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5.1 LEI MARIA DA PENHA: AS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DOS

5.3.2 Contexto do sistema de justiça

Para atender o objetivo de “Conhecer o modo de apropriação das práticas do sistema de justiça”, foram colhidos depoimentos que responderam à seguinte questão: quando solicitado, como se dá o funcionamento do sistema de justiça?

Para a questão acima, as categorias identificadas foram: A – ambiguidade das vítimas (22%); B – desarticulação institucional (9%); C – esforço inócuo (8%); D – estrutura inadequada (24%) E – excesso de demandas (29%); F – inexistência de provas (5%); G – inversão da punição (3%).

Gráfico 17 – Distribuição de categorias do DSC dos operadores do sistema de justiça do polo Juazeiro/BA – Petrolina/PE (Contexto do sistema de justiça)

Fonte: Elaboração própria a partir de dados categorizados em forma de DSC. Dados oriundos de pesquisa de campo realizada em 2013/14. Classificação das categorias em ordem alfabética.

0 5 10 15 20 25 30 35 40 Am b igui d ad e d as v íti m as De sar ti cu laç ão in st it u ci on al E sf o rço in ó cu o E stru tu ra i n ad e q u ad a E xce ss o d e d e m an d as In e xi stên ci a d e p ro v as In v e rs ã o d a p u n iç ã o A B C D E F G

Para as categorias supracitadas, foram consolidados os resultados a seguir em forma de Discurso do Sujeito Coletivo – DSC.

Categoria A – DSC: Ambiguidade das vítimas

O que me chama muito a atenção é a renúncia da vítima, 90% renunciam. A justiça é o que é conveniente pra elas. Elas prestam a queixa, instaura-se o inquérito, faz-se a prisão, dá-se andamento ao processo, mas por ter filhos, por depender financeiramente do homem, elas querem é continuar com a família delas. E aí elas se arrependem [e] voltam pedindo pra arquivar. Elas falam que não têm mais interesse, que já estão vivendo bem, que aquilo ali foi um momento de nervosismo, que a vizinha ou a mãe induziu, mas que elas não queriam. Tanto é que maioria das mulheres se retrata e o processo já é sentenciado. Na acepção da palavra, para elas, [o agressor] não é um criminoso, ele não é bandido, é uma pessoa de bem. Ele nunca foi traficante, nunca furtou, nunca roubou, paga os impostos em dia, [mas] bate na mulher dele. Só que quando a polícia ou a justiça são chamadas, não há diferenciação [entre quem] cometeu um roubo de quem bateu na mulher. Algumas vezes eu percebo que a mulher não tem interesse de que aquilo seja divulgado, é uma questão de vergonha, [de] como se apresentar para a sociedade com essa humilhação (DSC estruturado dos depoimentos OPF DE 02; OPF SR 04; OPF PR 06; OPF SR 07; OP JU 08; OPF DE 09; OP ADV 10; OP JU 11; OPF SR 13; OPF PC 14; OPF SR 15; OP SR 16; OPF ADV 19; OPF SR 22; OP SR 23; OPF SR 25; OP JU 26; OP PR 27; PFEM 01; PM 02; PM 04; PM 05; PM 06; PM 09).

A categoria “Ambiguidade das vítimas”, que representa 22% do total de respostas, é a terceira em termos de relevância para operadoras/operadores do sistema de justiça quando se trata de refletir acerca do funcionamento do sistema de justiça voltado ao atendimento das mulheres em situação de violência. De acordo com o DSC obtido em relação à aplicação da LMP, a atitude das mulheres em situação de violência traz dois pontos que necessitam ser considerados.

Em primeiro lugar, os efeitos obtidos com a aplicação da LMP não são satisfatórios, especialmente pelas expressivas tentativas de desistência por parte das mulheres que, em geral, reconciliam-se com os agressores no decorrer do inquérito, “se arrependem e voltam pedindo pra arquivar” e não se sentem atendidas em suas demandas por justiça pelas penas previstas em lei.

