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1.4. Resultados e Discussão

1.4.1. Análise da sequência de reconhecimento da CDK5 no PPARγ e em outros

outros substratos

Como um primeiro passo para o entendimento estrutural de como a CDK5 fosforila o PPARγ, buscou-se analisar a sequência de aminoácidos que a CDK5 reconhece no PPARγ e compará-la estruturalmente com outros substratos conhecidos de CDK5.

A CDK5 usualmente atua fosforilando substratos em resíduos serina ou treonina, sucedidos imediatamente por prolina. Por essa razão essa quinase é referida como uma serina/treonina quinase dirigida à prolina. Esse padrão pode ser observado na sequência consenso de reconhecimento de substratos de CDK5 em humanos, conforme apresentado na Figura 6. Além da presença de prolina, a CDK5 tem preferência por fosforilar substratos que contêm um aminoácido carregado positivamente (lisina ou arginina), posicionado sequencialmente 3 resíduos após (P+3) o resíduo alvo de fosforilação (P0) (Figura 6).

Figura 6 - Representação da sequência consenso de reconhecimento de substratos pela CDK5 humana.

O consenso foi gerado a partir de 122 sequências de substratos de CDK5 coletados no servidor

PhosphoSitePlus (2018) e a imagem foi criada utilizando o pacote ggseqlogo no RScript. O gráfico mostra

quão bem os resíduos são conservados em cada posição. Quanto maior a frequência de aparecimento dos resíduos, em dada posição, maior o tamanho das letras. Diferentes resíduos na mesma posição são escalados de acordo com sua frequência.

O resíduo do PPARγ alvo de fosforilação pela CDK5 é a S245, porém de forma curiosa, a posição 248 na sequência primária dessa proteína não é ocupada por um resíduo carregado positivamente, mas sim por uma valina (V248) (Tabela 1). Dada a importância do resíduo P+3 carregado positivamente em substratos de CDK5, o fato de não haver resíduo com tal característica disposto sequencialmente na posição 248 do PPARγ, sugere um mecanismo de reconhecimento estrutural, ou não-linear (seção 1.1.2).

Tabela 1 - Lista dos substratos de CDK5 na espécie humana com estruturas depositadas no banco de dados PDB.

Substratos de CDK5 PDB Sequência Resíduo alvo

Tipo de sequência de reconhecimento XDH (Xantina

desidrogenase)

2E1Q ELLRLKDTPRKQLRF T222 Continua PIK3C3 (Fosfatidilinositol

3-quinase)

3LS8 ENLDLKLTPYKVLAT T668 Continua BACE1 (β -secretase 1) 4L7G YTGSLWYTPIRREWY T191 Continua CTNNB1 (β-catenina) 2Z6H SRHAIMRSPQMVSAI S191 Não-continua PPARγ 1PRG TGKTTDKSPFVIYDM S245 Não-continua

A tabela apresenta, para cada substrato, o código de sua estrutura no PDB, a sequência de reconhecimento pela CDK5, o resíduo alvo da fosforilação e o tipo de sequência de reconhecimento. Os resíduos alvos da fosforilação estão marcados em amarelo, enquanto os resíduos linearmente dispostos como P+3 estão marcados em azul (em sequências contínuas) ou verde (em sequências não-contínuas).

Para entender a maneira específica pela qual a CDK5 reconhece o PPARγ, a estrutura cristalográfica do PPARγ foi comparada com outros quatro substratos de CDK5 que possuem estrutura cristalográfica depositadas no PDB (Tabela 1). Dentre esses quatro substratos, três possuem lisinas ou argininas ocupando linearmente a posição P+3, porém um deles (β-catenina, PDB ID: 2Z6H) é similar ao PPARγ, e não possui resíduo carregado positivamente nessa posição. O sítio de fosforilação dos 4 substratos de CDK5 e do PPARγ foi estruturalmente alinhado pelas coordenadas das serina/treonina P0 e das prolinas P+1, o que permitiu a identificação da zona na qual se localiza o resíduo P+3 (Figura 7A). Buscou-se então resíduos do PPARγ carregados positivamente que estivessem próximos a zona P+3, e dessa forma, o resíduo K261 do PPARγ foi selecionado por sua proximidade à posição P+3. De forma similar, a β- catenina que também não possui resíduo linearmente disposto na posição P+3, apresentou o resíduo K233 estruturalmente próximo a essa posição.

