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Segunda zona de sentido: Nos limites dos “nós”

Capítulo 7 – Discussão dos resultados

7.2 Segunda zona de sentido: Nos limites dos “nós”

Nesta zona de sentido, tentaremos ampliar a compreensão de como a afetividade compõe os processos identitários, tornando o desempenho dos papéis uma grande interligação entre o subjetivo e o intersubjetivo. Para Moreno (1974), os papéis sociais carregam os elementos coletivos que se tornam a identidade do papel e os elementos individuais que possibilitarão o processo secundário de identificação do papel. Tanto a operação psicossocial de identidade total, como a operação da diferenciação são vividas a cada encontro grupal.

171 Neste sentido, o autor afirma:

A identidade deveria ser considerada à parte do processo de identificação. Desenvolve- se antes deste último na criança pequena e atua em todas as relações intergrupais da sociedade adulta. Para a criança pequena, “eu” e “meio imediato” são a mesma coisa; não existe, para ela, uma relação eu-outro. (...) No nível adulto, para os não-negros, por exemplo, todos os negros são considerados idênticos: o negro. (...) Os negros consideram-se a si mesmos um coletivo singular: o negro, uma condição que submerge todas as diferenças individuais. (Moreno, 1974, p. 442)

A identidade é, pois, um coletivo simbólico que tem poder sobre a imaginação humana. O indivíduo e o grupo ao qual pertence vivem a contradição de terem características permanentes (que lhe dão uma identidade) e a capacidade de transformarem-se constantemente (num fluente vir-a-ser espontâneo e criativo).

Neste processo de desenvolvimento da identidade dos papéis de cotista e de universalista, num contexto inclusivo, detectamos os seguintes processos identitários: paradoxo identitário e as experiências da identidade radical, da identidade oculta e da identidade flexível.

O paradoxo identitário é um mecanismo social, vivido por indivíduos e grupos discriminados, que congrega tanto o desejo de expor a identidade, quanto o temor em expô-la, ocasionando perturbações em seu processo político de organização social. Este mecanismo também se compõe das ambivalências na vivência das identidades sociais (em nosso caso, raciais).

Há cotistas que assumem a identidade racial para o ingresso na universidade, porém não a assumem no contexto acadêmico, devido ao temor da discriminação.

172 Entrevistada cotista Nilda: Têm pessoas que entram, têm consciência, sabe? mas têm

aquele medo e aquele receio de se abrir e ser discriminado, porque nem todo mundo está preparado para isso. Nem todo mundo quer ou tem uma consciência de poder discutir isso com alguém. Então... mesmo que se reconheceram como negro, preferem se manter à margem e não entrar em discussão.

No sociodrama, ao final da dramatização, Sérgio, ao viver psicodramaticamente o Cotista, conseguiu dar voz a esta ambivalência desentimentos quanto à sua inclusão.

Personagem Cotista: Eu, ao mesmo tempo que me sinto feliz, porque apesar de tudo,

superei e precisava superar para conseguir entrar, mesmo que fosse pelo sistema de cotas... Ao mesmo tempo, eu sinto tristeza por uma colega que teve uma nota superior (e não passou). Mas, aí, entra muito em choque o meu egoísmo de querer ser bem sucedido na vida e toda minha raiva das situações que passei no passado, tanta discriminação e tudo mais! Mas desta vez eu superei. E indignação, em relação ao meu colega, também, né? Praticamente um irmão. Ele vem de uma família bem mais estruturada, mesmo assim, sofre preconceito. Não deveria mais acontecer (bate, várias vezes, uma mão na outra, que está em punho). Este preconceito deveria ser combatido a muito tempo. Eu sei deste preconceito, porque o sofri.

Este personagem limita a visão sócio-política à experiência destas emoções e as expressa com ênfase e vivacidade.

O paradoxo identitário se encontra no debate inicial do Sociodrama, quando João, ao expor sobre sua exclusão racial e defesa das cotas, demonstra um temor da crítica e ameniza o confronto.

173 João: ...sempre me vi estudando em escolas particulares, fazendo curso de inglês,

francês e tudo mais, mas sempre sozinho. Vou te perguntar: seria justo, então?... assim, o estudante negro, ele tem a sensação, de que por algum motivo ele sempre fica fora... Eu sempre me senti sozinho, muitas vezes, nos lugares. Você vai aos lugares, você está nas escolas, mas você não vê outros negros. Então, a ação afirmativa nasce neste sentido reparador.

