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Análise da gestão de produção

3. RESULTADOS E DISCUSSÃO

3.9 Análise da gestão de produção

Para realizar a análise da gestão de produção foram levados em conta dois aspectos: o cronograma do projeto GLP - C5+ e o gerenciamento de desempenho dos trabalhadores da empresa B.

A entrega final do empreendimento para a refinaria estava prevista para 27 de Agosto de 2015. No primeiro semestre deste ano, gestores do IER e da ATE decidiram que era possível adiantar o projeto e fizeram um aditivo ao contrato modificando o prazo para o dia 8 de Julho de 2015. No entanto a expectativa real era adiantar em cinco meses e entregar em Março de 2015. Para chegar a cumprir esse novo objetivo era necessário trabalhar na rota crítica do projeto, aquela que concentra as intervenções “vitais”. Sem o adiantamento dessas intervenções, outros trabalhos que dependiam subsequentemente delas e outras etapas da obra iriam ficando na fila de espera e portanto a obra seria atrasada. Assim, com as novas metas de entrega a desmontagem da obra deveria começar mais ou menos em Dezembro para iniciar o comissionamento em Janeiro. A instalação da válvula no coletor da esfera sete era uma dessas intervenções que faziam parte da rota crítica.

Em reuniões subsequentes entre as duas partes, também foi decidido que “H” seria o TO da ATE que iria compor a equipe de apoio para a liberação de trabalhos em campo, pois, como já foi comentado, “A” quem liderava esta atividade estava sendo deslocado para a elaboração dos novos procedimentos de operação. “H” era reconhecido amplamente na refinaria e entre alguns gestores do IER pelo seu conhecimento técnico e pela sua experiência na área. Mas também eram reconhecidas várias outras características da sua personalidade. Entre os diversos adjetivos que os trabalhadores da refinaria usaram para descrever “H” estão: generoso, colaborador, prestativo, proativo, “de por mão na massa”, “dos antigos”, dos mais experientes, apressado e “porra louca”. Estes dois últimos adjetivos são interpretados assim: “H” era um trabalhador daqueles que preferia o campo e estava acostumado a trabalhar com menos prescrições e mais autonomia, e não era daquele que pensava muito nos riscos antes de atuar. Ele recebia também o apelido

de “Highlander”30

, que é como os operadores chamam os colegas de equipe que fazem o trabalho acontecer mesmo “burlando” procedimentos e assumindo riscos31

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Em geral os trabalhadores da ATE concordam em afirmar que esta liberação requeria muito tempo e cuidado. Mas os depoimentos contraditórios que apareceram foram justamente se os gestores da ATE estavam cientes ou não que “H” iniciaria a liberação da esfera sete sem realizar a purga de água. Em geral a versão dos gestores é que eles desconheciam este aspecto e a versão de alguns técnicos é que “H” chegou a desenhar a intervenção no quadro para um dos gestores, evidenciando não só o conhecimento, mas a aprovação deste último para não utilizar água na liberação.

As intervenções, por sua vez, dependiam da “janela operativa”, que é o espaço de tempo em que o equipamento podia ficar liberado para a intervenção, pois já teria cumprido sua agenda de produção, neste caso de entrega de produtos aos clientes. Foi explorado se as janelas operativas ou outras exigências das companhias cliente teriam criado alguma pressão de tempo nas liberações das esferas, mas este aspecto foi descartado inicialmente. Na etapa de apresentação de resultados da pesquisa, surgiu uma nova versão a respeito. Representantes do sindicato trouxeram a versão de técnicos da ATE de que as companhias cliente estariam reclamando por “contaminação” do produto com água, que resultaria pelo uso de uma quantidade excessiva de agua durante a purga. Mas este aspecto não foi explorado com mais detalhe, pois o estudo de campo já havia sido conduzido.

Até aqui os resultados indicam que “H” tinha pressa de realizar a liberação: começou sem purga de água, não esperou a linha estar totalmente despressurizada, depois realizou um purga incompleta, não chamou o TS para emitir as RAS, improvisou com uma equipe de ajudantes não experientes e com um torquímetro não apropriado para a área, desligou o detector de gases... Mas, o TO que já era conhecido como apressado tinha motivações só individuais para pular todas essas etapas de segurança? O que leva a um TO a acelerar um trabalho dessa forma?

