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3 RESULTADOS E DISCUSSÕES

3.2 ASPECTOS SÓCIO-ECONÔMICOS E FINANCEIROS DOS CLIENTES E DOS EMPREENDIMENTOS FINANCIADOS

3.2.9 Análise da base de dados da dissertação de pós-graduação de Corsin

Em sua dissertação de pós-graduação, José Nélio Monteiro Corsini realizou uma pesquisa de campo com uma amostra formada por 35 clientes selecionados por critérios de acessibilidade, numa lista elaborada de forma aleatória, com 345 pessoas sorteadas entre 2491 clientes ativos do CEAPE/BA, existentes em 31 de dezembro de 2005. Foi formulado um questionário estruturado em blocos temáticos e aplicado pelo autor em visita aos locais de trabalho ou nas residências dos entrevistados durante o mês de dezembro de 2006.

Algumas conclusões da pesquisa de campo realizada por Corsini foram compatíveis com as conclusões do presente estudo, como, por exemplo, a predominância dos créditos liberados nas áreas periféricas, a média de idade relativamente elevada e a baixa escolaridade dos clientes financiados, a relação inversa entre idade e escolaridade, além da predominância do setor comercial e, em particular, do ramo de vestuário. Além disso, a pesquisa de campo constatou uma relação entre o microcrédito e a fragilidade dos empreendimentos financiados, principalmente dos empreendimentos dirigidos por mulheres. Segundo a pesquisa as operações de microcrédito, com valor médio mais baixo, financiam empreendimentos voltados para a sobrevivência das pessoas. Nessas atividades a geração do lucro é limitada pelas necessidades de alimentação, educação, moradia e saúde da família. Dessa forma é necessária uma maior cautela nesses financiamentos, visto que a prioridade desses empreendedores é a satisfação das suas necessidades primárias de sobrevivência.

O CEAPE/BA realiza formação empreendedora objetivando oferecer uma visão mais ampla sobre atividades empresariais. A partir da entrevista realizada na pesquisa de campo foi constatado que, dos 35 clientes entrevistados, cerca de 71% não participaram das atividades de capacitação promovidas pela instituição. Dessa forma, concluiu-se que a abrangência da formação é limitada, sendo que a participação foi citada apenas por um terço dos entrevistados. Lançou-se, assim, o desafio, para a organização, de colaborar na formação de

parcela mais expressiva dos clientes, visto que o desenvolvimento socioeconômico dos clientes depende muito da sua capacitação empresarial.

Com relação à modalidade das operações de microcrédito, foi observado que mais de 80% dos clientes foram financiados através do grupo solidário, baseado em garantias nas relações de solidariedade entre os membros do grupo. Na opinião da maioria dos entrevistados (cerca de 83%) não houve dificuldades para obter o crédito oferecido pelo CEAPE/BA, configurando um acesso facilitado. Contudo, os demais entrevistados citaram como obstáculos para a obtenção do crédito, a formação do grupo solidário ou a apresentação de avalista. Todavia, a própria metodologia do grupo solidário foi desenvolvida para viabilizar o fornecimento de recursos destinados as atividades produtivas da economia informal (com dificuldades de apresentar garantias reais).

A maioria dos clientes entrevistados fez a aplicação planejada do recurso, utilizando-o para comprar mercadorias, matérias-primas, materiais ou para pagamento de gastos relacionados com as atividades do negocio (33 clientes). Dessa forma, confirma-se que o microcrédito concedido é compatível com o fortalecimento da capacidade produtiva dos empreendimentos, e adequado aos propósitos do programa.

Confirmando o êxito da organização em promover acesso ao microcrédito às pessoas pobres, para fomentar atividades econômicas como estratégia de contribuir no combate a pobreza, a pesquisa cita as justificativas apresentadas por duas clientes. Uma delas disse que, após participar de um curso promovido pelo CEAPE/BA, tomou coragem para implementar a idéia de ter um negócio por conta própria. A outra, falou das necessidades de sobrevivência – “pelas condições de vida da gente, a gente não tinha uma fonte de renda, então tomamos o empréstimo para sobreviver com as atividades de um negócio”.

Com relação à contribuição do microcrédito no fomento a iniciativas de natureza familiar, a pesquisa analisou, através das respostas fornecidas pelos clientes, o benefício do atendimento para o cliente e para a sua família; a melhoria do negócio e a presença de filhos (as) na escola;

o envolvimento de familiares nas atividades empreendedoras; a compra de objetos e acesso a serviços de uso familiar; a repercussão do microcrédito nas condições da residência e a ajuda aos estudos pessoais e a orientação para a realização de negócios.