Marcos: As cotas... vão mudando toda uma simbologia, todo um modo de perceber a

realidade. Toda uma ideologia. Os negros têm que passar a se sentir sujeitos...

Adriana: Mas, neste caso, acho que as cotas... Na minha percepção, não é uma coisa

muito interessante. Porque... muitos, podem acabar se acomodando com essa idéia, principalmente o Governo e não arrumando a base real, entendeu? ...

João: Só lembrar uma coisa. É por que a política de cotas, quando foi implantada na

década de 60, 70 nos Estados Unidos é sempre transitória. No caso da UnB, ela vai entrar em vigência por um período de 10 anos. E aí ela encerra.

Esta ambivalência atitudinal fragiliza a luta do negro, uma vez que há a idéia de que a transitoriedade pode acalmar os opositores. As entrevistas confirmam o mecanismo do paradoxo identitário, quando os entrevistados distinguem os grupos de cotistas da universidade. Há cotistas que assumem a identidade apenas para a realização do vestibular e há os que desejam lutar pela causa racial.

Entrevistada cotista Nilda: Depois que as pessoas passam no vestibular, elas não se

preocupam... assim... com temas que sejam ligados ao cotidiano, como ser cotista ou não. Esquentam com isso só na época do vestibular. Elas ficam só para os valores da

174 vida acadêmica e as preocupações com que matéria que tem que fazer, que seminário que tem que fazer, o que está fora disso acabam não percebendo ou deixando de lado... Estes se diferenciam dos que tentam mostrar a consciência da negritude e participar politicamente.

Entrevistada cotista Nilda: Têm pessoas que... assim que optam pelo sistema de cotas já

têm consciência já... de se reconhecer como negro ou negra, de entrar na universidade como negro e de continuar atuando aqui, sabe?...

O paradoxo identitário causa um transtorno psicossocial, pois paraliza a espontaneidade- criatividade do sujeito, ao situá-lo no limbo do “ser” e do “não-ser” e boicota a co-criação do movimento social, pois há grupos que se unem e grupos que se desintegram em torno desse “ser”. Este paradoxo, portanto, perturba o grupo minoritário no desenvolvimento de sua capacidade de controlar os recursos escassos da sociedade. Segundo Turner (2005), o poder é a capacidade de controlar os recursos valorizados ou desejados pelos outros. O autor afirma que as bases do poder são a identidade grupal, a história, a organização social e a ideologia, mais do que a dependência e as ações relacionadas ao poder são a persuasão, a autoridade e a coerção.

Assim como Moreno (1972), que estudou a competição produzida pelas correntes afetivas na penitenciária de Hudson, Turner (2005) pressupõe que a formação psicológica do grupo é a base do poder. Nesse trabalho, observamos que o paradoxo identitário é um mecanismo social que prejudica a formação psicológica do grupo dos negros, enfraquecendo-o no confronto social. Os medos, ansiedades e temores de viver integralmente a identidade racial favorecem a manutenção do status quo social.

No caso do Brasil, o paradoxo identitário mina ainda mais o poder dos negros, pois abrange tanto a sua consciência precária da negritude, quanto a falta de consciência da

175 “branquitude” por parte dos brancos. No confronto entre os participantes, a ideologia brasileira do paraíso racial, que banaliza a questão “quem é negro neste país?” hipnotiza opositores e favoráveis às cotas.

Adriana: ...Mas só que, na faculdade o povo fala: quando você vê um negro? Aí você vê

uma pessoa de cabelo encoracolado e fala: Esse não é negro. Entendeu?

João: É porque geralmente o sistema de cotas nasce não do fenótipo da pessoa, mas...

Adriana: Não... é muito difícil!

João: Não, não... eu sou negro e sei que muitas vezes na minha turma as pessoas vão

falar: Ah! Fulano não é negro... Mas, é porque não é pela questão do fenótipo, em si... Adriana: ...mas a UnB classifica por isso, praticamente.

João: Não, é auto-declaração.

Diretora: E tem o sistema de fotos...

