• Nenhum resultado encontrado

Capítulo 6 Análise

6.2 Análise de conteúdo

A análise de conteúdo de González-Rey (1997, 2002) abre caminhos para a detecção dos significados que surgem nos processos interacionais relativos aos temas sociais abordados. Neste sentido, sua proposta contribui fortemente para a pesquisa socionômica do ser humano em relação e em situação, dentro dos pilares dos pensamentos da transcedência da codificação e da visão “objetivista” da subjetividade humana.

González-Rey (2002) mantém a expressão análise de conteúdo, porém com uma conotação construtiva e interpretativa, aberta e processual. Trata-se de uma análise de conteúdo que, a partir do material analisado, possamos produzir indicadores e, por meio deles, zonas de sentido.

O conceito de indicador visa superar o conceito de dado. Este é útil para os elementos que adquirem significação teórica, ao serem identificados como elementos concretos da pesquisa. Contudo, o indicador é uma construção capaz de gerar um significado pela relação que o pesquisador estabelece entre um conjunto de elementos. O autor sustenta que:

os indicadores são elementos que adquirem significação graças à interpretação do pesquisador, ou seja, sua significação não é acesssível de forma direta à experiência, nem aparece em sistema de correlação. Neste aspecto, o subjetivo e o objetivo

138 (utilizamos este último termo com o significado estrito de designar aquilo que provém do objeto) se integram em uma unidade indissolúvel que só tem valor dentro dos limites do processo em que é produzida. (González-Rey, 2002, p.112).

A diferença entre um dado e um indicador é que não há correspondência biunívoca: o indicador é um momento interpretativo, irredutível ao dado. O indicador pode se produzir nas relações entre os elementos, nos intrumentos, nas relações entre eles, assim como em quaisquer das situações, expressões dos sujeitos e processos surgidos nas diferentes relações que constituem o campo de pesquisa, pela combinação de informações indiretas e omitidas, na forma da resposta e nas generalizações.

Em nossa tese, os indicadores podem se produzir nas falas, nos diálogos (do sociodrama e das entrevistas), nas interações do sociodrama (entre participantes; entre participantes e equipe de pesquisa; entre personagens), nas cenas, nas imagens, nos participantes e nos personagens.

Um conjunto de indicadores faz emergir uma categoria, que permite formular hipóteses. As categorias são construções teóricas de um fenômeno, produzidas de maneira complexa e crescente no campo de trabalho. Por meio delas, acessamos zonas de sentido do sujeito estudado, que conduzirão a novas categorias que se integram às anteriores ou as negam. Os indicadores transcedem os limites da evidência e do próprio indicador produzido, possibilitando o surgimento do próximo indicador, o qual seria inacessível sem o marco de significação produzido na construção teórica.

Os indicadores, portanto, caminham para as categorias ou temas e estas para zonas de sentido. As zonas de sentido são “os espaços da realidade que se tornam inteligíveis frente ao desenvolvimento da teoria, isto é, que permanecem ocultos para o homem antes do momento teórico que permite a sua construção em forma de conhecimento” (González-Rey, 1997, p. 5). A teoria é a produção intelectual do pesquisador frente ao fenômeno.

139 Quanto ao processo de elaboração da teoria, González-Rey (2002) afirma que a indução e a dedução são mecanismos para a produção do conhecimento que representam processos ordenados e regulares. Elas expressam uma linearidade nas causas e conseqüências, objetivando legitimar uma afirmação, advinda do dado empírico, como a indução, ou da relação entre proposições teóricas, como a dedução. No entanto, o caráter regular e lógico ao qual se reduz toda afirmação teórica resultante da indução e da dedução levou González-Rey (2002) a propor o termo lógica configuracional, para dar conta dos complexos e irregulares processos envolvidos na construção teórica da pesquisa qualitativa.

O conceito de lógica configuracional “representa o processo de onde o pesquisador de forma criativa organiza a diversidade do estudado e suas idéias em eixos de produção teórica” (González-Rey, 2002, p. 132).

A lógica configuracional tenta caracterizar o processo complexo, irregular e plurideterminado de produção do conhecimento presente no campo de trabalho da pesquisa. A lógica integra as idéias do pesquisador com os fatos da realidade estudada, os quais surgem na forma de dados e indicadores, tornando ambos sínteses de natureza teórica.

Moreno (1978), em suas pesquisas e no desenvolvimento da teoria dos papéis sociais, busca compreender a articulação entre o individual e o coletivo. De forma similar, para González-Rey (1997), o pesquisador da subjetividade humana precisa estudá-la de forma simultânea em seus dois momentos constitutivos - o individual e o social. Em suas relações recíprocas, o individual e o social são constituintes e constituídos um em relação ao outro. Nesse esforço, a subjetividade social e a individual não são processos homogêneos que podem ser estudados em um mesmo nível de expressão humana, como o discurso.

140 perspectiva metodológica que exige a produção de sistemas abertos de indicadores, que nos informem simultaneamente sobre os dois níveis de constituição subjetiva, rompendo a fragmentação a que conduz a definição de instrumentos específicos e diferentes para o estudo de indivíduos em processos sociais. (p. 153).

Tanto o método de estudo de caso, quanto os instrumentos de coleta de dados, o Sociodrama e a entrevista, são fundamentais para esta tese, pois possibilitam uma fonte diferenciada que “apresenta simultaneamente a constituição subjetiva da história própria (subjetividade individual) e uma forma não repetível de subjetivação da realidade social que ao sujeito coube viver”. (González-Rey, 2002, p. 156). O indivíduo não é uma quantidade, um respondente mecânico, mas uma qualidade de singularidade, uma expressão diferenciada em processo de estudo.

Para González-Rey (1997), na análise de conteúdo, o sentido também pode surgir daquilo que não foi dito e do que não foi expresso. Em nosso estudo, por exemplo, está a tarefa da compreensão da ausência do estudante cotista no Sociodrama realizado para a tese. Os elementos não ditos, as ausências podem se constituir, portanto, em índices a serem observados na discussão dos resultados, por isso a perspicácia da interpretação do pesquisador (e dos juízes) é um aspecto importante no treinamento do analista de conteúdo.