Esse aspecto tem se mostrado recorrente na literatura sobre o tema (IZUMINO, 2004; MORAES; SORJ, 2009; SOARES, 1996) e para o qual a interpretação conferida pelos integrantes do sistema de justiça desqualifica as pessoas que acorrem aos serviços, uma situação que se repete pelo país (MACHADO, 2002; VERGO, 1998). Segundo pesquisa realizada em Porto Alegre/RS sobre as percepções entre os operadores do sistema de justiça sobre o acesso à justiça e a violência contra a mulher, “todo(a)s o(a)s entrevistado(a)s têm como certo o fato de que algumas mulheres buscam algo e não o encontram na delegacia, e isto é um grande problema”

(CEPIA, 2013, p. 123). Essa dificuldade também se apresenta para as/os ativistas, conforme já discutido na seção 4.2.2, categoria A, página 115.

Em segundo lugar, é o fato de que os agressores não são vistos pelas mulheres como bandidos, mas como pessoas “de bem” que, por infortúnio, envolvem-se em situações de violência em família. Aí entra o componente da “humilhação” e da “vergonha” na exposição social do conflito familiar.

Podemos compreender a vergonha na seguinte acepção: “o sentimento de vergonha é o nosso envolvimento com normas e regras ‘aceitas’ e sua observância” (HELLER, 1998, p. 181). Em recente pesquisa sobre a percepção social da violência e assassinato de mulheres, a vergonha é o aspecto de maior magnitude quanto aos motivos que fazem com que as mulheres não se separem dos agressores, correspondendo a 66% das menções, acima inclusive do medo de ser assassinadas, que aparece com 58% das menções (DATA POPULAR/INSTITUTO PATRÍCIA GALVÃO, 2013, p. 31).

Para refletir a respeito do problema, talvez seja útil recorrer à literatura sobre os processos de não aceitação social, em que a deterioração da identidade traz a marca do estigma. Ao analisar o tema, Gofmann (1988) identifica três tipos de situações geradoras de estigma: as abominações do corpo, com deformidades físicas; as de caráter individual, entre as quais estão as doenças mentais, os vícios e a prisão; e os tribais, de raça ou religião. Todas elas capazes de gerar fortes efeitos na vida cotidiana, por possuírem a capacidade de afastar os demais atributos dos indivíduos a que aderem, tornando-os estranhos diante do julgamento social por se apresentarem como diferentes do padrão de normalidade aceito para determinada sociedade. Isso causa isolamento e reduz as chances de esse indivíduo viver plenamente as relações sociais.

As afirmações de que “não há diferenciação [entre quem] cometeu um roubo de quem bateu na mulher” oude que o agressor “não é bandido” parecem indicar a negação dos atributos discriminatórios que o termo bandido carrega, e que são potenciais produtores de humilhação e vergonha, como uma qualificação percebida como impura e a que não se deve aderir. Segundo Michel Misse (2010), a categorização “bandido” refere-se a um sujeito não igualitário “que é produzido pela interpelação da polícia, da moralidade pública e das leis penais” (MISSE, 2010, p. 17) e que dá causa a ações criminais que despertam repulsa, o que certamente fere a lógica de proteção do vínculo familiar e de preservação de laços conjugais.

