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Ao término da pesquisa de campo, tínhamos um vasto material para a análise: 365 páginas no total: 176 referentes às observações e 189 às entrevistas.

Entre os meses de maio e junho de 2006, fizemos um curso sobre análise de dados de pesquisa qualitativa, na Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto, em que nos instrumentamos para o uso de um software denominado NUD*IST (RICHARD, L.; RICHARD T., 2002). Procuramos então utilizar tal conhecimento para analisar as entrevistas e observações que fizemos e, ainda, durante o curso, iniciamos o procedimento.

Em síntese, o NUD*IST (2002) é um programa que tem como propósito favorecer a análise de dados qualitativos, pois permite o trabalho com textos (entrevistas, registros de observações). Segundo Azevedo (1998, p. 149)24, “Na última década desenvolveram-se de forma acentuada um conjunto de programas de computadores para análise de dados qualitativos, existindo hoje mais de uma dezena.” Entretanto, o autor alerta que

É importante começar por referir que embora a designação mais comum para

estes programas seja a de “software para análise qualitativa de dados”, os

procedimentos que estes efectuam não são verdadeiramente analíticos mas somente facilitadores de rotinas necessárias à análise.

Salvo em obras de ficção, o computador não pode analisar os dados, somente ajudar. O tipo de ajuda depende, como é evidente, do tipo de software em questão. (AZEVEDO, 1998, p. 149).

Azevedo (1998, p. 150) aponta para uma classificação de dois tipos de programas: um que ele denomina de “programas recuperadores de texto”25 e outro, no qual inclui o NUD*IST (2002), que são os “programas para construção de uma teoria”. Segundo o autor, esses programas

[...] permitem que se estabeleçam conexões entre categorias, que se desenvolvam esquemas categoriais com vários níveis, que se formulem esquemas conceptuais e se teste a sua adequação aos dados. Estes programas estão frequentemente organizados em torno de um sistema de regras ou baseados numa lógica formal, oferecendo uma análise Booleana completa. (AZEVEDO, 1998, p. 150).

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Esse texto encontra-se escaneado no CD elaborado pela Professora Dra. Ana do Valle (FPCE-UP) para o curso Nud*Ist.

Azevedo (1998, p. 151) apresenta as possibilidades e facilidades que acompanham tais programas. Para o autor, no caso de pesquisa que comporte dados com recolha de fontes múltiplas, como a que desenvolvemos, “os programas do tipo II são mais indicados, já que permitem estabelecer conexões entre as diferentes fontes” além de “possibilitarem anexar aos extractos um ‘marcador’ que nos vai permitir saber sempre a origem da informação. Esta facilidade é importante porque oferece a possibilidade de uma abordagem de tipo hipertexto”.26

Azevedo (1998, p. 152) também assinala que programas como o NUD*IST (RICHARD, L.; RICHARD T., 2002) e outros similares, “Fazem muito mais do que simplesmente codificações, eles permitem, por exemplo, ligar notas e outras considerações analíticas a segmentos específicos do texto. O objectivo é incorporar muitas das tarefas centrais da ‘teoria enraizada’ em programas de software”.

A denominação, pelo autor, de “Teoria enraizada”, é encontrada em outras traduções como “Teoria Fundamentada nos/em dados”. Segundo Levacov27 (2007), trata-se da “Grounded Theory”, iniciada por Glaser e Strauss (1967, citado por LEVACOV, 2007) e pensada para a pesquisa de caráter qualitativo na área de Ciências Sociais, sustentada por uma metodologia de pesquisa relativamente nova a partir de uma teoria indutiva baseada na análise sistemática dos dados. Não há de antemão uma teoria a ser testada, mas, segundo Levacov (2007), há

O desejo de entender uma determinada situação e como e porque seus participantes agem de determinada maneira, como e porque determinado fenômeno ou situação se desdobra deste ou daquele modo. Através de métodos variados de coletas de dados, reúne-se um volume de informações sobre o fenômeno observado. Comparando-as, codificando-as, extraindo as regularidades, enfim, seguindo detalhados métodos de extração de sentido destas informações, o pesquisador termina então, nas suas conclusões, com algumas teorias que emergiram desta análise rigorosa e sistemática, razão pela qual a metodologia intitula-se Teoria Fundamentada nos Dados (“grounded”= apoiada, fundamentada, sustentada (pelos dados)). (LEVACOV, 2007).