Figura 4 - Análise estrutural das sequências de reconhecimento de substratos da CDK5.

A, Alinhamento estrutural entre o PPARγ (PDB ID: 1PRG, estrutura secundária em verde) e outros substratos de CDK5. O resíduo alvo da fosforilação pela CDK5, S245, está representado como sticks e colorido de acordo com o substrato. Os resíduos carregados positivamente que ocupam posição P+3 em estruturas com sequência de reconhecimento contínua são apresentados como superfície, colorida de acordo com cada substrato. O resíduo K261 do PPARγ, representado como stick verde, está próximo a superfície dos resíduos P+3, assim como o resíduo K233 (stick em violeta) da β-catenina (PDB ID: 2Z6H). B, Comparação das distâncias medidas entre o átomo Cα do resíduo alvo da fosforilação e o Cα ou o NZ do resíduo P+3 em estruturas contendo sequências de fosforilação contínuas ou não-contínuas.

Adicionalmente, foi realizada a comparação do padrão de distância entre o resíduo alvo da fosforilação (P0) e os potenciais resíduos P+3. Para tal, foram medidas as distâncias entre o átomo Cα do P0 e os átomos Cα ou NZ do resíduo P+3 (Figura 7B). Entre todos os substratos de CDK5 com sequências de reconhecimento contínuas, essas medidas foram bastante similares (11,7 ± 2,4 Å para Cα-NZ e 9,0 ± 0,2 Å para Cα-Cα). De forma interessante, a distância Cα-NZ entre S245 e K261 do PPARγ na estrutura analisada foi apenas 1,4 Å maior do que a média da mesma medida em estruturas de substratos de CDK5 que apresentam sequência de reconhecimento contínua. Dessa forma, esses achados sugerem fortemente que é estruturalmente possível que o K261 adote a posição P+3 na estrutura nativa de PPARγ, propiciando uma interação apropriada com a CDK5/p25.

1.4.2.

Modelo computacional da interação entre PPARγ e CDK5/p25

Conforme descrito, o mecanismo canônico que a CDK5 utiliza para fosforilar seus substratos é bem documentado na literatura (TARRICONE et al., 2001) e, além do resíduo alvo de fosforilação precedido por uma prolina, existe a preferência por um resíduo carregado positivamente na posição P+3 da sequência de reconhecimento. Dessa forma, baseando-se nessa premissa e na identificação da K261 do PPARγ como um provável resíduo P+3 estrutural, foram criadas restrições de distância que guiaram a construção de um modelo de interação entre PPARγ e CDK5. A utilização de restrições de distância baseada em dados estruturais é bastante relevante e é uma alternativa a utilização de complexos de outras quinases com seus peptídeos inibidores como referência estrutural de interação. Foi baseando-se no complexo entre CDK2 e seu peptídeo inibidor, que foi construído o primeiro modelo de interação entre CDK5 e PPARγ (MOTTIN; SOUZA; SKAF, 2015), porém essas quinases possuem particularidades em relação ao seu mecanismo de reconhecimento de substratos, o que pode adicionar vieses ao modelo.

Dessa forma, optou-se aqui por utilizar restrições de distância baseadas em dados estruturais e no que se conhece na literatura sobre o reconhecimento de substratos de CDK5. A primeira restrição se baseou na distância entre o resíduo alvo de fosforilação S245 do PPARγ e o D126 da CDK5, que posiciona a serina para a transferência adequada do fosfato γ do ATP (ADAMS, 2001). A segunda, foi baseada na distância entre o resíduo K261 do PPARγ, proposto como resíduo P+3, e o resíduo E240 da p25, que é responsável pela especificidade da CDK5, através da realização de contato eletrostático com o resíduo P+3 do substrato (TARRICONE et al., 2001).

