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Capítulo 5 Método

5.3 Instrumentos

5.3.1.1. Elementos e etapas do Sociodrama

O Sociodrama é um método inserido em três contextos: o contexto sociocultural, o grupal e o dramático (Moreno, 1974). Os contextos social e cultural dão vida aos papéis sociais desempenhados pelos indivíduos e aos conflitos deles derivados.

O contexto grupal é o construído ao longo do evento, a partir das interações entre os participantes, que reproduzem os conflitos do contexto sociocultural. O contexto dramático é o espaço para a vivência imaginária, onde, a partir de dramatizações, os personagens revivem cenas do contexto social, buscando liberar a espontaneidade-criatividade e dar novas respostas aos conflitos vividos.

Em um ato sociodramático, existem cinco elementos (Moreno, 1974): o diretor, os egos- auxiliares, o protagonista, a platéia e o cenário. O diretor é o pesquisador-terapeuta, responsável pela produção do evento. Sua tarefa principal é produzir um aquecimento para a ação dramática que aprofunde as relações, a exposição sobre o tema e a participação dos membros do grupo. Os egos-auxiliares são os terapeutas treinados em Sociodrama que têm a função de contribuir para a explicitação do drama grupal, por meio de personagens ou participação nas técnicas solicitadas pelo diretor.

116 Segundo Moreno (1984), protagonista é o indivíduo que retrata o drama grupal e expressa o principal conteúdo do sofrimento coletivo. Porém, em nossa prática sociátrica, observamos que o protagonista também pode se apresentar na forma do tema grupal, de alguma cena ou de um personagem que emerge no contexto dramático. São formas “protagônicas” que o grupo consegue dar vida aos seus dramas. A platéia são os expectadores do drama, porém eles são mobilizados pelo diretor e pelos egos-auxiliares para que se tornem observadores-participantes do drama que lhes dizem respeito.

O espaço cênico é o espaço para a ação, um local específico onde a vivência terapêutica ocorre. A delimitação deste espaço é fundamental para que os participantes do Sociodrama distingam os contextos do evento e neles atuem adequadamente em seus papéis.

Tecnicamente, o diretor segue as etapas propostas por Moreno (2006) para que todos se mobilizem e participem do Sociodrama. Estas etapas são: aquecimento, dramatização, compartilhamento e processamento teórico (fase usada por Moreno, em psicodramas pedagógicos, porém delimitada por psicodramatistas contemporâneos).

No aquecimento, o diretor prepara os membros do grupo para o evento. Neste momento, ele pode usar diversos recursos, dentre eles, fazer uma exposição oral sobre o tema, pedido para que os participantes relatem suas experiências e pensamentos sobre o tema, usar músicas ou textos, visando a participação ativa dos sujeitos nas polêmicas e nos conflitos que emergem no encontro.

A dramatização é o momento em que se segue a regra “o sujeito (...) encena seus conflitos, em vez de falar deles” (Moreno, 2006, p. 372). Trata-se de uma vivência do tema/problema por meio de cenas ou personagens desempenhados pelos membros do grupo no espaço cênico. O diretor dirige a dramatização, por meio de técnicas de ação e da ajuda dos egos- auxiliares, visando a expressão do protagonista, a interação entre os personagens, o

117 aprofundamento dos diálogos, a explicitação do sofrimento grupal e a manifestação da maioria sobre o tema protagônico. Trata-se de uma intensa criação conjunta.

O compartilhamento é a fase na qual os sujeitos expõem sobre os sentimentos vividos no evento, compartilham emoções, identificam-se uns com os outros ou com as problemáticas tratadas. O diretor busca uma reflexão por parte de todos acerca do que aconteceu no Sociodrama.

O processamento teórico é o momento em que, após a saída dos participantes, a unidade funcional - equipe formada pelo diretor e ego(s) auxiliar(es) - faz uma leitura do que ocorreu no evento, conjugada com uma análise sociocultural relativa ao momento do grupo.

De acordo com Moreno (1983), durante a etapa da dramatização, existem algumas técnicas de ação, que podem ser usadas pelo diretor do Sociodrama e, a seu pedido, por egos- auxiliares. Dentre as técnicas fundamentais, temos: a técnica do duplo na qual o diretor ou o ego auxiliar expressa o que os membros do grupo não conseguem expressar; a técnica do espelho, nessa o diretor ou o ego-auxiliar mostra fisicamente como o grupo está em relação ao tema, ou como a cena ocorre, para que o grupo se observe; e a técnica da inversão de papéis, na qual o diretor solicita uma troca de papéis, ou seja, pede para quem esteja atuando em um papel em uma cena (ou em um subgrupo), que inverta de lugar, sinta e se comporte como o papel complementar.