Iniciamos, então, a organização dos dados recolhidos na pesquisa de campo, por intermédio do NUD*IST (RICHARD, L.; RICHARD T., 2002). Podemos estabelecer duas

26 É o que está presente em nossas análises, quando aparecem os parênteses e a indicação do número da

entrevista e das linhas correspondentes. Ex.: [Entrev 4 : 417 - 426 ]

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Trata-se de um site produzido pela professora Marília Levacov (2007), da UFRGS, com o objetivo de fornecer informações sobre a “Teoria Fundamentada” e há a indicação de links para outras páginas abordando o tema em questão.

grandes etapas nessa organização: a primeira dos “nós livres” (“free nodes”) e a segunda da “montagem da árvore” (“tree nodes”).

Na primeira etapa, portanto, abrimos um projeto no software e importamos todos os textos que faziam parte da pesquisa. Em nosso caso específico, decidimos por fazer dois projetos, um contendo todas as entrevistas e outro com todas as observações. A seguir, iniciamos o processo de leitura dos textos e começamos a codificá-los, ou seja, escolher uma palavra ou expressão capaz de designar o dado selecionado. À medida que encontrávamos uma parte julgada importante, selecionávamos e codificávamos em forma de nós livres, os chamados “free nodes” do programa e já começávamos a fazer algumas modificações nas nomeações provisórias; algumas eram eliminadas, outras eram acopladas em uma mesma denominação. Criávamos também alguns “memos”, ou seja, memorandos ou notas sobre os nós em questão, caso necessário.

Na segunda etapa, iniciamos a montagem da árvore de análise, a “tree nodes”. Pela organização do programa, a árvore deve conter primeiramente um nó denominado “base de dados” em que são transportados todos os textos da pesquisa e, posteriormente, deverá conter vários outros nós que foram formados a partir dos “nós livres”. Depois de exaustivas análises desses nós, em que os fundíamos ou os desmembrávamos, fomos organizando uma categorização para a análise.

O software possui ferramentas que favorecem a manipulação dos dados, dentre elas, o “text searches”, a pesquisa nos textos, em que podemos lançar uma expressão ou termo que desejamos localizar, o que permite uma espécie de varredura em todo o material da base de dados. Os trechos localizados aparecem em um “nó” na árvore, logo abaixo do “nó” “text searches”; e esse procedimento possibilita inferências feitas ao longo da análise. Enfim, o NUD*IST (RICHARD, L.; RICHARD T., 2002) permite, portanto, o recolhimento dos dados e sua redução, a organização em categorias e subcategorias, facilitando a interpretação e análise.

Portanto, ao encerrar a organização e análise dos dados, nos foi possível estruturar três eixos temáticos, são eles: a formação das professoras, a organização das escolas e os processos de alfabetização. Eles originaram as categorias de análise dos dados.

Para o primeiro eixo, a formação das professoras, emergiu como categoria, os processos de formação, e subcategorias: processos formalizados e processos não- formalizados. Para o segundo eixo, a organização das escolas, emergiram as categorias: contexto socioeconômico e cultural, organização do trabalho docente e rituais da cultura das escolas. E, finalmente, para o terceiro eixo, processos de alfabetização, trabalhamos com

a categoria concepções de alfabetização e as subcategorias: organização dos espaços de alfabetização e sistematização teórico-metodológica da linguagem escrita.

Essas categorias de análise favoreceram a apreensão do objeto de pesquisa e consequentemente o desenvolvimento da tese.

No próximo capítulo, relacionado ao primeiro eixo temático, formação das professoras, apresentaremos nossas reflexões sobre a formação docente e analisaremos as vias pelas quais ocorreram os processos de formação dos sujeitos da pesquisa na constituição do “ser” professora.

2 A FORMAÇÃO DAS PROFESSORAS