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4 Análise da Entrevista com a Dr.ª Filomena Pinheiro

Capítulo VI Análise dos Resultados

VI. 4 Análise da Entrevista com a Dr.ª Filomena Pinheiro

A entrevista com a Dr.ª Filomena Pinheiro, responsável pelo turismo na Câmara Municipal da Mealhada, foi importante para perceber o ponto de vista de quem está a planear o lado da oferta turística no âmbito concelhio, nomeadamente ao nível da importância da gastronomia para a oferta turística da Mealhada.

A entrevista decorreu num contexto bastante informal, sem um guião rígido, demorando quase uma hora.

De acordo com a Dr.ª Filomena, os responsáveis pela gestão do município têm claramente presente a relevância da gastronomia para a economia local, pois de acordo com a inquirida “800 famílias do concelho dependem do negócio associado ao leitão da Mealhada”, sendo que na maioria dos restaurantes e empresas relacionadas com este negócio “existe um espírito de empresas do tipo familiar”.

Existe uma consciência clara de que o leitão é a imagem de marca da cidade, sendo a Mealhada “a cidade na Europa com maior concentração de restaurantes”. De acordo com a Dr.ª Filomena a principal associação que as pessoas fazem à Mealhada prende-se com o leitão, sendo que para isso contribui o facto de alguns conterrâneos terem saído da cidade, para abrir restaurantes com leitão à “moda

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da Mealhada” em lugares tão diferentes como Arcos de Valdevez, Salamanca ou Paris.

A autarquia pretende não só valorizar o leitão, e para tal criou a campanha “As 4 maravilhas da mesa na Mealhada” (ver V.5), procurando valorizar o pão tradicional da região “que acompanha o leitão”, bem como o vinho da região “igualmente um excelente acompanhante” e ainda a água do Luso.

Sobre a restauração na região, a Dr.ª Filomena afirma que existem algumas preocupações, em especial “com o atendimento e o serviço de mesa”. Passando pela autarquia as queixas apresentadas nos livros de reclamações, é possível aferir as deficiências dos estabelecimentos que “devido à sazonalidade, recorrem a mão-de-obra sem qualificação” nos períodos de maior fluxo. Para enfatizar a ideia dos períodos de pico, é de referir, que por exemplo. “o Restaurante Pedro dos Leitões, nos dias de maior movimento usa um sistema de senhas de atendimento”, algo revelador da dimensão do negócio. A autarquia preocupa-se com a formação e tem alertado os empresários, mas como os lucros continuam a ser elevados a preocupação destes é diminuta. Na Mealhada existe uma escola profissional, e a autarquia já tentou uma vez junto do INFTUR estabelecer um protocolo e construir um “restaurante-escola”, mas sem sucesso para já, todavia a ideia continua em “cima da mesa”.

Outra questão que merece atenção da Câmara, prende-se com a certificação. Esta parece-lhe “impossível ou quase impossível”, pois o leitão característico da Mealhada, que lhe deu a fama, tem um tipo de criação no que respeita à alimentação, por exemplo, que tornaria o negócio pouco rentável e acima de tudo “a oferta não chegaria para a procura existente”. Quase todos os restaurantes da Mealhada têm a sua suinicultura, algumas delas no Alentejo, pelo facto de na região ser impossível com as condições pretendidas. De acordo com a Dr.ª Filomena o leitão vendido é de excelente qualidade, até provavelmente em alguns casos superior ao leitão característico, pois alguns restaurantes utilizam o “porco preto”, mas a certificação restringida a uma única raça é algo que lhe parece impossível. Outro entrave é referente à forma como o forno de lenha é

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alimentado, pois na origem “utilizavam-se vides42

”, mas hoje em dia não existem vides para tanta procura, logo recorre-se a outras alternativas.

No que respeita ao turismo, e à questão da reduzida fixação de turistas, há clara noção do problema. “A A1 foi um ganho” mas este ganho “implica essencialmente que as pessoas saem de sua casa, vêm à Mealhada, comem e vão-se embora”. Como o fluxo de pessoas é tão grande, e a economia assenta na restauração essencialmente, não há uma grande preocupação com a questão da pernoita. No concelho, os alojamentos emblemáticos estão no Luso e no Buçaco, sendo que a inquirida reforça esta ideia com a frase “Na Mealhada, muitas vezes, dizemos que a sala de jantar é a Mealhada, mas a sala de visitas é o Luso e o Buçaco”.

Existe no entanto a noção de que, no caso do termalismo, produto turístico principal do Luso, nem tudo corre bem e que são necessárias profundas mudanças, o que também parece necessário no Buçaco. Todavia, uma das grandes apostas recentes para a dinamização do turismo passa pelo desporto, pois em 2004 foi construído um amplo complexo que tem acolhido selecções em estágio. A ideia é “as pessoas visitarem a Mealhada por esses motivos desportivos e posteriormente regressarem para conhecer o restante”.

Sendo o leitão a principal atracção turística do concelho há consciência de que muito poderia ser feito, “eventos e feiras gastronómicas”, à semelhança do Alto Minho, para aumentar a projecção das valências gastronómicas do concelho e atrair turistas que não estivessem “só de passagem”. No entanto, como já referido, os empresários não sentem essa necessidade, já que “cada vez mais pessoas vêm à Mealhada” e os empresários centram-se apenas no seu negócio do “dia-a-dia”. A situação de desinteresse por parte dos empresário da restauração ao nível do desenvolvimento turístico integrado é preocupante, pois por muitos esforços que uma autarquia possa fazer, o planeamento não pode ser feito “para”, mas sim “com”, sendo que estes agentes são parte integrante do processo, e ao estarem pouco receptivos a um desenvolvimento turístico

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sustentado, poderão comprometer o futuro da Mealhada, bem como os seus próprios negócios a longo prazo.

A Câmara da Mealhada está atenta ainda ao enoturismo e à sua associação com a gastronomia. A Mealhada está inserida numa rota do vinho (Bairrada) e tem sido explorada a associação do acompanhamento da iguaria com inicialmente vinho frisante43

, e agora com o vinho espumante da região. Todavia ainda há muito trabalho a fazer na opinião da inquirida.

Da entrevista com a Dr.ª Filomena Pinheiro ressalta de facto a ideia de que a autarquia percebe claramente a importância do leitão para o turismo do concelho, no entanto existe ainda muito trabalho a fazer. Sendo um negócio que prospera, os empresários estão pouco sensibilizados para questões como a qualidade do atendimento e a promoção de um turismo gastronómico efectivo, algo que se reflecte nos entraves a uma série de eventos e de propostas que a Câmara Municipal gostaria de realizar e ver concretizadas.

Face à pouca colaboração e receptividade dos agentes ligados ao negócio da restauração, a Câmara Municipal tem procurado dinamizar novas formas de turismo, que todavia, têm sempre como complemento a gastronomia local, não existindo, ainda uma política real de turismo gastronómico.

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