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7 MERCADO DA TECELAGEM TRADICIONAL DE RESENDE COSTA:

7.1 Produção domiciliar: localização, características, produção,

7.1.3 Análise da produção domiciliar da tecelagem tradicional

O mercado da tecelagem tradicional de Resende Costa pode ser compreendido pela sua representatividade econômica, apresentada monetariamente pelas estimativas de renda por trabalhador e faturamento domiciliar. Essas consideraram os 1.045 trabalhadores que informaram a faixa de renda e os 643 entrevistados que informaram tanto a produção como o valor recebido pelo serviço prestado ou peça vendida e indicam uma possibilidade anual de renda de R$3.692.700,00 e de faturamento domiciliar de R$4.724.239,68. É bom lembrar, somente para efeitos de comparação e compreensão da grandeza desses valores para o município em foco, de que no ano de 2007 esse município recebeu como fontes orçamentárias de receita, como descrito no capítulo 6, um FPM de R$4.909.055,75, sendo sua receita orçamentária realizada de R$8.111.386,01.

A Prefeitura Municipal de Resende Costa (2009a), por meio do Setor de Cadastros, emitiu um relatório que contabilizou um total de 3.178 imóveis edificados na sede do município. Desses foram visitados 2.655, e destes aproximadamente 30% são domicílios que no seu dia a dia representam o locus da produção da tecelagem tradicional do município. A tecelagem tradicional é uma atividade econômica que, pelas estimativas apresentadas, tem a importância monetária similar à dos repasses públicos, que são as maiores fontes orçamentárias e de recursos financeiros que movimentam a economia municipal, como o Fundo de Participação Municipal (FPM). Como apresentado no capítulo 6, esse aglomerado não é uma ilha, está associado a aglomerações de empreendimentos de base artesanal que alimentam de produtos o turismo da região, que é reconhecido como a atividade econômica que influência as vendas da produção domiciliar.

Os dados apresentados sobre a produção domiciliar por meio de estatística descritiva permitem realizar conexões com algumas categorias analíticas. As funções por domicílios, apresentadas na TAB. 15, confirmam as observações de Oliveira (2006) e Pereira (2008) de que o processo de divisão continua com áreas distintas, de acordo com Parsons (1968), de grupo de indivíduos, nesse caso de

famílias em seus domicílios, que estão em mútua competição nesse território. Os dados relativos às ocupações dos trabalhadores (TAB. 22) e dos produtos (bens e serviços) dos domicílios (TAB. 31 e 32) indicam que a divisão do trabalho social nesse município avança para dar sustentação à expansão do mercado e garantir a subsistência de parte da população.

A sociedade desse município é, de acordo com Durkheim (1999), dividida pelo trabalho. Entretanto, não é regulada pelo contrato de trabalho formal, já que a produção ocorre nos domicílios de trabalhadores autônomos que, em alguns casos, já possuem trabalhadores não moradores, que possuem relações trabalhistas informais. Esse mercado não pode ser compreendido somente com a observação da divisão do trabalho social, que indica que essa sociedade está dividida, mas não mostra e nem demonstra como está regulada e, muito menos como esse mercado é organizado.

A produção domiciliar é um elo de formação do mercado da tecelagem tradicional do município. Entretanto, esse mercado não foi construído somente a partir da sua produção domiciliar. Existem outros elos que ligam o locus da produção, o domicílio, com suas necessidades de fornecimento – a origem dos materiais e equipamentos – o tear, e de escoamento – o destino da produção domiciliar para o consumo final, além de relações sociais que regulam o elo produtor – o domicílio, com o elo organizador – comerciante fornecedor e comprador. De acordo com Swedberg (2009) é possível considerar essa economia como um processo que começa na produção domiciliar, prossegue com a distribuição executada pelos comerciantes locais e consumida por turistas. Entretanto, de acordo com Polanyi (2000), a esfera econômica da distribuição dessa economia tem como forma de transmissão a troca. Portanto, de acordo com Swedberg (2009), a troca como forma de distribuição no mercado desenvolve uma dinâmica caracterizada pelo fato de que a meta final é o lucro, que é reinvestido na produção com a aquisição de insumo e teares para a produção domiciliar.