Os benefícios para o cliente e sua família, em decorrência do atendimento do CEAPE/BA foram confirmados pela maioria das respostas (cerca de 88%). Em primeiro lugar, com aproximadamente 42%, ficou o atendimento às necessidades primárias da família, seguido da melhoria do conforto da moradia (33,90%) e da experiência proporcionada aos filhos e filhas no negócio, com aproximadamente 1%. Os benefícios gerados pelo negócio fortalecem os laços sociais de natureza familiar nos empreendimentos estudados. A pesquisa investigou também a relação entre o progresso no negócio e a permanência de filhos (as) na escola. O resultado obtido foi um tanto inesperado, visto que para aproximadamente 51% dos clientes entrevistados o sucesso dos negócios não exerceram qualquer influência na educação dos filhos. Todavia, para cerca de 49% dos entrevistados, o progresso do negócio contribuiu ou para a continuidade dos estudos dos filhos ou para colocá-los na escola, confirmando a contribuição do microcrédito para a presença de crianças e adolescentes na escola. Entretanto, conforme conclusão do próprio autor é compreensível que a maioria dos entrevistados tenha afirmado que não houve qualquer influência, na medida em que pode não existir crianças e adolescentes em idade escolar em parte do universo investigado, uma vez que, na sua pesquisa, três quintos dos entrevistados tinham 40 ou mais anos de idade. Uma das clientes entrevistadas referiu-se à importância da educação para seus filhos – “não sou uma pessoa extravagante, não ando em salão de beleza. A prioridade é o investimento nos estudos dos meus filhos”.

Uma das características dos empreendimentos da economia informal é a sua natureza familiar. Com o apoio do microcrédito, promovem envolvimento de familiares nas atividades empreendedoras, tese que foi fortalecida pelo resultado das entrevistas feitas por Corsini, visto que, para mais da metade dos entrevistados, o microcrédito contribuiu no envolvimento de familiares nas atividades do empreendimento. Com um maior e adequado investimento no empreendimento proporcionado pela obtenção do microcrédito, havendo uma melhoria dos negócios, surge a necessidade de mão-de-obra, criando oportunidades de emprego para os membros da família. Contudo, aproximadamente 41% dos entrevistados afirmaram que não

houve qualquer envolvimento de familiares no negócio. Sobre essa constatação declara Corsini – “isso é plenamente compreensível, pois há um grupo de empreendimentos funcionando por conta própria, somente com o esforço pessoal de proprietários e proprietárias, ao tempo em que existem outros que não contam com qualquer ajuda de familiares”.

Conforme especificado na introdução, um dos objetivos deste trabalho monográfico é a busca de evidências da contribuição do microcrédito na melhoria das condições de vida dos empreendedores financiados. As entrevistas realizadas por Corsini confirmaram que os resultados obtidos no negócio contribuem diretamente na melhoria das condições de vida do empreendedor e de sua família, porquanto mais de quatro quintos dos entrevistados confirmaram a contribuição do crédito para a compra de objetos (como móveis, utensílios, pagamento de plano de saúde e outros) e acesso a serviços de uso familiar.

Além do microcrédito o Ceape/BA concede orientação técnica para os clientes financiados, através das visitas realizadas pelos técnicos em crédito e dos cursos de capacitação empresarial. Acerca do aproveitamento da orientação técnica promovida pelo Ceape/BA aos seus clientes foi confirmada a contribuição desta pelas respostas dos clientes entrevistados. Para aproximadamente 44% dos clientes, houve um aproveitamento positivo nas oportunidades de negócios, na segurança para comprar e vender (40,35%) e na localização de um ponto mais movimentado para o empreendimento (8,77%). Segundo 91,43% dos entrevistados, o Ceape/BA contribuiu para que estes tivessem maior facilidade para realizar as compras e melhor visão de negócios. A facilidade em realizar compras está ligada ao poder de escolha proporcionado ao cliente pelo dinheiro disponível, melhorando as condições de relacionamento com os seus fornecedores.

Todos os clientes entrevistados confirmaram a influência positiva do crédito na movimentação comercial dos seus empreendimentos. A maioria expressiva (94,29%) disse que o microcrédito permitiu aumentar a clientela e as atividades do negócio. Com relação à ampliação dos negócios do empreendimento obtida após a aplicação do microcrédito, os entrevistados disseram que o microcrédito contribuiu para maior organização do negócio (51,43%), mais facilidades para obtenção de crédito em bancos e financeiras (17,14%),

melhoria da competição na atividade (11,43%) e para ser mais conhecido na praça (5,71%). Nas questões abertas os entrevistados confirmaram a contribuição do microcrédito para a realização de compra de mercadorias à vista.

