmente justos (CAPPELLETTI; GARTH, 1988; SADEK, 2001).

No que diz respeito à efetividade do sistema de justiça criminal, enquanto parte das políticas públicas de segurança, está vinculada à avaliação do que está sendo produzido pelas instituições em termos de resultados (CAIDEN; CAIDEN, 2001; COSTA, 2003) em função das proposições das agendas do movimento feminista colocadas, seja na Lei Maria da Penha, seja no Plano Nacional de Políticas para Mulheres – PNPM, seja no Pacto Nacional pelo Enfrentamento à Violência contra a Mulher.

Isso significa pôr em foco como estão sendo implementadas as políticas públicas, seu papel e amplitude, incluídas as formas de gestão adotadas pelos entes estatais, bem como o sentido de justiça social adotado (DRAIBE, 1997; RODRIGUES, 2010; SECCHI, 2010). Dessa maneira, é factível inferir que a efetividade de uma política pública depende de governança e accountability, o que a torna dependente das inter-relações entre Estado, política e sociedade (SOUZA, 2006).

Segundo Boaventura Santos, a “litigação tem a ver com culturas jurídicas e

40 A efetividade relaciona-se com o princípio da eficiência, introduzido na administração pública brasileira com base na Emenda Constitucional n. 19, de 04 jun. 1998. Para aprofundar a discussão acerca do conceito de efetividade consultar: Alcântara, 2009; Aragão, 1997; Barroso, 2006; Castro, 2006.

políticas, mas também com o nível de efetividade da aplicação dos direitos e com a existência de estruturas administrativas que sustentam essa aplicação” (SANTOS, 2011b, p. 24). Diante disso, coloca-se a questão do mercado de oferta e procura jurídica, em que se instala a necessidade de olhar para a administração da justiça enquanto instituição política e profissional.

Nessa medida, os agentes envolvidos no ciclo das políticas públicas são atores políticos (RODRIGUES, 2010). Pensando nisso, é fundamental compreender que a natureza do viés ideológico que perpassa as suas concepções vão dar sentido à ação dos entes públicos como fatores intervenientes na gestão das políticas públicas (FIGUEIREDO, 1997).

O direito introduzido pelo movimento de mulheres, com base em seu protagonismo político, trouxe modificações quanto à expectativa de disponibilização de mecanismos institucionais a ser implementados no âmbito dos direitos civis, políticos, econômicos, sociais, culturais, reprodutivos e sexuais (BARSTED, 2005; LEITE; WOLKMER, 2003; MACHADO, 2010; ROMEIRO, 2009). Conforme explicitado no Capítulo II, várias ações foram requeridas ao sistema de justiça criminal no sentido de viabilizar a sua legitimação e consolidação por meio das ações do Estado (BANDEIRA; ALMEIDA, 2014).

Sobre essa questão, discussões têm sido levadas a termo pela SPM, com a Campanha Compromisso e Atitude, no sentido de permitir aprofundar a reflexão nesse sentido. Lançada nacionalmente no dia 07 em agosto de 2012, e no Nordeste em 12 de novembro de 2012, a “Campanha Compromisso e Atitude pela Lei Maria da Penha – A lei é mais forte” foi materializada em acordo de cooperação técnica firmado entre a Secretaria de Políticas para as Mulheres – SPM, o Poder Judiciário, o Ministério Público, a Defensoria Pública e o Ministério da Justiça. O seu objetivo é fazer com que as três esferas governamentais possam, de maneira cooperativa, viabilizar a implementação da Lei Maria da Penha. É uma ação de mobilização para agregar sociedade civil e governo com o objetivo de enfrentar a violência contra a mulher e que, para isso, depende da adesão das instituições envolvidas para o atendimento das demandas.

Categoria B – DSC: Conquista social

Todo esse movimento tem um porquê e só existe por conta das nossas vitórias. Lula não acordou iluminado para criar a Lei Maria da Penha, o Brasil foi punido pela OEA, a gente sabe. As leis são conquistas, tudo o que se conseguiu do ponto de vista dos direitos em prol das mulheres foram conquistas, porque são fruto das lutas sociais por um processo de militância; têm bastante legitimidade porque são provenientes de uma situação real, histórica, concreta . [E] a Lei Maria da Penha, [é] a terceira melhor lei que já se viu. É um divisor de águas porque reacendeu o movimento de mulheres; ela mobiliza mulheres, inclusive as que não estão ligadas a entidades [ou a] organizações. Além disso, penso é um instrumento de proteção nessa questão da violência contra a mulher (DSC estruturado dos depoimentos: AT PSI 01; AT PRO 02; AT CO 04;AT PRO 05; AT CO 06; AT PRO 11; AT VER 12; AT VER 14; AT PRO 15; AT AS 16; AT AUT 18; AT PRO 19; AT PRO 21; AT AS 22; AT ES 23; AT PED 25; AT AUT 26; ATM ENC 27; AT DNC 28; AT PED 29; ATM ENF 30; AT AS 31; AT PED 32).

