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Capítulo 3 Fundamentação teórica

3.5 Contribuições da Psicossociologia

3.5.2. Grupo e fenômenos grupais

Pagés (1976) afirma que um conjunto de pessoas forma um grupo, ao sentirem, de maneira peculiar, um conflito afetivo vivido por um conjunto mais vasto de pessoas do qual fazem parte. Segundo esse autor, os grupos

são fragmentações defensivas de uma relação universal inconsciente entre todos os homens. (...) Os fenômenos de grupo podem ser interpretados como sistemas de defesa coletivos contra a angústia da separação e de solidariedade inconscientes. Assim se explicam as convergências afetivas que se constatam na vida dos grupos. (pp. 315-316).

100 A natureza coletiva dos sentimentos constitui um grupo, que se fraciona em subgrupos. Seu estudo, conjugado com os das estruturas de totalidade mais ampla, indica que “o grupo parece assim um lugar privilegiado para estudar as emoções de grupos mais vastos.” (Pagés, 1976, p. 311). E, ainda, para Pagés (1976) e Moreno (1972), não há conflito entre as realidades grupo e indivíduo. A descoberta do ego depende da relação com o outro, é concomitante a ela, dela é inseparável e é fundamentada no sentimento de separação. Percebemos uma visão globalizante e com intensas e extensas interconexões entre os elementos do grupo, seus fenômenos e suas próprias fragmentações sociais.

Segundo Pagés (1976), as experiências e os conteúdos afetivos, que são fenômenos primeiros e estão no âmago da formação grupal e da psique, são: em nível superficial, a angústia de separação que é uma experiência de recusa dos outros e de si mesmo, e de ser recusado pelos outros. Depois, surge a experiência do sentimento de solidão, como condição permanente do homem; finalmente, a angústia da morte situa-se num nível mais profundo e pertence ao mundo mais defensivo da hostilidade conjugado com o amor possessivo. Em dimensão dialética e paradoxal, há os conteúdos do amor autêntico e da solidariedade. Estas experiências e conteúdos que têm formas conscientes e inconscientes geram os conflitos e as defesas fundamentais das relações humanas.

Angústia é um sofrimento que advém da negação do outro, de si mesmo e do duelo entre o outro e si mesmo; porém, é o sentimento da sensibilidade, da experiência de abertura para os outros e para si. Pagés (1976) afirma que quando se aceita a angústia, aprende-se a viver no paradoxo entre esta e o amor autêntico e resolve-se o conflito individual que opunha os termos.

O amor autêntico é o que promove a autonomia dos indivíduos e o seu pressentimento está na solidariedade que se constata nos grupos. A relação autêntica promove a relação de autoridade relativa, que mantém uma hierarquia sutil entre as pessoas, dentro do contexto do

101 poder formal resultante das atribuições de funções. É igualitária, pois abre as mesmas condições a todos os homens. Porém é vivida de forma angustiante, pois se atrela à separação inevitável entre os seres humanos.

O amor possessivo baseia-se no desejo de fusão romântica de almas, de união mística ou ainda na posse mútua dos corpos. Um caráter do amor possessivo é a instituição de uma relação privilegiada entre o amante e o ser amado, entre aquele que odeia e o que é odiado. Há uma concentração emocional, o ser amado ou odiado é o único. É uma relação fechada, que supõe uma hierarquia precisa. A hostilidade compõe o amor possessivo e pertence ao domínio de uma diferença radical, de uma alteridade tomada como absoluta com outro ou consigo próprio, no caso da hostilidade ser contra si próprio.

A relação privilegiada é uma reação de defesa, com a recusa do amor autêntico e da angústia da separação. As figuras de autoridade são pessoas ou objetos colocados sobre uma escala hierárquica. Pagés (1976), então, argumenta:

O racismo e a personalidade autoritária mergulham suas raízes no fenômeno humano universal, que é a relação privilegiada. (...) A atitude da criança que se identifica com os pais é do mesmo tipo que as atitudes racistas. Só se pode esperar atenuar o racismo, e atitudes similares, por um trabalho lento e de profundidade de desalienação e de desidentificação, que dissolva progressivamente a relação privilegiada em todas as esferas da vida social (p. 389).