Categoria B – DSC: Desarticulação institucional

Aqui na região do Vale do São Francisco nós temos uma rede; na verdade, temos a delegacia da mulher, o CRAM, a Secretaria Municipal da Mulher, a casa-abrigo, mas se você me perguntar eu diria que essa rede anda um pouco dissociada. Acho que [está] faltando um bom entrosamento entre os órgãos, que realmente caminham a passos trôpegos. As pessoas se esforçam em suas ilhas de excelência; elas são muito boas no que fazem, mas não são boas para olhar minimamente para o lado. Daí a dificuldade de ter essa articulação e desses atores se encontrarem, porque as estruturas existem [mas] as coisas não estão caminhando e tem que haver um feedback; se não houver, o ciclo [não pode] ser completado. Então existe [uma rede] no plano formal que tem deficiência no funcionamento, na comunicação que deve existir (DSC estruturado dos depoimentos OPF AD 01; OPF DE 02; OPF AD 03; OPF SR 04; OPF PR 06; OP DE 12; OPF SR 13; OPF PC 14; OPF AD 18; OPF AD 19; OP PR 27; PFEM 01; PM 04; PM 05; PM 06; PM 08; PM 09; PM 11).

Na categoria B, “Desarticulação institucional”, o DSC aponta que, embora existam no polo Juazeiro/BA-Petrolina/PE instituições destinadas a atender as mulheres em situação de violência, tais como: DEAM, CRAM, CIAM e casa-abrigo, há uma fragilidade quanto ao alcance da proteção institucional atribuída à dissociação dos atores institucionais quanto à integração das atividades em rede, a despeito do que determina a LMP nos seus artigos 8 e 9. Vejamos o que diz a LMP:

Art. 9o A assistência à mulher em situação de violência doméstica e familiar será prestada de forma articulada e conforme os princípios e as diretrizes previstos na Lei Orgânica da Assistência Social, no Sistema Único de Saúde, no Sistema Único de Segurança Pública, entre outras normas e políticas públicas de proteção, e emergencialmente quando for o caso.

De acordo com o que se observa no texto legal, a sua correta aplicação exige a atuação integrada das instâncias governamentais na formulação e implementação de políticas públicas, com o foco específico no atendimento integral à mulher, para promover o acesso à justiça e a direitos sociais. Esse objetivo só pode ser atingido pela integração entre a polícia, o Poder Judiciário e os diferentes serviços nas áreas de segurança, saúde, assistência jurídica, médica e social.

Entretanto, de modo inverso ao esperado, o DSC revela que o insulamento institucional manifesta-se pela pretensa existência de ilhas de excelência em que os desempenhos particularizados prejudicam a capacidade de garantir uma comunicação adequada nas esferas organizacionais de operacionalização da rede de serviços instalada, o que já era identificado por Pasinato e Santos (2008) por meio de sua análise direcionada a avaliar o funcionamento sobre as DEAM no país, sendo também apontado pela pesquisa realizada pela CEPIA (2013) em Porto Alegre (RS), Recife (PE), Rio de Janeiro (RJ), Salvador (BA) e São Paulo (SP). Aspectos referentes

a essa categoria foram levantados por ativistas conforme análise do item 4.2.2, categoria D, página 117.

Categoria C – DSC: Esforço inócuo

Olhe a minha sensação é de trabalho frustrado. Na verdade, a gente fica enxugando gelo. A gente vê essa dificuldade até em relação ao inquérito, em fazer um trabalho e não dar em nada, porque tem uma demanda de tempo, a delegacia investe naquele caso para que chegue ao Judiciário e no final a maioria desiste. Eu sinto que tudo que foi feito ali não serviu de nada e que não vai resolver porque na verdade a pessoa só quer tomar fôlego. Enquanto o servidor para [ao] dar andamento [em determinado] processo, porque ele tem que seguir todo um rito, ele [está] deixando muitas vezes de dar andamento a um crime de latrocínio, por exemplo, que é bem mais grave (DSC estruturado dos depoimentos OPF DE 02; OPF SR 04; OPF SR 07; OP JU 08; OP DE 12; OPF PC 14; OP SR 16; OPF SR 23; OP JU 26; OP PR 27; PFEM 01; PM 02; PM 03; PM 05; PM 07; PM 08; PM 11).