Para construção do modelo foram realizadas seções de docking molecular através do programa PatchDock. Outras simulações de docking foram utilizadas com sucesso, paralelamente ao período de realização do presente trabalho. Uma delas permitiu a identificação do mecanismo de interação entre o receptor de hormônio tiroidiano (TR) e a isomerase PDI, e o trabalho, em colaboração com o próprio grupo, intitulado Protein Disulfide Isomerase Modulates the

Activation of Thyroid Hormone Receptors foi publicado na revista Frontiers in Endocrinology

(Anexo 2). Outro trabalho, em colaboração com o Dr. Paulo Sérgio Lopes de Oliveira (LNBio) e o grupo do Prof. Dr. Pedro Jorge Caldas Magalhães (Universidade Federal do Ceará -UFCE) permitiu identificar o sítio de interação de nitro-derivados na enzima Guanilato Ciclase e foi publicado na revista European Journal of Pharmacoogy sob título Vasodilator effects and

putative guanylyl cyclase stimulation by 2-nitro-1-phenylethanone and 2-nitro-2-phenyl-propane- 1,3-diol on rat aorta (Anexo 3).

Figura 5 - Estruturas cristalográficas do PPARγ e soluções de docking molecular entre PPARγ e CDK5.

A, Estruturas cristalográficas do LBD de PPARγ. As estruturas estão alinhadas, com cada cor correspondendo a uma estrutura. As cores estão indicadas no painel B. B, Lista dos identificadores do banco de dados PDB referentes as estruturas de PPARγ utilizadas nos experimentos de docking molecular. O número de soluções provenientes do programa de docking estão apresentados assim como o score da melhor solução para cada estrutura. C, Representação das cinco possíveis soluções de docking utilizando a estrutura de PPARγ 1PRG. A estrutura secundária do PPARγ está colorida em verde, enquanto as superfícies da CDK5 e p25 estão em laranja e cinza, respectivamente. A interface de interação entre as soluções não é alterada de forma significante, mas pequenas diferenças podem ser observadas.

Aqui, para a construção do modelo de docking entre PPARγ e CDK5/p25, foram utilizadas 5 diferentes estruturas cristalográficas do LBD de PPARγ, todas manualmente

inspecionadas para garantir ausência de ligantes (Figura 8). Dessas 5 estruturas, 3 apresentaram soluções quando docadas na estrutura da CDK5/p25, após aplicação da restrição de distâncias. As soluções de docking foram avaliadas de acordo com o score utilizado pelo programa PatchDock e o mais bem ranqueado complexo de interação PPARγ-CDK5/p25 foi obtido quando se utilizou a cadeia B da estrutura cristalográfica 1PRG. O melhor modelo proveniente dessa estrutura foi o escolhido para análise detalhada.

A interface de interação proposta no presente modelo é similar e está de acordo com a interface previamente proposta por (MOTTIN; SOUZA; SKAF, 2015). Três principais regiões de contato do PPARγ (alça H2-H2’, alça H2’-H3 e folha-β) com a CDK5/p25 são concordantes entre os dois modelos. A alça H2-H2’ contém o resíduo S245 alvo da fosforilação e se encaixa na cavidade catalítica da CDK5, posicionamento a S245 em direção ao resíduo D126 da CDK5 e ao ATP (Figura 9A). A segunda região de contato é formada pela interação da alça existente entre as hélices H2’ e H3 do PPARγ com a alça 40s da CDK5 e com as alças α1- α2 e α3- α2 da p25. Por fim, uma terceira importante região de contato pode ser observada entre a folha-β do PPARγ e a hélice α6 da CDK5.

Porém, o modelo este apresenta importantes diferenças em relação ao anteriormente proposto (MOTTIN; SOUZA; SKAF, 2015). Primeiramente, toda estrutura do PPARγ está rotacionada em aproximadamente 21° em torno do eixo da alça H2-H2’ em comparação ao modelo previamente proposto (Figura 9A). Essa rotação aumenta a distância entre a folha-β do PPARγ e a CDK5, enquanto aproxima outras importantes regiões. Com tal reposição, a porção inicial da alça H2-H2’ (resíduos 241 ao 244 do PPARγ) se torna mais próxima da cavidade do ATP na CDK5 e a volta entre a folha S2 e S3 do PPARγ se aproxima da porção N-terminal da CDK5 (Figura 9A). Outra importante diferença em relação ao modelo anterior é a posição da alça H2’-H3 do PPARγ, que em nosso modelo é deslocada em direção a uma região da CDK5 rica em resíduos carregados negativamente (ácidos glutâmico e aspártico) (Figura 9B). Com isso, o resíduo K263 o PPARγ se posiciona de forma a fazer contato eletrostático com o D40 (OD2:D40 – NZ:K263: 2.8 Å) e o D41 (OD1:D40 – NZ:K263: 2.7 Å) da CDK5, e o resíduo K265 com os resíduos D40 (OD2:D40 – NZ:K265: 2.8 Å) e D39 (OD1:D39 – NZ:K265: 2.9 Å) da CDK5 (Figura 9B). Esse posicionamento cria uma rede de contatos eletrostático. Por sua vez, o resíduo K261 do PPARγ, que ocupa a posição P+3, aponta em direção ao E240 da CDK5, o que é uma importante similaridade entre o modelo proposto aqui e o anteriormente reportado.