As pessoas ou grupos que exercem a autoridade complementam as atitudes dos subordinados. Eles também são ambivalentes, alienam-se e identificam-se. É um dos fenômenos coletivos de convergência grupal.

102 A relação de autoridade é o centro do sistema coletivo de defesa inconsciente. Consiste numa estrutura especial de papéis sociais e de sentimentos baseados na alienação e na identificação, que ligam todos os componentes da organização.

A estrutura de autoridade, concebida como hierarquia absoluta, está ligada a uma estrutura de poder. Poder é o direito à violência, isto é, o direito, em certas circunstâncias, de impor sua vontade sem recorrer ao diálogo, em caso de oposição (...). A relação de poder é uma expressão indireta e defensiva da solidariedade, reconhecida como realidade fundamental da organização. (Pagés, 1976, pp. 406-407).

A relação de autoridade é, pois, triplamente simbólica: remete a sentimentos vividos no encontro presente, a mecanismos de defesas provenientes da história individual e a esquemas defensivos advindos da história coletiva - estruturas e instituições coletivas. O conflito coletivo vivido no aqui e agora é interpretado pelos participantes em função de sua história individual e coletiva. Essa interpretação influenciará na evolução do conflito.

O conflito e a relação de poder são, portanto, respostas à angústia. É o trabalho de dissociação entre o amor autêntico e a angústia da separação; entre a tendência a sentir a experiência viva de uma relação autêntica e a necessidade de fugir do sofrimento que a acompanha. A luta social se compõe do sentimento de compartilhar a separação, do reconhecimento simultâneo dos outros e de si mesmo, da conquista ao respeito da individualidade e das diferenças.

Observamos que esta visão de conflito se coaduna com a visão moreniana do sofrimento dos grupos em relação à experiência da hierarquia socionômica, ou das correntes psicossociológicas prejudiciais aos indivíduos. Porém, a visão de poder de Pagés se restringe ao aspecto afetivo envolvido na relação de autoridade. A socionomia entende, assim como Foucault

103 (2002), a relação de poder como constituinte dos papéis sociais (Naffah Neto, 1997), uma vez que implicam processos identitários e culturais que fragmentam os grupos.

Os conflitos interpessoais e intergrupais são meios de defesa coletivos, em plano inconsciente, contra o conflito intrapessoal (medo da morte e da destruição), compartilhado por todos os membros do grupo. Os medos, por sua vez, escondem a recusa da separação e do amor, implicado no sentimento de separação. Integrando essas concepções com as socionômicas, deduzimos que esses conflitos ocorrem na matriz sociométrica e se articulam com a realidade externa, resultando na realidade social.

Pagés (1976), ao conjugar Psicanálise e Existencialismo, nos ajuda a decifrar um pouco mais o papel da afetividade na vida dos grupos. Para o autor, a relação imediata e presente produz uma afetividade carregada de sentimentos, na maioria inconscientes, que são compartilhados, expressos e geram defesas individuais ou coletivas. Os sentimentos individuais estão, pois, ligados aos coletivos, e são, em grande parte, inconscientes.

Tomando a contribuição de Pagés (1976), entendemos que o grupo é a sede dos fenômenos de relações. O grupo se fragmentará em grupos parciais, para viver uma união solidária defensiva, por meio de um amor possessivo, fechado, gerido por uma relação privilegiada que comporta uma autoridade absoluta. O grupo parcial suportará a angústia de separação também ao segregar e hostilizar outros grupos. O grupo hostilizado está na posição do outro que ameniza a angústia da separação, exteriorizada. Porém a atenção devotada a esse grupo esconde um amor inconsciente, que busca a compaixão e a solidariedade.

Essas teorias buscam trazer para a Psicologia e para as ciências humanas e sociais, uma leitura sobre relações e grupos, não tendo a pretensão de abarcar todos os fenômenos que a elas pertencem.

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