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Capítulo III Gastronomia e Turismo

III. 6 Gastronomia e Desenvolvimento Regional

Segundo Ohlsson (2003), a gastronomia é hoje em dia reconhecida como aspecto importante no estudo da cultura de um povo, podendo ser considerada um elemento bastante relevante para as áreas mais rurais, no que respeita ao seu desenvolvimento.

Para Ohlsson (2003), os potenciais impactos da gastronomia devem ser encarados nas seguintes perspectivas:

 Turismo – a degustação de gastronomia regional é um ingrediente de sucesso para uma experiência de férias. Dando destaque à gastronomia regional, e ao prazer retirado da sua degustação, alguns destinos rurais poderão atrair cada vez mais turistas;

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 Interesse do consumidor – Cada vez mais a qualidade da comida é algo que preocupa os consumidores. A falta de transparência na produção de alguns alimentos “em massa” faz despertar o interesse crescente na gastronomia típica. Assim, fomentar uma relação entre produtores regionais e consumidores finais poderá dar excelentes resultados;

 Desenvolvimento de negócios – os pequenos produtores de alimentos têm vindo a perder, desde há algum tempo, a hipótese de competir com os grandes produtores. No entanto a união de pequenos produtores, baseada na oferta de produtos tradicionais com elevada qualidade, frescura, com tradição, poderá fazer com que os pequenos produtores consigam subsistir e aumentar as suas vendas;

 Promoção regional – As autoridades locais, aproveitando o crescente interesse nos produtos gastronómicos, poderão incluir na sua estratégia de desenvolvimento e promoção local estes, em local de destaque. A promoção baseada na gastronomia, aliada a eventos, pode assim aumentar os visitantes na região, e até atrair pessoas para residirem no local.

De acordo com Belo, (citado por Beer et al., 2002:214), Portugal na altura da sua entrada na UE, era considerado o país mais rural dos 12, e com menos iniciativa e espírito empreendedor. A injecção financeira através de fundos comunitários veio alterar significativamente esta situação, aumentando significativamente o empreendedorismo no meio rural, com principal destaque para o turismo em espaço rural e a valorização de produtos gastronómicos.

Com o apoio dos fundos comunitários, foram constituídas algumas associações e empresas que, com base nos recursos gastronómicos tradicionais, souberam organizar-se, colocar produtores em cooperação, estabelecer altos padrões de qualidade e desenvolver uma promoção com base na autenticidade, sendo como

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refere Beer et al. (2002), a “Quinta dos Moinhos Novos”25 ou a “Cooperativa Agrícola de Boticas26” excelentes exemplos.

Estas empresas/associações têm contribuído de uma forma notável para o desenvolvimento económico e social dos meios rurais, sobretudo em zonas mais deprimidas. Muitas destas entidades, que baseiam a sua actividade na valorização de produtos gastronómicos, conseguem empregar um significativo número de pessoas da região, contribuindo para a sua fixação e não migração para as cidades, dando-lhes alguma dignidade do ponto de vista económico. Estas entidades em muitos casos contribuem para o desenvolvimento social e cultural das regiões, quer através da pressão que vão conseguindo realizar junto de autarquias para melhoramento de acessibilidades, ou infra-estruturas básicas, quer através da construção de estruturas para a utilização da população local e seus empregados.

Outro papel importantíssimo da valorização da gastronomia é a preservação das tradições locais. Muitas das entidades acima referidas perpetuam os modos de preparação tradicionais que de outra forma ficariam perdidos no tempo, já que muitos sempre foram transmitidos apenas via oral, estando condenados ao esquecimento. Esta capitalização da sabedoria popular é a garantia da preservação da etnografia e da cultura local, e conforme afirma Simmel (citado por Barreto, 2003:43), “a continuidade e a contiguidade com o passado, permitem traçar uma linha, na qual o nosso presente se encaixe; permitem que saibamos mais ou menos quem somos e de onde viemos”, ou seja, que tenhamos uma identidade.

Um bom estudo de caso27 é a “Fundação Calcedónia”, localizada em Covide, no concelho de Terras de Bouro.

25

Situada em Póvoa do Lanhoso, sendo o principal negócio os lacticínios.

26

Concelho situado no Distrito de Vila Real

27

Na opinião do autor desta dissertação, e tendo em conta o conhecimento de causa resultante do contacto directo com esta realidade em 2004 e 2005.

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Esta Associação de uma freguesia bastante deprimida visa essencialmente:

 Valorização dos recursos locais;

 Dinamização do meio local;

 Preservação do património cultural;

 Criação de oportunidades de emprego.