No DSC para a categoria C, “Esforço inócuo”, o que sobressai no discurso entre os operadores do sistema de justiça relativamente ao atendimento às demandas por prestação jurisdicional para a LMP, e a consequente execução dos procedimentos requeridos, é que geram a uma sensação de “trabalho frustrado”, pois as/os entrevistadas/os entendem que apenas cumprem um papel paliativo, como denota a expressão “enxugar gelo”.

Dessa maneira, o entendimento corrente é o de que toda a movimentação de recursos para dar andamento aos processos “não vai resolver” o problema, pois a expectativa das mulheres não está na prestação jurisdicional, mas no que denominam “tomar fôlego”, isto é, interromper momentaneamente a relação violenta para, em seguida, retomar o vínculo com o agressor, tendo em vista o que atribuem como a principal motivação para a desistência e os pedidos de retratação por parte da maioria das mulheres, aspecto já abordado por vários trabalhos de pesquisa (BRANDÃO, 1999; GERGORI, 1993b; IZUMINO, 2004; MACHADO, 2002; MORAES; SORJ, 2009). Além disso, as/os participantes da pesquisa consideram que, com o volume de trabalho advindo da LMP, tempo e recursos são desviados de outras demandas mais graves que deixam de ser atendidas, a exemplo do “crime de latrocínio”. Assim, conforme o DSC em análise, atender as mulheres em situação de violência constitui- se em uma mobilização inócua por parte dos servidores, obrigados a “seguir todo um

rito” processual, isto é, cumprir as determinações do Código de Processo Penal54, o

que sobrecarrega o já assoberbado sistema de justiça criminal. Categoria D – DSC: Estrutura inadequada

Para começar, a DEAM não funciona nos finais de semana, feriados e à noite, é uma benção porque eu não vejo ninguém apanhar segunda-feira duas horas da tarde, só apanha no final de semana e nos feriados. [E] aqueles encaminhamentos que a gente deve fazer em relação à assistência social, de dar um respaldo pra essa mulher, isso fica no plano do dever formal. Essa é a prática legislativa, no plano ideal é tudo perfeito. Para mim, não adianta você ter só os equipamentos, além dos equipamentos você tem que ter o suporte técnico e o suporte físico para poder trabalhar. Porque tem que fazer visitas, ter uma logística muito grande para fazer esse atendimento, [que] é um atendimento muito especializado. Por exemplo, você tem uma mulher que de repente chega e tem que ter um carro pra levar à delegacia, a um hospital, deslocar essa mulher. E é claro que a mulher tem medo de retaliação, daquilo ali ocasionar uma situação pior em decorrência da vulnerabilidade no cumprimento da lei. A gente fica meio que preocupado, porque já existem registros de mulheres que denunciaram e foram assassinadas (DSC estruturado dos depoimentos OPF AD 01; OPF AD 03; OPF SR 04; OPF PR 05; OPF PR 06; OPF SR 07; OP JU 08; OPF DE 09; OP AD 10; OP JU 11; OPF SR 15; OPF SR 22; OPF DE 24; OPF SR 25; OP JU 26; OP PR 27; PFEM 01; PM 03; PM 04; PM 09).

A categoria D, “Estrutura inadequada”, representa 24% das respostas obtidas. O DSC elaborado para essa categoria indica a existência de deficiências na estrutura das instituições destinadas ao atendimento da LMP, tanto em termos de recursos materiais quanto de recursos humanos, com impactos diretos na sua aplicabilidade.

A disparidade entre o que é colocado no plano na legislação e o que de fato é oferecido pelo Estado em termos de estrutura, tem gerado, para os operadores do sistema de justiça, a percepção de que o atendimento inadequado gera consequências. Inclusive, foram reportados episódios em que a denúncia foi efetuada mas, em função da debilidade institucional, a vítima terminou assassinada. Uma morte de antemão anunciada ao Estado. A falta dos plantões de 24h também é sentida como uma peculiaridade que prejudica o atendimento, fato que também foi apontado por pesquisa realizada pelo OBSERVE em João Pessoa/PB “onde a DEAM funciona apenas em horário comercial, a delegada aponta para o obstáculo que estes plantões unificados representam para as mulheres” (OBSERVE, 2010, p. 26).