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Highlander “O guerreiro imortal” é um personagem fictício que viveu na Escócia da Idade Media 31

Depois do acidente, “H” também começou a ser chamado por alguns trabalhadores como “Dryman” ou “homen-seco”, personagem que não existe mas, que se contrapõe ao apelido de “Aquaman”

Assim se chega ao segundo aspecto analisado na gestão de produção: o gerenciamento de desempenho (GD) que a empresa B faz internamente com seus empregados. Quando um trabalhador ao final de ano recebe uma boa avaliação ou “letrinha” na GD, a sua remuneração do ano subsequente vai ter um acréscimo de 3% acima do ajuste legal. Mais a longo prazo também serve para ter promoções de cargo.

O GD é composto por oito competências organizacionais e por nove competências individuais. Entre a competência organizacional de gestão de processos aparece uma referência à segurança assim: “Gestão de qualidade total dos processos em preservação do meio ambiente, da saúde, da segurança e do patrimônio”. E entre as competências individuais não há referência específica á segurança. Os gestores explicaram que a segurança podia aparecer dentro da GD quando é incluída uma meta específica dentro de algumas das competências. Por exemplo, um trabalhador pode ter como meta desenvolver uma nova estratégia para a gestão de segurança durante o ano.

Os trabalhadores de campo reclamam principalmente que a ferramenta não oferece um acompanhamento gradual e que esta é muito subjetiva. Desde o prescrito, o gestor poderia chamar cada trimestre a seus subordinados para discutir o desempenho, mas o que acontece é que os gestores deixam para fazer a avaliação no final do ano, e este é aparentemente uma questão de falta de tempo. Como aponta um dos entrevistados: “(...) Que de tempos em tempos deveria chamar para falar com tua equipe, mas a gente não tem tempo. É outra questão que pega, o número de pessoas é insuficiente.” Por outro lado, a ferramenta seria subjetiva, pois vai depender das prioridades e valores de cada supervisor. Eles sentem que devem “cair na graça do chefe” ou fazer as coisas que ele espera para ganhar uma boa avaliação. E assim, se o supervisor for daqueles que não gostam que os trabalhos sejam parados por questões de segurança, ele vai recompensar melhor aos trabalhadores que fazem as coisas acontecerem ou “highlanders”.

O apelido “highlander” não era exclusivo do “H”, mas se repete entre vários trabalhadores, pois é usado para chamar assim a colegas que circunstancialmente fazem um trabalho acontecer mesmo assumindo os riscos. Segundo Dejours (1993)

este tipo de reconhecimento do trabalho por parte dos colegas, estaria na base da constituição das “regras de ofício” e seria essencial para a harmonia do coletivo e para a confiabilidade humana na atividade. E esta característica é também aproveitada e estimulada por vários gestores especialmente ao valorizar sempre mais o resultado das intervenções do que eventuais estratégias usadas pelos TO para parar um trabalho que não consideram seguro.

Existe então uma recompensa financeira e um poder exacerbado nas mãos dos gestores. No caso específico de “H” ele já tinha sido premiado com tantas letras “A” (avaliação máxima), que seu salário superava o de alguns dos seus supervisores. Por outro lado, entre os depoimentos, um TO conta:

Quando você não quer realizar uma liberação por acreditar que as condições não são seguras, seu chefe chama outro TO (...) aí depois todos escutam pelo rádio um “parabéns” do seu chefe para esse TO (...) já você sabe que alguém completou a liberação que você não quis fazer.

Isto significa que além da recompensa financeira e moral também existe o constrangimento para aquele trabalhador que quis dar prioridade à segurança, e que é desvalorizado. Esses desencontros entre produção e segurança também aparecem em depoimentos dos próprios gestores quando reclamam que um trabalhador “não veste a camisa da empresa”, isto significa que fica atrapalhando o desenvolvimento dos trabalhos. Enquanto outros gestores reconhecem que os acidentes ocorrem pela “correria do dia a dia”. Para ilustrar melhor este último sentimento de pressão dos prazos nas obras, é trazido um trecho de um dos gestores quando questionado de por que acredita que continuam acontecendo acidentes graves:

É até difícil a gente expor uma opinião ao respeito. Mas é difícil, não sei nem como colocar isso, mas está muito ligado com o resultado do empreendimento, com as metas do empreendimento. Algumas coisas são passadas, deixadas de lado, em pro de prazo, resultado financeiro, é isso.

Através de análise da gestão de produção aparece então um elemento em comum: a escolha de “H” como TO que iria fazer a liberação das intervenções críticas. Essa

escolha responderia por um lado à demanda do projeto de adiantar a entrega do mesmo e por outro lado, à valorização de trabalhadores que realizam liberações mais rápidas mesmo pulando etapas de segurança. Este aspecto está inserido na cultura da organização, como vai ser apresentado a seguir. A seguir é apresentada uma linha de tempo mais proximal do acidente (figura 12).

Figura 12 – Linha de tempo proximal ao acidente