A produção domiciliar mais frequente é a prestação de serviços, seja de tecer ou preparar material, para distribuidores da produção da tecelagem tradicional do município, que para 58,56% dos entrevistados não eram somente compradores, mas também fornecedores dos materiais e para outros também proprietários dos equipamentos. Esses compradores são o elo entre a produção domiciliar e o consumo da tecelagem tradicional. Uma organização, de acordo com Paixão (1997), que é um instrumento tecnicamente ordenado de consecução de fins instrumentais, especialmente de seus proprietários. A técnica tradicional foi dividida e 68% dos entrevistados não conheciam todo o processo produtivo e eram remunerados a partir da produtividade no trabalho. Esse elo organizacional manipula fontes de insumos e de consumo da produção domiciliar, que de acordo com Crozier (1981), dá a essas organizações possibilidades de predição e resulta em possibilidades de controle e poder hierárquico, por sua posição na estrutura social desse mercado; e de perito, por serem conhecedores de toda a técnica tradicional.

Organização comerciante que na cadeia produtiva da tecelagem tradicional posiciona-se, de acordo com Gereffi e Korzeniewicz (1994), como um buyer-driver, ou seja, a cadeia produtiva desse mercado é controlada pelos comerciantes, principalmente os que associam em seus negócios o fornecimento de insumos e a compra da produção domiciliar. Essas são organizações formais que constituem, de acordo com Paixão (1997), instrumentos de implementação de papeis e remuneram economicamente os proprietários. Para tanto, de acordo com Thompson (1976), a racionalidade da organização comerciante é operacionalizada por meio de uma racionalidade técnica em atividades de entrada e saída e por atividades administrativas efetivadas por uma verdadeira organização burocrática, que de acordo com Weber (2002), efetivada por ações racionais para estabelecimento de rotinas impessoais, de divisão do trabalho dirigente e dirigido, que foi fortalecido com a rotina de entrega de insumo e coleta de produção remunerada pela produtividade individual. Entretanto, a organização burocrática de divisão do trabalho, definição de rotinas e remuneração variável em um determinado momento promoveu o atendimento da demanda, mas podem estar gerando, de acordo com Merton (1967), disfunções burocráticas que podem ser a causa do principal problema para os

trabalhadores, ou seja, a dor que sentem causada, em longo prazo, pela busca constante de melhores remunerações.

Os comerciantes que organizaram burocraticamente a tecelagem tradicional desse município no final do século XX também foram responsáveis, de acordo com Selznick (1971), de resolver seus problemas rotineiros, como a distribuição de insumos, aquisição e conseqüente remuneração por serviços. Entretanto, a introdução do retalho em substituição às linhas como o principal insumo da tecelagem tradicional foi uma decisão dinâmica com dimensões administrativas, mas também políticas, por terem moldado novos processos organizacionais e demandarem de experiência crítica. A introdução de um insumo em escala associado com a divisão do trabalho social possibilitou a produção domiciliar em escala. Essa realidade do final do século XX, em comparação com a produção doméstica têxtil que existe nesse território desde meados do século XIX, indicam que a tecelagem tradicional para os moradores locais, de acordo com Paixão (1997), pode ser uma instituição, portanto um processo de desenvolvimento de estruturas e formas coordenadas, estáveis e socialmente integradas aos padrões de ação coletiva. A organização da produção doméstica têxtil de meados do século XIX, de acordo com Selznick (1971), pode ter sido institucionalizada no final do século XX, por meio de decisões dinâmicas, que foram tomadas pelos comerciantes, que organizaram burocraticamente a produção sem modificar o locus, ou seja, a produção continua no domicílio, mesmo porque essa característica atendia aos fins de lucratividade dos proprietários dos insumos e detentores dos canais de consumo final da produção da tecelagem tradicional municipal.

A análise da produção domiciliar não possibilita, entretanto, compreender como é o perfil da organização comercial, portanto, na próxima seção, são apresentados os dados referentes aos estabelecimentos comerciais visitados, que permitem compreender um pouco mais sobre as especificidades desse ator socioeconômico do final do século XX, que organizou burocraticamente a tecelagem tradicional do município, por meio da troca mercantil, que proporcionou economia crescente nos últimos 10 anos.

7.2 Organização comercial: função, trabalhadores, comercialização e