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PARTE III – ANÁLISE DO OBJECTO ARTÍSTICO 3.1 O filme Pesadelo

3.4 Análise do objecto musical

3.4.2 Análise cena-a-cena

Cena 1 – “Quarto Branco fechado” (1.º momento)

NP: “Pedro anda às voltas pelo quarto sempre no mesmo sentido. Acelera até começar a

correr, fica exausto e cai. Determinado, levanta-se e torna a correr, de novo, cai exausto. Tenta levantar-se mas só se consegue arrastar, até que desmaia.

Para a música das cenas passadas no “Quarto branco fechado”, cinco no total, optou-se por diferentes estratégias, não apenas em termos de instrumentação mas também de dinâmica da textura musical. Em termos de instrumentação optou-se por utilizar apenas instrumentos de percussão de altura não definida, utilizando um prato suspenso, um tam-tam e dois gongos (cenas 1, 4 e 10), acrescentando-se um timbalão na cena 7. Existe ainda um último momento referente ao “Quarto branco fechado”, correspondente à cena 12, onde não se utiliza qualquer música e que será analisado mais à frente.

Uma das intenções ao optar-se exclusivamente por instrumentos de percussão centrou-se no facto de se querer evitar conotações e influência de cariz melódico com qualquer aspecto percepcionado pelo espectador. Os timbres associados aos instrumentos de percussão garantem uma maior isenção, assim como a fuga a cânones e a probabilidade de recorrência a referências culturais em termos de obviedade de significação por parte do espectador, mantendo, inclusive, um certo grau de exotismo relativamente a sonoridades mais convencionais. A emancipação do naipe da percussão, principalmente a que diz respeito aos idiofones de altura indefinida, revelou-se essencialmente a partir de compositores avant-garde e de nomes como Edgard Varèse, Iánnis Xenákis ou John Cage, apenas para citar alguns, e encontra-se associada a linguagens menos convencionais que continuam a ser pouco familiares ao público

mainstream consumidor de cinema.

Nesta primeira cena, a música, da qual se apresenta a partitura, intervém entre o minuto 2’36’’e 4’30”84:

                                                                                                               

Figura 41 – Partitura da secção de percussão que acompanha as cenas 1, 4 e 10 (“Quarto branco fechado”).

Cena 2 – “Piquenique”

NP: “Pedro está sentado na relva junto de uma toalha de mesa, enche um copo de

plástico com sumo de laranja.”

Nesta cena não se utilizou qualquer música. O facto de esta curta cena, sem uma significação implícita e relevante para a continuidade narrativa, intercalar cenas onde o papel da música é intenso, fez com que se optasse por não utilizar qualquer música com o fim de criar um ponto de ruptura sonora. Há aqui também um peso de natureza estética justificado por uma questão de criação de contraste entre as diferentes cenas e de ambivalência de planos sonoros.

Cena 3 – “Bar”

NP: “Pedro está ao balcão de um bar, bebe um copo de whisky com gelo. Vira-se para

ver todo o bar. Vê apenas mulheres. Percorre o bar, repara que as mulheres não têm rosto. Procura um rosto nalgumas delas, começa a ficar em pânico. A sala roda.“

5’28’’- 6’42’’

O bloco de vozes utilizado, como já referimos, por sugestão da produção, acompanha os momentos em que Pedro, inquieto e perturbado, repara que as mulheres não têm rosto. Com o intuito de ilustrar tal inquietude, a música desenrola-se segundo agregados sonoros dissonantes de sobreposição de intervalos de 4.ª perfeita e 4.ª aumentada, de acordo com as seguintes combinações:

Figura. 42 – Agregados sonoros do bloco de vozes em Pesadelo.

Como podemos observar na figura, o segundo agregado obtém-se da inversão intervalar do primeiro. A sequência intervalar 6+585 do primeiro agregado torna-se em 5+6 no segundo. Em termos de percepção sonora do resultado harmónico produzido estamos perante agregados de natureza cromática típicos da linguagem utilizada pelos compositores da segunda escola de Viena, linguagem que serviu de referência na composição deste excerto. O ritmo utilizado desempenha um papel de relevo na transmissão e percepção da atmosfera criada, principalmente pela cadência e repetição motívica com que tais agregados são articulados, o que, em conjunto com os elementos visuais, pretende produzir um efeito que nos transporte para a inquietude vivida pelo personagem Pedro. A diferenciação rítmica observável no compasso 9 (figura 43) pretendeu ir ao encontro do ângulo de visão de Pedro, a partir do momento em que o espectador se apercebe do movimento circular da sala.

                                                                                                               

Outra das estratégias utilizadas foi a diferenciação acústica relativamente aos espaços onde se passam as diversas acções, optando-se por uma maior reverberação (como nas cenas no bar ou no jardim, cenas 3 e 11, respectivamente) através de uma adequação e aproximação entre acústica e espaço, em que se tentou ir ao encontro das características acústicas de um espaço com paredes em pedra, caracteristicamente reverberantes. Para conseguir tal efeito, aplicou-se aos dois excertos musicais em questão um efeito de reverberação que pudesse ilustrar as características acústicas de cada um dos espaços. No caso da cena 3, aplicou-se um efeito adequado a um espaço interior reverberante, enquanto que na cena 11, no jardim, se aplicou um efeito característico de um espaço exterior.

Cena 4 – “Quarto branco fechado” (2.º momento)

NP: “Pedro está estirado no chão com o olhar vazio na direcção do tecto.”

A música nesta cena intervém entre o minuto 6’49’’ e o 7’14’’ e é precisamente idêntica à da cena 1, tanto no que tem a ver com os propósitos e intencionalidades referentes à música como à sua concepção.

Cena 5 – “Piquenique”

NP: “Pedro está sentado de pernas cruzadas na relva a admirar a paisagem.”

A cena 5 pretende dar continuidade aos propósitos implícitos na cena 2, em que Pedro se encontra no jardim. O facto de as cenas do jardim, sem banda sonora, se encontrarem intercaladas com as cenas do “Quarto branco fechado” origina uma alternância sonora contrastante e de diferenciação de ambiente.86