Os limites de consciência racial impostos pelo paradoxo identitário contribuem para a fragilização da política afirmativa, pois não se tenta aprofundar a complexidade da identidade racial brasileira. Esta complexidade impôs aos executores da política afirmativa na UnB a concepção da banca examinadora de fotos dos candidatos ao sistema de cotas. A banca perdurou desde a implantação do sistema, no vestibular do segundo semestre de 2004, até o segundo vestibular de 2007. A mudança foi resultado de fortes críticas (Maio & Santos, 2005) e à sua repercussão negativa na sociedade, por meio da mídia. Atualmente há um processo de homologação do resultado da aprovação pelo sistema de cotas, por meio de uma entrevista ao estudante que se auto-declarou negro e optou pelo sistema.

176 Um dos principais objetivos da banca era o impedimento da fraude à política das cotas raciais. Porém, a fraude ocorreu e pessoas que não se auto-declaravam negras em suas existências, fizeram uso dessa identidade racial para conseguir benefícios. Na dramatização, a personagem Branca cotista surge para representar psicodramaticamente as pessoas que fraudaram o sistema de cotas. A introdução desta personagem foi sugerida pela ego-auxiliar Vanda que, em companhia da ego-auxiliar Amália, durante a divulgação do Sociodrama, nos corredores da UnB, conversaram com uma pessoa que fraudou a política racial.

Personagem Ego-auxiliar-Branca Cotista: Uh Uh! Eu passei!... Se não fosse o sistema

de cotas eu não tinha entrado... tenho olhos azuis e sou loira... tirei 60, a nota mínima foi 160... Mas, estou dentro!

Personagem Cotista: Como você conseguiu o sistema de cotas?

Personagem Branca Cotista: Uai... sou preta!... Eu entrei como preta...

Personagem Cotista: Espera aí, você não é preta, não...

Personagem Negro Universalista: Você se sente negra?

Personagem Branca Cotista: Não me sinto negra, não... mas foi uma oportunidade que

tive para conseguir entrar! Eu tinha esta chance, podia me declarar negra... afinal, o Brasil é um país de mestiços mesmo!...Tenho negros na minha família, minha tia é casada com um negro!

Personagem Candidata reprovada: tenho parentes negros...

Personagem Branco Universalista: O pai do meu pai é negro... Não me sinto nem um

177 Logo em seguida, o Negro universalista denuncia, com raiva e gesticulando intensamente, a cultura de corrupção do país, entranhada na política afirmativa.

Personagem Negro Universalista: Sempre esta mentalidade brasileira de privatizar o

público. Você está com uma política de benefício público e levando isso para a esfera privada. Mais uma vez, o interesse privado, da pessoa. Você está agindo em benefício próprio e não está pensando naquilo que é plural.

A aprendizagem dos novos papéis sociais de estudante cotista e de estudante universalista inclui um processo de assimilação afetiva de elementos sociais, históricos, culturais e políticos que estavam em estado caótico na sociedade. Esses elementos ao serem reordenados a partir das relações de poder (concepção, implantação e vigência de uma política afirmativa) passam a dar forma a uma nova experiência existencial.

Os papéis de cotista e de universalista revigoram, pois, os jogos de poder na sociedade, sintetizam os fatos culturais e consolidam a história. Naffah Neto (1997), ao se reportar à função estruturante da história, propõe o conceito de papel histórico, pois os papéis sociais repetem e concretizam, no âmbito micro-sociológico, as contradições, os conflitos e as oposições presentes nas classes sociais, retratando dentro da peculiaridade do vínculo (e do grupo) as dinâmicas de poder, relacionadas ao dominador-dominado.

Os papéis estudados também são históricos porque reproduzem as relações raciais. O paradoxo identitário, por exemplo, reforça a tipicidade do racismo brasileiro de ser cordial e invisível (Carone & Bento, 2002; Guimarães, 1999). Ainda, ele instiga a idéia de que todo brasileiro deve se considerar negro (apesar da impossibilidade de viver na pele o que de fato seja ser negro), com os objetivos principais de rejeitar de imediato a política de cotas, sem se aprofundar em seu mérito ou de usá-la em benefício próprio (de preferência com muita ironia).

178 O temor em acirrar os conflitos raciais (Fry, 2005; Maggie, 2001) e o desejo da sociedade de proteger o indivíduo do constrangimento que a política focal identitária lhe provoca fazem parte do paradoxo de se evitar a exposição da identidade racial, ao mesmo tempo em que muitos apontam a perversidade do silenciamento e da anulação desta identidade durante séculos. Marcos é o participante que mais tenta trazer à tona esta realidade, a todo tempo no Sociodrama.