Quanto aos reflexos na carência do atendimento multidisciplinar, são relatados como bastante significativos, pois devido à natureza especializada dos atendimentos,

54 Ao ser instaurada a ação penal, inicia-se a fase processual, que deverá transcorrer conforme o rito ordinário ou sumário dependendo do tipo de crime. Iniciada a ação, o juiz define o rito, exerce o juízo de admissibilidade, determina citações e intimações, abre prazo para a defesa, conduz a fase instrutória, concede e analisa alegações finais e profere sentença (CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, 2013).

é necessária a mobilização de recursos e de suporte técnico para dar andamento às equipes de trabalho e viabilizar o acesso das mulheres aos serviços disponíveis.

Entretanto, a precária disponibilidade de recursos em face dos requisitos necessários ao atendimento das demandas tem sido citada em todos os relatórios de avaliação da LMP (SENADO FEDERAL, 2013; CEPIA, 2103), o que parece indicar que o país ainda não alcançou a capacidade de lhe dar efetividade (ALCANTARA, 2009; ARAGÃO, 1997; BARROSO, 2006; BOSELLI, 2005; CASTRO, 2006).

Categoria E – DSC: Excesso de demandas

Veja só, essa demanda toda é muito alta [já que] pela lei tudo tem que virar inquérito. Pelo próprio volume de trabalho às vezes ficam pilhas [de processos] aguardando resposta [de diligências], a quantidade que entra é muito grande. Na minha opinião, só acredito na justiça se ela for rápida. Até porque a gente sabe que justiça que tarda falha [mas] o sistema em si é defeituoso. Às vezes demora mais de um ano para a primeira audiência porque a demanda é muito rápida, nós não temos como realizar uma audiência imediatamente porque tem que obedecer [a] todo o rito processual, até porque a ação penal em si demora, e no caso da Lei Maria da Penha a maioria não é processo de réu preso, que tem prioridade. [Ainda] mais com a dificuldade [de] ter que olhar [para os] outros processos. E esse trâmite muito demorado acaba se travestindo como sendo resquício de impunidade (OPF AD 01; OPF DE 02; OPF AD 03; OPF SR 04; OPF PR 05; OPF PR 06; OPF SR 07; OP JU 08; OPF DE 09; OP AD 10; OP JU 11; OP DE 12; OPF PC 14; OPF SR 15; OP SR 16; OP AD 17; OPF AD 19; OPF SR 22; OPF SR 23; OPF SR 25; OP JU 26; OP PR 27).

A categoria E, “Excesso de demandas”, com 29% das frequências de respostas, é a categoria com mais expressividade quando o assunto é o modo de funcionamento do sistema de justiça por meio das representações sociais dos operadores do sistema de justiça. Conforme o DSC elaborado para essa categoria, existe um volume excessivo de processos em tramitação, o que gera lentidão no andamento dos procedimentos e, como efeito corolário, a impunidade aos agressores. Um fator relevante é que, por não existirem varas especializadas, os delitos envolvendo a LMP são encaminhados para as varas criminais, que atendem todas as outras demandas na área.

Segundo o Relatório Justiça em Números 2014 (CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, 2014) 28,3 milhões de novos processos ingressaram no Judiciário no ano de 2013. Já o número de baixados foi de 27,7 milhões. No total, tramitaram 95,14 milhões de ações em 2013, das quais 74,2 milhões na justiça estadual, que tem seu acervo processual acrescido a uma taxa média de 3% ao ano. Desse total, na Bahia, foram tramitados 2.656.141 processos para 636 magistrados e, em Pernambuco, foram 2.584.624 para 420 juízes.