Categoria C – DSC: Empoderamento

Quando a mulher começa a ler os direitos dela, acima de tudo os direitos humanos, ela passa a entender que pode sair da situação de violência e hoje temos um número muito grande de denúncias. Para mim, esses programas vêm justamente para deixar um alerta para essas mulheres não viverem nesse sofrimento. Quem sabe aonde quer chegar escolhe o caminho certo e o jeito de caminhar e dizer: "Eu posso, eu quero, eu vou!". Quando tem isso a gente pode (DSC estruturado dos depoimentos: AT ES 03; AT ES 07; AT PRO 10; AT ES 13; AT AS 16).

Observando-se os DSC das categorias B, “Conquista social”, e C, “Empoderamento”, fica evidente que o grupo considera a LMP como uma conquista social, produto de uma luta político-ideológica que faz parte do processo de formulação de reivindicações por parte das mulheres na qualidade de agentes políticos capazes de verbalizar e interferir na esfera pública, ao considerar que “quando tem isso a gente pode”.

Assim, as/os ativistas admitem que existe uma dimensão relacional, isto é, uma possibilidade de rompimento das assimetrias sociais que projeta para readequações na distribuição de poder na esfera social. Contexto que revela a existência de um esforço de mudança na posição do status quo das mulheres, viabilizado pela verbalização de disposições na arena política, em que se projetam como sujeitos de poder (FOUCAULT, 1995)41, o que pode ser compreendido como apropriação, no

41 No artigo O sujeito e o poder, Michel Foucault (1995) considera a questão do sujeito em relação ao poder na sua prática de investigação, dedicada a analisar como o ser humano adquire a condição de sujeito. Discute o modo como o poder é legitimado como um processo em vários campos, com várias racionalidades específicas. O poder é tomado como parte do jogo de relações entre indivíduos e coletividades, que no seu exercício faz com que uns ajam sobre os outros. Em decorrência do que se estabelece um jogo complexo que envolve poder, desejo e liberdade em luta “agonística”. Identifica três tipos de lutas: contra a dominação, contra as formas de exploração, e ainda contra as formas de subjetivação da sujeição. Fenômeno que se aplica à vida cotidiana, em que o indivíduo se reconhece

espaço local, de fluxos e práticas do discurso feminista transnacional, ao traduzir-se como uma expressão politizada do campo político do feminismo.

Nesse sentido, ao incorporar o discurso de uma agenda pública que provoca a ultrapassagem da dicotomia entre o público e o privado, a legislação permite a captura das vozes das mulheres como atos de insubordinação voltados para o exercício de autonomia, isto é, da soberania dos indivíduos em relação a si mesmos e aos outros, em especial ao questionamento das relações de dominação (BOURDIEU, 2005a; DELPHY, 2009).

Amy Allen (2013), ao tratar do tema do poder sob a perspectiva feminista, coloca a centralidade do conceito de poder no variado debate teórico que se debruça sobre a questão, sob a perspectiva de três vertentes principais que o interpretam: como forma de dominação, de acordo com as correntes fenomenológica, radical, socialista, interseccional e pós-estruturalista; como recurso, na perspectiva liberal; e como empoderamento.

Em relação ao poder enquanto empoderamento, diz respeito à capacidade de romper com espaços socialmente definidos, reposicionando discursos e práticas no contexto sociopolítico com o objetivo de alcançar as estruturas vigentes a partir de um imperativo de mudança social. Isso implica desenvolver e se apropriar de uma capacidade de deliberadamente exercer competências sobre si, o que significa não apenas reconhecer as forças que dão causa à opressão, mas também assumir uma atitude proativa no sentido de modificá-las (BATLIWALA, 1994).