Marcos: (Por meio da política afirmativa)... o negro vai se sentir cidadão brasileiro,

participando dos espaços de poder. E essa participação ocorre, muitas vezes, aqui, dentro da universidade. Você não vai querer que o negro se identifique somente com lados mais técnicos... vamos colocar, por exemplo, jogador de futebol, cantores, mais ligado à arte, pessoal mais ligada à sensualidade, à voz. Não, o negro tem que ocupar o espaço acadêmico, para mover uma alteração social...

As entrevistas revelam este silêncio, a invisilibidade do negro, a discriminação e a busca do contra-ataque, por meio, inclusive, da auto-estima.

Entrevistado integrante de ONG: A questão do silêncio é uma das coisas, né? Uma das

imagens do racismo moderno e do racismo brasileiro, né? Que já era moderno há muito tempo. A gente... Quem está vivendo, né? O cotista, por exemplo, percebe muito melhor essas coisas.

Entrevistada cotista Maria: ...Quando optei por cotas, não achei que era mais fácil,

achei que poderia entrar, por eu ter vindo de renda baixa, pelos meus traços, também, pelas minhas origens, pela minha família, também. Achei que merecia e poderia entrar por cotas.

179 Um sentimento parecido foi expresso pelo personagem psicodramático Cotista, o que demonstra o fator tele atuando na dramatização. A exploração da capacidade empática e intuitiva ajuda o participante e a nós todos a compreender este processo inclusivo.

Personagem Cotista: Eu não me sinto inferior porque sou negro. Passei pelo sistema de

cotas, assumo, não nego. Mas, minha realidade foi diferente de todos vocês...

A luta de poder entre grupos sociais é reforçada principalmente por meio do preconceito. No preconceito racial, quatro sentimentos estão presentes (Blumer, 1958): sentimentos de superioridade; de propriedade de certas áreas de privilégio e vantagens sociais; de que a raça subordinada é intrinsecamente diferente e estranha; de medo ou suspeita de que a raça subordinada almeje as prerrogativas da raça dominante. Acrescentamos que o paradoxo identitário fortalece esses sentimentos.

A política afirmativa racial (e provavelmente as políticas focais de identidade) produz experiências de identidade nos participantes, algumas das quais destacamos: identidade radical, identidade oculta e identidade flexível. Estas experiências podem ser vividas em determinados momentos por indivíduos ou ser características de subgrupos de cotistas ou de universalistas. Neste sentido, há grupos que vivem o processo inclusivo radicalizando a identidade, usando-a como “arma” pessoal ou coletiva para confrontar o grupo opositor, para demonstrar-lhe indiferença, isolá-lo ou para expressar intolerância e ódio.

No Sociodrama, a identidade radical esteve presente na dinâmica afetiva intergrupal de hostilidade entre os subgrupos. Esta imagem (Figura 5) mostra o personagem Negro universalista expressa seus sentimentos em reação a toda discriminação derivada do sistema de cotas exposta ao longo do evento.

180 Figura 5. Foto estilizada de um momento da dramatização

Ele olha com raiva e determinação para o grupo, coloca uma mão em punho, movimenta- a energicamente e expressa intensamente suas emoções. Os participantes olham atentamente para ele, porém não estabelecem diálogo a partir desta fala.

Personagem Negro universalista: ...Sempre um momento histórico, muitas vezes de

transformação, que acontece? Ele acarreta dúvidas, entendeu? É o mesmo sentimento de culpa que o jovem negro lá, acho que em 53 ou 63, quando foi posto em escolas brancas, todo mundo chegava e falava assim: “mas este negro aí que estudou 10 anos em escola pública de negros aqui nos Estados Unidos, que o ensino é pior, vai estar agora na minha sala, abaixando o nível!” Você sabe lá se este negro é capaz ou não? Que você sabe deste negro? Então, esse mesmo sentimento. No momento histórico há aquela

181 dúvida, para depois se constatar, mais uma vez, que não poderia ter sido definido daquele jeito. Então é um sentimento de raiva. Raiva de tá tendo que viver um negócio assim. É estar tendo que ser subjugado ou depreciado, muitas vezes.

Na entrevista, a identidade radical se desvela na busca do confronto.