Outros exemplos de recursos técnicos são: pedir para os personagens fazerem uma imagem parada - ou escultura - que expresse seus sentimentos na cena, sem palavras; pedir que algum personagem novo entre em cena; pedir para que os personagens conversem com a platéia.

Essas técnicas são utilizadas principalmente com o objetivo de resgatar a co-criação, quando o grupo apresenta sinais de co-transferências impeditivos da espontaneidade- criatividade, dentre eles, bloqueios para a resolução de problemas, resistências para o

118 aprofundamento dos conflitos e atuações de personagens fora de seus papéis sociodramáticos ou psicodramáticos.

Para a compreensão do fazer psicodramático, Monteiro (2006) sugere maior segmentação cênica da etapa de dramatização. A segmentação cênica dessa etapa corresponderia a sete fases, com características próprias e que delimitam a atuação do diretor. Em síntese: a primeira fase da dramatização é a transição do aquecimento inespecífico para o específico. A saída da verbalização para a dramatização ocorre quando o discurso não favorece ao indivíduo a compreensão de seu conflito. Uma das tarefas do diretor é ajudar o protagonista a escolher uma cena, a partir da qual se iniciará a produção dramática.

A segunda fase é a montagem da cena: o local, os personagens e a escolha de egos- auxiliares ou objetos que os representem, as referências espaço-temporais etc. É fundamental encontrar no espaço dramático qual o lugar e a função do protagonista, pois ele é o foco das interações.

A terceira fase se refere à investigação emocional das personagens que comporão o drama. Normalmente, o protagonista assume o lugar da personagem e lhe dá voz. O diretor verifica a congruência entre o conflito dramático e o conflito exposto pelo protagonista no início da fala e observa o surgimento de tramas que estavam ocultas.

A quarta fase é a ação propriamente dita. É quando o protagonista interage com os personagens de sua fantasia. Procura-se produzir um aquecimento a ponto de lhe permitir o início da expressão catártica, que pode ocorrer na cena montada ou em alguma cena regressiva de sua história, associada à atual. Monteiro (2006) observa que “o conflito pode ser resumido em aquilo que não pôde ocorrer (ser dito ou ser feito pelo protagonista) (...). Esta é a grande hora de fazer o que precisa ser feito e dizer o que precisa ser dito/ouvido.” (Monteiro, 2006, p. 114).

119 Na sexta fase, a expressão catártica diminui e o protagonista pode experimentar a catarse de integração, quando ressignifica seu conflito.

A sétima e última fase da etapa da dramatização é caracterizada pelo retorno à cena inicial e o role-playing de respostas que surgiram espontaneamente na fase anterior.

A segmentação cênica constitui-se, pois, em pequenas sub-unidades dramáticas no meio de um todo, que é a dramatização. Ela ajuda o diretor a avaliar partes espaço-temporais e oferece uma leitura da produção de sentidos, com o auxílio do olhar da pesquisa qualitativa.

Perazzo (1994) e Cukier (2002) também buscaram explicitar os passos da dramatização para a prática psicodramática. Perazzo (1994) frisou a importância da manutenção do aquecimento do protagonista e do aquecimento do próprio diretor, para que, num processo co- criativo e empático, ele contribua ativamente para a vivência terapêutica.

Cukier (2002) enfatizou a importância de o diretor acompanhar as necessidades do protagonista dentro da ação dramática. O foco, no momento da ação entre os personagens, é o sofrimento do protagonista, que será mais bem expresso, dependendo do momento, pela via emocional, atitudinal, comportamental ou da fala. A principal função da dramatização é criar oportunidade para uma revivência reparatória do drama, que também pode acontecer por meio de cenas regressivas.

No método sociodramático há os seguintes princípios fundamentais (Moreno, 1984): todos os estímulos do presente contribuem para a criação imediata, pois passado e futuro se encontram na produção atual; o processo é experimental e pioneiro para tornar a pesquisa ativa e profunda; a livre atuação complementa a associação de palavras e o espaço tridimensional, em qualquer ambiente, concretiza as vivências interiores. Esses princípios se coadunam com a epistemologia histórica-estrutural (Demo, 2000), que busca na dinâmica o que há de

120 padronizado, mas, ao mesmo tempo, tenta captar o máximo de sua fluência e das mudanças na identidade.