O processo de empoderamento (SARDENBERG, 2009) refere-se ao poder para a ação, para o questionamento voltado à desestabilização das situações de opressão presentes nas práticas sociais em que mulheres e homens possuem interesses distintos em função da divisão sexual do trabalho. Isso significa questionar as ideologias e relações de poder, materializadas em relações assimétricas de distribuição de recursos regulamentados pelo direito e operacionalizados pelas instituições. Consiste, portanto, em uma atitude de desafio às instituições enquanto mecanismos responsáveis pela “eternização das estruturas da divisão sexual e dos princípios de divisão correspondentes” (BOURDIEU, 2005a, p. 5), entre as quais se inclui a ordem jurídica posta pelo direito positivo.

e é reconhecido e faz dos indivíduos sujeitos em dois sentidos: como objeto de controle e dependência; e como fruto da própria identidade por meio do autoconhecimento.

No que diz respeito à força de autoafirmação, é um aspecto que foi levantado por Alain Touraine (2011) na pesquisa que realizou acerca das transformações das representações sociais das mulheres sobre si mesmas e do movimento cultural que põe em mutação social a consciência feminina, movida pelo desejo de superação da ordem social. Desse modo, o apoderar-se da consciência de si reverbera na ideia de sujeito de direitos, portanto, na possibilidade do exercício da democracia como fruição do governo baseado na lei e no serviço de direitos, como é o caso da prestação jurisdicional.

O feminismo pode ser considerado, dessa maneira, como um pilar de construção do processo democrático, pois identifica desigualdades, aponta direitos e promove a concepção de políticas públicas inclusivas. Diante da necessidade de dar respostas às necessidades da sociedade civil, é produzido um direito contra- hegemônico, como parte das lutas do cosmopolitismo subalterno (SANTOS, 2003).

O sentido da referência ao poder na fala das/os ativistas do polo Juazeiro/BA- Petrolina/PE, parece indicar que não se trata de poder considerado como um dispositivo a ser utilizado sobre os homens, mas numa perspectiva de transformação de si e dos outros, do sujeito que é capaz de refletir sobre si no mundo social e interferir na sua dinâmica. Numa aquisição de autoimagem de sujeitos com capacidades para a autonomia no processo de questionamento das relações violentas e, por conseguinte, para viabilizar o acesso às instituições do sistema de justiça criminal.

Vale lembrar que a dinâmica social instalada parece também afetar processos de legitimação e novas decodificações para o sentido de gênero. Segundo a definição de Scott (1995), é preciso mais que a concepção binária homem/mulher para compreender historicamente as desigualdades sociais relativas à diferenciação sexual, implicando uma dimensão relacional das relações de poder, em que estão imbricados os aspectos culturais, normativos, políticos, econômicos e subjetivos com o propósito de legitimar as posições sociais.

Categoria D – DSC: Garantia constitucional

Eu acho que a Lei Maria da Penha veio pra ajudar, é uma lei constitucional [e] a gente tem que respeitar. Nesses últimos anos, tem sido uma luta muito grande com politicas públicas que têm reforçado isso. Não [se] pode desviar dela. Especialmente agora que se tornou incondicionada (DSC estruturado dos depoimentos: AT CM 09; AT PRO 11; AT PED 25).

Para a categoria D, “Garantia constitucional”, o DSC revela que as/os ativistas têm a consciência de que a LMP foi obtida por pressões advindas do plano político internacional e, ainda, que deve materializar as garantias constitucionais previstas pela Constituição Federal de 1988 em relação a garantir a defesa contra atos de violência dirigidos às mulheres. Ao indicar que “não se pode desviar dela”, fica subentendida a existência de crença na segurança jurídica como parte da obrigatoriedade de seu provimento.

A violência, segundo o artigo 6º da LMP, pode se manifestar por meio de comportamentos de natureza física, sexual, psicológica, moral e patrimonial, de modo isolado ou como resultante de combinação entre eles. Desse modo, a lei provocou um realinhamento da concepção da violência contra a mulher e da violência conjugal como portadoras de especificidades dignas da atenção do Estado (ROMEIRO, 2009).

Nesse sentido, a estrutura jurídica dentro do mundo social cumpre o papel de antecipar as possibilidades de como os membros de determinada comunidade política vão comportar-se frente à ordem jurídica positivada (REALE, 1980). Isso decorre da legitimidade da dominação racional (WEBER, 2000) do Estado liberal de Direito, que deve se manifestar pelas seguintes características: outorga de poder, abstração de regras intencionais, exercício impessoal da soberania e obediência ao sistema normativo pactuado. Trata-se de uma relação de confiança, que se realiza objetivamente na tutela de bens e, subjetivamente, no sentimento de segurança jurídica, uma relação que implica certeza e segurança.