Entrevistado integrante de ONG: Mas a presença das pessoas aqui tem estimulado que

elas percebam e reclamem mais do clima, questões de preconceito e visões que alguns professores colocam. Isso é legal porque mostra uma quebra da lógica do discurso. Geralmente o discurso aqui na universidade é discussão do negro enquanto objeto, as pessoas brancas e até as negras que tinham aqui não discutiam, não criticavam, não contrapunham a isso...

A identidade radical favorece que o universalista isole o negro e dê ênfase ao sofrimento pessoal, como o vivido pela personagem Candidata reprovada. Esta imagem (Figura 6), retirada nos momentos iniciais da dramatização, nos mostra a expressão de tristeza da personagem, que perdura nesta etapa.

182 Figura 6. Foto estilizada da personagem “Candidata reprovada”

A Candidata reprovada está sentada, olha para baixo, desolada, sem ânimo e com indiferença à realidade à sua volta. Seu movimento emocional demandou grande parte da atenção do grupo.

A identidade radical está presente na intensa complementaridade das falas dos universalistas, como este duplo da ego-auxiliar Vanda, que não foi censurado pela Candidata reprovada.

Ego-auxiliar Vanda (no papel da candidata reprovada): Poxa, como é frustrante,

fazer vestibular e perder o final de semana... E, aí, daqui a pouco, vejo o resultado e meu nome não está lá!...

E essa compaixão das egos-auxiliares se repete ao longo do Sociodrama, inclusive no compartilhar:

183 Ego-Auxiliar Amália: Vou falar da Adriana. Do sofrimento dela, de não conseguir sair.

A minha angústia era de te ajudar, mas você não queria sair. Queria que você dissesse: Ah! Vou abrir a porta, vou sair, procurar alguém... Vou me livrar disso. Então a minha angústia era pelo que você estava sentindo e eu não podia ajudá-la

No processo inclusivo há grupos ou momentos de experiências em que os indivíduos ocultam a identidade, se escondem, não se organizam e não participam de eventos relacionados à causa identitária. Este ocultamento favorece a não-participação dos cotistas nos eventos relacionados à questão racial e no usofruto de apoios psicossociais e acadêmicos.

Entrevistada Nilda: Já tivemos 20 vagas para estágio e são 1800 cotistas... nossa... tem

muitas pessoas para essas vagas... era para preencher todas as vagas. Mas elas ficam ociosas. As pessoas não procuram. E olha que a gente mostra pela internet, pelos e- mails. Já pregamos várias vezes cartazes, sabe? Se eles esquecem falamos de novo... Também há universalistas que ocultam sua identidade, quando apenas se preocupam com suas metas, como demonstrou Alberto, em seu personagem Branco Universalista e no final do Sociodrama.

Alberto: Mas, conheço muitas pessoas que a única preocupação é com o estudo, com as

metas próprias: o meu objetivo é passar, passei. Então, não troca papéis. Não consegue ver a história, o que aconteceu antes e o que acontece depois. Ele acaba, realmente, se isolando do resto.

O ocultamento da identidade dos universalistas também esteve presente na fala das entrevistadas, quando expõe sobre o preconceito racial.

184 Entrevistada Joana: Realmente isso acontece na universidade. Quando a gente entra

num local que tem pessoas diferentes, pessoas assim, que é assim: quando não é 8 é 80, se não é de um jeito é de outro totalmente diferente, né? Aqui, a gente encontra de tudo. Pessoas de vários tipos. Quando tem uma pessoa preconceituosa às vezes ela se sente inibida, não é? Deve pensar: “não vou insultar, estou na universidade, as pessoas vão me condenar”. Tem assim aquele sentimento e preconceito dentro de si.

Observamos, quando fomos investigar sobre a ausência do cotista no Sociodrama, aspectos do paradoxo identitário, pois há cotistas que não se expõem dentro diante do temor da discriminação racial e há outros que apenas querem usufruir do sistema e aspectos do ocultamento da identidade, quando os cotistas evitam se expor neste papel por motivos variados, principalmente, o da consciência crítica e política precárias.

A identidade se constitui, pois, do sentimento de pertença, dos laços afetivos entre as pessoas e das identificações que elas sentem em relação a diversas características que geram articulações políticas. Estas articulações ganham força quando pressionadas pelas identificações que têm sobrecarga de sentido ou de valor em relação às características usadas para estabelecer as diferenças nas relações intergrupais (Galinkin, 2003). Neste estudo, vemos a prevalência de processos identitários que perturbam o sentimento de pertença dos cotistas e as articulações políticas entre os estudantes.