Tendo estas premissas por base, um excelente exemplo é o restaurante tradicional “Cantinho do Antigamente”. Este espaço, completamente decorado como “manda a tradição”, oferece ao visitante produtos genuínos e tradicionais, garantindo a sua confecção de modo tradicional. A cozinha é acessível a todos os clientes, que podem observar a forma de preparação dos pratos gastronómicos. Procurado essencialmente por visitantes com um interesse particular na gastronomia, este restaurante tem uma taxa de ocupação elevada, sendo, por norma, necessária uma marcação. Este pequeno restaurante garante o emprego a uma equipa constituída por cerca de oito pessoas, na maioria mulheres, que de outro modo estariam desempregadas ou teriam migrado para as cidades. Paralelamente, este restaurante vende produtos tradicionais (desde enchidos a legumes) numa pequena loja situada ao lado, onde ainda é comercializado artesanato local, bem como chás para variadas doenças provenientes de ervas da região do Gerês. Grande parte das pessoas que se deslocam ao restaurante não hesitam em passar na pequena loja e adquirir produtos, sendo que muitas delas ficam fidelizadas, passando a encomendar via telefone, dando preferência a estes produtos em detrimento de outros, que podem ser mais baratos mas que não oferecem a qualidade e tradição dos primeiros.

A venda destes produtos garante ainda mais postos de trabalho na freguesia de Covide e é um excelente complemento económico para alguns agricultores e suas famílias, que assim podem auferir de um rendimento mais elevado, melhorando o seu nível de vida.

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Outra forma de potenciar a gastronomia, contribuindo para o desenvolvimento regional, é a criação de rotas gastronómicas, podendo estas “estar organizadas em função de um produto ou de um traço cultural característico” (Schlüter 2003:73). De acordo com Fagliari e Masano (2003:293), “as rotas gastronómicas são constituídas por itinerários organizados formalmente, com uma temática pré- estabelecida, permitindo reconhecer e desfrutar de forma organizada do processo produtivo agro-pecuário e da cozinha regional, oferecendo um ou mais produtos gastronómicos.” Estas rotas contribuem para o desenvolvimento local, na medida em que, segundo os autores acima citados, promovem e incrementam a venda de um determinado produto, divulgam a região, a cultura local e a sua gastronomia, ajudando ainda ao desenvolvimento económico.

Na Argentina, devido à dificuldade de comercialização de alguns produtos gastronómicos regionais, foram criadas as “Rutas Alimentarias Argentinas”, que de acordo com Barrera (citado por Schlüter, 2006:165), se focalizam principalmente em três aspectos:

 Os alimentos regionais como parte do património cultural;

 O posicionamento dos alimentos regionais;

 O turismo como meio de promoção dos alimentos regionais.

Estas rotas argentinas possuem itinerários, que permitem reconhecer e desfrutar de forma organizada do processo produtivo agro-pecuário e industrial, permitindo igualmente a degustação da cozinha regional. Os produtores recebem os turistas nos seus estabelecimentos e oferecem cozinha regional, baseada em produtos locais.

Barrera (citado por Schlüter, 2006:165) identifica nestas rotas três tipologias:

 Rotas gastronómicas por produtos – Têm por base um produto regional, por exemplo o queijo, o pão, os vinhos;

 Rotas gastronómicas por prato – Rota onde existe um determinado prato predominante com aderentes que o confeccionam, sendo a cozinha o fio condutor desta rota;

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 Rotas “étnico-gastronómicas” – Embora a gastronomia seja o mais importante, estas rotas dão ênfase ao estilo de vida dos povos autóctones, ou de imigrantes que se estabeleceram em determinado ponto do país, influenciando a gastronomia local de modo relevante.

Outro bom exemplo de colocação da gastronomia ao serviço do desenvolvimento regional é o caso das feiras e festivais gastronómicos. Em Portugal, de acordo com Beer et al. (2002), há cerca de 20 anos o Casino de Estoril começou a promover semanas gastronómicas que tiveram uma excelente receptividade. Transpondo esta ideia para outros locais, começaram a surgir por todo o país certames que atraem, segundo este autor, milhares de visitantes. Bons exemplos citados são a “Feira Gastronómica de Santarém” ou os “Domingos Gastronómicos do Alto Minho”.

Os eventos referidos possuem uma dimensão macro, nacional e até internacional, no entanto, um pouco por todos os concelhos portugueses que apresentam gastronomia de qualidade, decorrem eventos que potenciam estes recursos e que contribuem para o desenvolvimento local e regional.

De acordo com Beer et al. (2002), outro excelente exemplo ainda do contributo da gastronomia para o desenvolvimento regional são os mercados. Contudo, este autor adverte que enquanto no Reino Unido existe uma re-descoberta dos mercados regionais, em Portugal existe o perigo de ocorrer o inverso, afigurando- se importante a tomada de medidas que invertam esta tendência.