Os resultados obtidos na pesquisa confirmaram a melhoria no trabalho realizado nos empreendimentos financiados tendo em vista que, a maioria dos clientes (aproximadamente 94%), confirmou a contribuição do microcrédito no aumento e variedade do estoque, bem como na melhoria do espaço de trabalho, na administração e nas vendas. Além disso, 80% dos clientes entrevistados confirmaram a contribuição do microcrédito para o aumento da clientela dos negócios. Isso evidencia que a aplicação dos recursos nas atividades contribui para o aumento da clientela, elevando a possibilidade de sucesso do empreendimento. Com relação às vendas dos empreendimentos financiados, mais da metade dos entrevistados disseram que o crédito foi decisivo para o aumento das vendas das suas atividades e aproximadamente 31% dos clientes disseram que o crédito contribui de alguma forma (não muito). Com a aplicação dos empréstimos para capital de giro, aumenta-se a variedade das mercadorias gerando, por fim, o aumento da clientela.

A investigação também se deteve no comportamento do lucro obtido pelo investimento financiado pelo microcrédito do Ceape/BA. De acordo com os clientes entrevistados, o crédito influenciou diretamente no lucro de seus negócios, através do aumento do lucro (44,26%), do crescimento das retidas (26,23%) e pela maior regularidade do lucro obtido no empreendimento (24,59%). Essas constatações demonstram a obtenção de resultados financeiros positivos após o investimento do microcrédito nos empreendimentos financiados.

No que concerne à valorização pessoal e elevação da auto-estima dos empreendedores, aproximadamente 71% dos entrevistados confirmaram a contribuição do microcrédito para se tornarem mais independentes, para se sentirem mais seguros na tomada de decisão (22,86%) e apenas 5,71% dos clientes afirmaram que o microcrédito não contribuiu para quaisquer mudanças nesse sentido. Segundo o autor, esse aspecto é muito importante para a investigação, pelo seu significado especial no desenvolvimento na assimilação de habilidades da cultura empreendedora, fundamental na criação e na gestão dos pequenos

empreendimentos. Além disso, o aprendizado com a administração do crédito obteve todas as respostas positivas. Segundo a maioria dos clientes entrevistados, o microcrédito contribuiu para que estes tivessem maior responsabilidade nos negócios, além de obter maior habilidades para comprar, produzir, vender e até mesmo a equilibrar o fiado com vendas a vista. Dessa forma, conclui-se que a administração do crédito colabora no desenvolvimento de habilidades e características empreendedoras consideradas importantes na vida dos empreendedores, confirmando a contribuição na sua educação financeira. Sobre isso, nas respostas abertas uma cliente afirmou – “o crédito ajuda a gente a se desenvolver no negócio, dando mais condições de trabalhar”.

Na pesquisa, foi constatada também a efetiva contribuição do microcrédito na aproximação da população com as instituições bancárias. Antes de se tornar clientes do Ceape/BA, aproximadamente 66% dos clientes entrevistados já faziam movimentações financeiras e esse percentual passou para 82,86% após o financiamento, evidenciando o aumento do acesso da população mais pobre a serviços financeiros, mesmo com a persistência de barreiras no aceso ao banco, seja pelas exigências ou pelo ônus das tarifas cobradas. É importante salientar que, um pouco mais de um quarto das pessoas entrevistadas declarou o uso de outras fontes para o suprimento das necessidades do negócio, dando indícios de que o valor disponibilizado não foi suficiente para atender as expectativas de créditos dos clientes.

Por meio da pesquisa de campo realizada pelo autor, foram constatadas influências positivas do microcrédito na movimentação comercial dos empreendimentos financiados, permitindo o aumento da clientela e o crescimento das atividades do negócio. Além disso, foi verificado o avanço do acesso da população mais pobre a serviços financeiros e a movimentações bancárias. A compra de bens e acesso a bens e serviços de uso familiar, bem como a contribuição do microcrédito na conquista da dignidade humana, são características que confirmam a relação do microcrédito, combinado com capacitação técnica-empresarial com a inserção socioeconômica dos empreendedores financiados.

Na análise dos dados, ficou clara a natureza familiar das iniciativas que são apoiadas pelo microcrédito que, com a melhoria dos negócios, passam a empregar membros das suas

próprias famílias. Além disso, a maioria dos empreendedores financiados confirmou o acesso facilitado aos recursos financeiros pela facilidade na obtenção do crédito. Contudo, uma parte desses citou como obstáculo à aquisição do crédito a formação do grupo solidário ou a apresentação de avalista, fato que indica que as organizações promotoras do microcrédito devem ser motivadas a averiguar esse problema.

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