Figura 6 - Modelo de interação entre PPARγ e CDK5/p25

A, Comparação da interação do PPARγ no modelo construído no presente trabalho (em verde) e no modelo previamente proposto por (MOTTIN; SOUZA; SKAF, 2015) (em magenta). As estruturas da CDK5/p25 (apresentadas como superfícies em laranja e cinza, respectivamente) de cada um dos modelos foram alinhadas pela estrutura cristalográfica do complexo CDK5/p25 (PDB ID: 1UNL). A molécula de ATP está apresentada por esferas amarelas inseridas no bolsão catalítico da CDK5. O ângulo de desvio entre o PPARγ nos dois modelos foi aproximadamente 21 º ao redor do eixo da alça H2-H2’ e foi calculado baseando-se nas α-hélices do PPARγ. Na direita estão apresentados com detalhes (setas) os desvios entre os modelos e sua consequência em relação a interação com a CDK5/p25.B, Contatos realizados pelos resíduos âncora propostos do PPARγ com a CDK5/p25 no modelo construído no presente trabalho. C, Alinhamento das estruturas de PPARγ provenientes dos dois modelos, indicando as maiores diferenças estruturais.

Em interações proteína-proteína, por vezes um dos parceiros ou ambos parceiros de interação necessitam sofrer modificações conformacionais em sua estrutura para um adequado encaixe (WANG et al., 2013). Quando as proteínas são tratadas de forma flexível, tais alterações conformacionais podem ser preditas através de métodos computacionais. Entretanto, ao mesmo tempo tais métodos podem criar distorções não reais nas proteínas parceiras, forçando o encaixe adequado entre elas. Por essa razão, optou-se aqui por utilizar conformações nativas do PPARγ

obtidas por métodos cristalográficos e tratar tanto o PPARγ quanto a CDK5 como corpos rígidos, permitindo apenas adequação das cadeias laterais através de minimização de energia. Na Figura 9C é possível observar as diferenças conformacionais, após construção do modelo de interação, entre o PPARγ proveniente do modelo apresentado aqui e o anteriormente proposto. Como a metodologia de docking molecular utilizada aqui trata o PPARγ de forma rígida, sua conformação no modelo do complexo é semelhante à cristalográfica. Por outro lado, a conformação do PPARγ no modelo anterior sofre alterações substanciais, principalmente na alça H2-H2’, na qual se encontra a S245. Nesse modelo, a alça da serina alvo da fosforilação é destacada da folha-β do PPARγ para fazer contato com o sítio catalítico da CDK5. Tal distorção é provavelmente proveniente da técnica utilizada de simulações moleculares integradas a protocolos de docking molecular, que introduz forças aos átomos da proteína, a fim de proporcionar o encaixe da mesma em um lugar pré-determinado.

A comparação entre os modelos é de grande valia principalmente por dois motivos. Em uma primeira perspectiva, a ausência de soluções de docking para certas estruturas de PPARγ indica que algumas modificações conformacionais são necessárias para o adequado encaixe do PPARγ a CDK5. Em uma segunda perspectiva, a interface de interação semelhante aos dois modelos indica que o PPARγ não precisa sofrer grandes modificações, principalmente em seu

backbone, para a adequada interação com a CDK5, diferentemente ao observado no modelo

anteriormente proposto. Dessa forma, uma conformação adequada do PPARγ para seu encaixe com a CDK5 pode existir naturalmente, sem ser necessário uma grande alteração estrutural para a interação.

Assim, apesar do modelo de interação PPARγ-CDK5/p25 proposto aqui proponha uma interface semelhante a proposta em modelo anterior (MOTTIN; SOUZA; SKAF, 2015), a organização geral do PPARγ nessa interface e a identificação de importantes contatos eletrostáticos, nunca antes descritos, mediados por lisinas do PPARγ proveem uma nova perspectiva no mecanismo de interação entre PPARγ e CDK5/p25.