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FUNDAMENTAÇÃO DAS DECISÕES JUDICIAIS

No documento Prova judiciária e dade: enfoque (páginas 39-42)

1.7 O MODELO CONSTITUCIONAL DE PROCESSO E A PROVA JUDICIÁRIA

1.7.3 FUNDAMENTAÇÃO DAS DECISÕES JUDICIAIS

Outro princípio que dá significado ao devido processo legal é o da fundamentação das decisões judiciais. Tal exigência, apesar de não estar positivada no rol do artigo 5º da Constituição Federal, mas sim no artigo 93, IX, constitui verdadeira garantia fundamental, pois está diretamente ligada ao postulado de dignidade da pessoa humana (supra, item 1.3), funcionando como autêntica clausula limitadora do poder estatal.

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Dentro de uma moderna visão do princípio do contraditório, em que se põe o resultado do processo, isto é, a decisão judicial, como um produto de um processo dialético de construção, não se pode aceitar que a parte seja surpreendida com uma decisão fundada em enfoque jurídico não debatido no processo. Nesse sentido, flexibiliza-se o antigo aforisma do iura novit

curia para entender-se que o juiz, apesar de ‘conhecer do direito’ não pode decidir com base

em aspectos jurídicos não debatidos no processo. Rui Portanova destaca na mesma linha de pensamento que “por princípio, as partes não podem ser surpreendidas por decisão que se apóie numa visão jurídica que não tinham percebido ou tinham considerado sem maior significado. Nesse sentido, mesmo o conhecimento de ofício, pelo juiz, deve ser precedido de prévio conhecimento da parte.”(PORTANOVA, Rui. Princípios do processo civil. 3 ed, Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999, p. 162).

Se não fosse o princípio da fundamentação das decisões jurisdicionais, a justiça estaria jungida ao mero arbítrio e aos instintos e simpatias, ou, ainda, a meras vontades do julgador59.

Dessa forma, exige-se que a decisão judicial seja fundamentada, indicando-se as razões de fato e de direito que convenceram o magistrado na formulação de seu juízo, bem como o nexo entre elas. Não é suficiente, para atender ao mandamento constitucional, o expediente, por vezes utilizado, de fundamentação por meio de expressões padrão, vazias de real significado concreto, tais como, ‘presentes os requisitos do periculum in mora e do fumus

boni iuris, defiro a liminar’. Expressões deste jaez nada dizem quanto ao caso

concreto, quer quanto à avaliação dos fatos, quer quanto ao direito, servindo, tal qual um carimbo, para todo e qualquer caso60.

Essa, inclusive, tem sido a posição do STF:

Não satisfaz a exigência constitucional de que sejam fundamentadas todas as decisões do Poder Judiciário (CF, art. 93, IX) a afirmação de que a alegação deduzida pela parte é 'inviável juridicamente, uma vez que não retrata a verdade dos compêndios legais': não servem à motivação de uma decisão judicial afirmações que, a rigor, se prestariam a justificar qualquer outra. (RE 217.631, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 24/10/97)

Contudo, não se exige que a fundamentação da decisão judicial seja exaustiva, a ponto de esgotar todas as linhas argumentativas possíveis e imagináveis para cada situação concreta. A fundamentação constitucionalmente exigida é aquela que seja suficiente para transmitir o raciocínio lógico que fundamente, do modo legítimo, a decisão judicial.

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"E inquestionável que a exigência de fundamentação das decisões judiciais, mais do que expressiva imposição consagrada e positivada pela nova ordem constitucional (art. 93, IX), reflete uma poderosa garantia contra eventuais excessos do Estado-Juiz, pois, ao torná-la elemento imprescindível e essencial dos atos sentenciais, quis o ordenamento jurídico erigi-la como fator de limitação dos poderes deferidos aos magistrados e Tribunais." (HC 68.202, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 15/03/91, p. 2647).