Por sua vez, a segurança jurídica expressa uma conexão entre o cidadão e o Estado em que se garante ao indivíduo a integridade de bens e direitos através dos procedimentos dos agentes estatais no caso concreto. Ela é definida como um princípio de estabilidade das relações jurídicas em que os atos devem necessariamente estabelecer correspondência com os princípios definidos nos textos legais (GÜNTHER, 2009; SANTOS, 2011b). Isso significa dizer que o exercício da cidadania (MARSHALL, 1967) está ancorado no pressuposto de uma prática que se estabelece pela presunção de que as normas sociais, positivadas pelo direito decorrente da negociação política, devem traduzir os anseios de um senso de justiça por meio de procedimentos coerentes com os princípios firmados nos textos legais.

Desse modo, o Estado é passível de ser admoestado quanto ao cumprimento do direito em sua dimensão concreta, exigível pelos indivíduos pela sua materialização em forma de prestação jurisdicional (FERNÁNDEZ; BARRIENTOS,

2000). Assim, a LMP é um instrumento de garantia constitucional da igualdade das mulheres, conforme prevê o título II da Constituição de 1988, para o qual existe uma expectativa de materialização da ordem social do decurso dos procedimentos que são adotados quando da sua aplicação.

Em que pese a arguição da sua constitucionalidade quanto aos artigos 33 e 41 por parte de membros do Poder Judiciário em torno de elementos como: a competência, se de juizado criminal ou JECRIM; a oportunidade do afastamento da Lei 9099/1995; ou o suposto desrespeito aos direitos humanos (STRECK, 2011). Após a interposição da Ação Declaratória de Constitucionalidade – ADC 19, ajuizada pela Presidência da República e julgada procedente pelo Supremo Tribunal Federal em 09 de fevereiro de 2012, a interpretação foi pacificada, o que obrigou formalmente o seu fiel cumprimento.

Categoria E – DSC: Instrumento de conscientização

Na minha experiência com a Lei Maria da Penha, muita coisa melhorou. A sociedade passou a ter mais consciência de que a mulher tem direitos, até porque os homens temem muito. Mesmo aqueles que têm menos conhecimento, [que são] menos dotados de educação, tiveram que refletir sobre as suas atitudes (DSC estruturado dos depoimentos: AT PRO 02; AT ES 07; AT EL 08; AT CM 09; AT PRO 10; AT PRO 15; AT PED 25; ATM ENC 27; AT PED 29; AT PRO 33).

Conforme o DSC elaborado para a categoria E, é atribuída à legislação uma função pedagógica, utilizada como forma de conscientização. Nesse caso, a LMP é um meio para afirmar as mulheres como sujeitos de direitos no espaço social, fato decorrente, inclusive, do medo que inspira.

Ao tratar da relação entre o direito e as mudanças sociais, Lopes (1997) argumenta que são duas as perspectivas que se apresentam. De um lado, o direito é visto como resultante de processos sociais anteriores e independentes; de outro, a mudança social é atribuída aos efeitos do sistema jurídico. No caso da LMP, o DSC em análise evidencia que a legislação é compreendida como um discurso de conversão, que age para reequilibrar a correlação de forças quanto à subordinação das mulheres nas relações de gênero (SCOTT, 1995).

Portanto, ela é produtora de efeitos sociais obtidos no processo de definições e redefinições em termos de posicionamentos estratégicos dos agentes (BOURDIEU, 2001b), o que provoca redistribuições de poder no espaço social.

Categoria F – DSC: Patriarcalismo

Essa sociedade patriarcal traz para as mulheres algo que machuca demais, por mais que se avance de maneira econômica, profissional, ainda se sofre a violência. A mulher é colocada como aquela coisinha frágil e tem que estar ali só para obedecer e não para fazer aquilo que ela acha que [deva] fazer. Eu vejo a cabeça do agressor [desse modo]: "Meu pai era assim, eu também tenho que ser assim, eu sou o macho!", então o agressor tem o pensamento machista. Está no imaginário tanto de homens como de mulheres de uma região como essa, que vem de uma política coronelista, de maus tratos aceitos pela sociedade, de que mulher apanha porque merece. A mulher que não pode ser dona