De acordo com o Conselho Nacional de Justiça (2013), até 2011 existiam no Brasil em torno de 66 varas e juizados especializados na aplicação da Lei Maria da Penha, com elevado grau de concentração na região Sudeste, com 20 unidades, nas quais tramitaram, em cerca de cinco anos, 677.087 procedimentos. Para corrigir essas distorções, o estudo do CNJ recomendou que o número fosse ampliado para 120 juizados/varas especializadas, distribuídas em cidades do interior dos estados, principalmente na região Nordeste.

A distribuição é desigual também na relação entre capitais e municípios do interior do país, somente no Distrito Federal são doze. A Bahia conta hoje com duas varas especializadas, uma na capital e outra no interior, onde de 2009 a 2011 foram viabilizados 13.607 procedimentos; e Pernambuco conta com seis, todas na região metropolitana, que no período de 2008 a 2011 atingiu o total de 13.815 procedimentos. Segundo dados da Central de Inquéritos do Ministério Público de Petrolina/PE, no primeiro semestre de 2014, foram cadastrados 1.014 inquéritos na comarca, dos quais 36% referem-se à LMP. Já a 2ª Vara Criminal da Comarca de Petrolina informou que, em 31 de dezembro de 2013, dos 3.940 processos em tramitação, 1.321 (33,52%) estavam relacionados com a Lei Maria da Penha.

Na 2ª Vara Criminal em Juazeiro/BA, no ano de 2012, dos 1.075 processos recebidos, 462 foram decorrentes de medidas protetivas de urgência, o que correspondeu a 42,97% do volume tramitado; já em 2013 haviam sido distribuídos 1.362 processos, dos quais 369 (27,09%) referiam-se a esse tipo de ação. Para 2014, até o mês de junho, havia 764 ações ajuizadas, das quais 26,3% são pedidos de medida protetiva. Vale destacar que os processos tiveram tempo médio de tramitação, no período compreendido entre 2011 e 2014, de 709 dias. O que se depreende desses dados é que é urgente a necessidade de instalação da vara especializada, pois o volume de processos tramitados nas duas varas criminais referentes à LMP é de cerca de 30% do total.

Categoria F – DSC: Inexistência de provas

Muitas vezes eu percebo que é feito todo o procedimento, aí vai pra Justiça, e o inquérito volta do Ministério Público que pede mais elementos. Inquérito não é fácil de concluir, tem que, no mínimo, ouvir a vítima, ouvir o autor, ouvir testemunha, fazer diligência do laudo, porque nos casos de lesões se não tiver a juntada dos laudos traumatológicos, acaba fulminando o processo. [E] quando é uma ameaça é mais complicado. Por exemplo, se a pessoa diz que o marido bateu domingo de noite, que botou uma arma. Quem é que [está] na sua casa domingo 11 horas da noite pra presenciar isso? Tem que ter as testemunhas, ou mesmo tem que ter um pouco mais, fundamentar, para poder oferecer uma denúncia. Não tendo materialidade ou indício que realmente possa favorecer o oferecimento da denúncia, tem a posição do arquivamento (DSC estruturado dos depoimentos OPF SR 07; OPF DE 09; OP JU 11; OPF SR 15; OP SR 16; OPF DE 24; OP JU 26).

No DSC obtido para a categoria F, “Inexistência de provas”, a respeito do funcionamento do sistema de justiça, o DSC indica que existe uma dificuldade na finalização dos procedimentos legais em inquéritos e processos envolvendo a Lei Maria da Penha. Ao afirmar que “inquérito não é fácil de concluir”, está em jogo a evidência da existência dos crimes, seja por meio de laudos técnicos seja pelas testemunhas, sem o que os inquéritos perdem o objeto ou, devido a sua fragilidade, são invalidados na fase processual. Nos casos de ameaça, a inexistência de provas constitui uma dificuldade adicional porque a comprovação do crime depende de provas.

No que diz respeito à atuação dos operadores do sistema de justiça criminal,