60Tratando especificamente da análise dos fatos, observa Barbosa Moreira: “Não basta dizer:

‘Fiquei convencido de que tal fato ocorreu’, ou ‘não fiquei convencido de que tal fato ocorreu’. Para cumprir a lei, e para ser fiel à nossa missão, é necessário dizer algo mais: porque me convenci, ou porque não me convenci, de que o fato ocorreu, ou de que, o fato não ocorreu. Isto só podemos fazer analisando a prova” (BARBOSA MOREIRA, José Carlos. O juiz e a prova. Revista de Processo, n. 35, abril - junho de 1984, p. 184).

Nesse sentido, é a jurisprudência do STF:

Fundamentação do acórdão recorrido. Existência. Não há falar em ofensa ao art. 93, IX, da CF, quando o acórdão impugnado tenha dado razões suficientes, embora contrárias à tese da recorrente. (AI 426.981-AgR, Rel. Min. Cezar Peluso, DJ 05/11/04)

Tampouco, exige-se, para o atendimento da norma constitucional, que a decisão judicial esteja sempre corretamente fundamentada. O erro de juízo (error in iudicando) não enseja ofensa ao dever de fundamentar as decisões judiciais. Certa ou errada, fundamentação judicial existe e, portanto, atendida está a norma constitucional. O erro de juízo, contudo, caso existente, deve ser corrigido pelas vias recursais apropriadas, com a reforma da decisão judicial. A ausência de fundamentação, por sua vez, não implica reforma da decisão, pois não é erro de juízo, mas sim erro de procedimento (error in procedendo) que dá azo à anulação da decisão61.

Assim, tem se manifestado o STF:

O que a Constituição exige, no art. 93, IX, é que a decisão judicial seja fundamentada; não, que a fundamentação seja correta, na solução das questões de fato ou de direito da lide: declinadas no julgado as premissas, corretamente assentadas ou não, mas coerentes com o dispositivo do acórdão, está satisfeita a exigência constitucional. (AI 402.819-AgR, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 05/09/03)

O princípio da fundamentação judicial funciona, pois, principalmente no que se refere às provas, como um importante fator legitimador do exercício do poder jurisdicional do Estado. É fato que o Poder Judiciário, por não ter seus membros escolhidos a partir de eleições pelo povo, não pode obter, como de fato não obtém, legitimidade social por meio das urnas, a mais pura das expressões da soberania popular (art. 14 da Constituição Federal).

61“Se, em qualquer das instâncias ocorreu vício de julgamento, por falta de fundamentação ou

de adequado exame das questões de fato e de direito, isso, se for verdade, configurará nulidade de caráter processual, mas não denegação de jurisdição, de molde a afrontar a norma constitucional focalizada (inc. XXXV do art. 5º da CF).” (AI 185.669-AgR, Rel. Min. Sydney Sanches, DJ 29/11/96, p. 47168).

Assim, resta ao Judiciário adquirir legitimidade pela sua atuação, cuja justificação social dá-se por meio da fundamentação de suas decisões, que devem convencer do seu acerto à sociedade e às partes.

Importante, ainda, o papel da fundamentação das decisões quando se põem em evidência o recurso, pois é somente por meio dá fundamentação que o juiz possibilita à parte conhecer os motivos da decisão, para em relação a eles se opor através do recurso.

Portanto, o conjunto formado pelos princípios da fundamentação das decisões judiciais e do contraditório configura uma das mais importantes pautas protetoras da liberdade, porque enquanto este permite que as partes tenham todas as oportunidades de convencer o juiz de que têm razão, aquele, por outro lado, exige que o juiz valore as provas produzidas, explicando quem o convenceu e porque o fez, sendo a motivação da decisão, pois, um mecanismo para se atribuir critérios objetivos à convicção do juiz.

O princípio da motivação das decisões judiciais incide determinantemente na busca da verdade no processo (item 2), na identificação do objeto da prova (item 3.2), na utilização dos critérios de valoração da prova (item 3.3. e 7.1), perpassando, ainda, todos os demais temas referentes à prova.

No documento Prova judiciária e dade: enfoque (páginas 39-42)