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AMPLA DEFESA E CONTRADITÓRIO

No documento Prova judiciária e dade: enfoque (páginas 36-39)

1.7 O MODELO CONSTITUCIONAL DE PROCESSO E A PROVA JUDICIÁRIA

1.7.2 AMPLA DEFESA E CONTRADITÓRIO

O princípio da ampla defesa, bem como o princípio do contraditório, estão positivados no inciso LV, do artigo 5º, da Constituição Federal de 1988, constituindo valores complementares entre si. O princípio da ampla defesa e do contraditório, antes de encerrarem valores autônomos, estão ligados por tal grau de sinergia que na maior parte dos casos é difícil, senão impossível, tratá- los de forma separada.

É que, como bem destaca Rui Portanova:

Os princípios não têm cada qual sentido absolutamente autônomo e limites absolutamente rígidos. Muitas vezes os significados se interpenetram formando uma zona gris onde não é fácil dizer onde termina um princípio e começa outro. Pode ser, inclusive, que um seja conseqüência do outro.52

O contraditório, que está previsto como direito fundamental no rol do artigo 5.º da Carta de 88, já se encontrava ínsito na própria noção de processo. Fazzalari, em sua conceituação de processo, vincula este à idéia de contraditório, de modo que somente seja considerado processo aquele procedimento em que se possibilite às partes influir no seu resultado final53.

O princípio do contraditório, também denominado de bilateralidade da audiência, consiste, de um lado, na necessidade de dar-se conhecimento da existência da ação e de todos os atos do processo às partes, e, de outro, na possibilidade de as partes reagirem aos atos que lhe sejam desfavoráveis.

52

PORTANOVA, Rui. Princípios do processo civil. 3 ed, Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999, p. 109.

53

Assim, pode o princípio do contraditório ser sintetizado, na clássica e sempre repetida lição de Sergio La China, em dois aspectos: informazione, reazione;

necessaria sempre la prima, eventuale la senconda (ma necessario chi sai resa possibile!)54

Nessa medida, lembra José Roberto dos Santos Bedaque, que:

não se concebe contraditório real e efetivo sem que as partes possam participar da formação do convencimento do juiz, mesmo tratando-se das questões de ordem pública, cujo exame independe de provocação. O debate anterior à decisão é fundamental para conferir eficácia ao princípio.55

Entender-se diferente seria dar significado ilusório ao direito de defesa, esquecendo-se da exigência moderna de se ter um processo dialético, justo e leal, sem surpresa para os participantes.

O princípio do contraditório comanda, pois, que a decisão judicial seja construída a partir de um diálogo da causa, havido entre as partes litigantes e o juiz, o qual deve permear toda a atividade processual, de modo que a elaboração do juízo acerca da pretensão seja implementado de forma dialética e não como um monólogo judicial.

Sobre o assunto, esclarece Carlos Alberto Álvaro de Oliveira:

Exatamente em face dessa realidade cada vez mais presente na rica e conturbada sociedade de nossos tempos, em permanente mudança, ostenta-se inadequação a investigação solitária do órgão judicial. Ainda mais que o monólogo apouca necessariamente a perspectiva do observador e em contrapartida o diálogo, recomendado pelo método dialético, amplia o quadro de análise, constrange a comparação, atenua o perigo de opiniões preconcebidas e favorece a formação de um juízo mais aberto e ponderado. A faculdade concedida aos litigantes de se pronunciar e intervir ativamente no processo impede, outrossim, sujeitem-se passivamente à definição jurídica ou fática da causa efetuada pelo órgão judicial. E 54

A respeito, ver NERY JÚNIOR, Nelson. Princípios do processo na Constituição Federal. 5.ª edição, São Paulo: RT, 1999, p. 130.

55 BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Tutela de urgência e titula antecipada: tutelas sumárias e de urgência (tentativa de sistematização). São Paulo: Malheiros, 1998, p. 95.

exclui, por outro lado, o tratamento da parte como simples ‘objeto’ de pronunciamento judicial, garantindo o seu direito de atuar de modo crítico e construtivo sobre o andamento do processo e seu resultado, desenvolvendo antes da decisão a defesa das suas razões.56

O modo de exercício do contraditório, contudo, deve sempre ser verificado de acordo com a legislação infraconstitucional. Não existe um padrão constitucional rígido, que fixe a forma com que se deve dar a ciência dos atos processuais e em que momento e porque meio deve ser oportunizada reação às situações processuais consideradas gravosas para cada parte.

Contudo, o legislador infraconstitucional e o juiz não estão plenamente livres para dar o conteúdo que bem entenderem ao contraditório e à ampla defesa. Existe um núcleo essencial que sempre deve ser preservado57.

Nessa linha, o STF já decidiu:

A garantia constitucional da ampla defesa tem, por força direta da Constituição, um conteúdo mínimo, que independe da interpretação da lei ordinária que a discipline (RE 255.397, 1ª T., Pertence, DJ 07/05/04). Se a defesa argúi a denegação de prova essencial com base na Constituição e a decisão recorrida repele motivadamente a argüição, o pré- questionamento independe de menção expressa à disposição constitucional invocada. (...) Em se cuidando de RE da defesa em processo penal, a indagação do pré-questionamento perde seu relevo, dada a oportunidade de sanar, não obstante a sua falta, a coação ilegítima, mediante habeas corpus de ofício. (...) Não há afronta à garantia da ampla defesa no indeferimento de prova desnecessária ou irrelevante. (RE 345.580, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 10/09/04)

56OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro. A garantia do contraditório. Revista Prática Jurídica, Ano

III, n. 25, Abril de 2004, p 38.

57A respeito da garantia do núcleo essencial dos direitos fundamentais, ver por todos: BIAGI,

Cláudia Perotto. A Garantia do conteúdo essencial dos direitos fundamentais na jurisprudência

Esse conteúdo mínimo do direito fundamental ao contraditório tem sido entendido, pela doutrina como a garantia à efetiva participação na formação dos juízos de fato e de direito acerca da pretensão formulada pela parte58.

O alcance do direito fundamental ao contraditório e à ampla defesa, no que concerne ao seu conteúdo mínimo, bem como ao seu eterno conflito com a efetividade do processo, no sentido de se obter um processo sem dilações indevidas, desenvolve importante papel no campo probatório, especialmente quando se analisam os critérios de valoração da prova (item 3.3), o momento de inversão do ônus da prova (item 5.5), a prova nas tutelas de urgência (item 6), as limitações probatórias (item 7), as provas emprestadas (item 8) e os efeitos jurídicos da revelia (item 9).

No documento Prova judiciária e dade: enfoque (páginas 36-39)