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Análise das estratégias de mensuração das emissões

5. DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

5.2 Análise das estratégias em relação às mudanças climáticas

5.2.1 Análise das estratégias de mensuração das emissões

A mensuração das emissões é realizada pelo Grupo Marfrig e pelo Grupo Carrefour de maneira bastante estruturada. Ambas as empresas elaboram inventários a partir da metodologia do GHG Protocol, a mais utilizada segundo Kolk et al (2008), contendo o nível de emissões desagregado por país, por unidade de negócio e por escopo, utilizam um software global para o cálculo das suas emissões agregadas, apresentam indicadores de intensidade carbônica de suas atividades e divulgam em relatórios públicos suas emissões e realizam auditoria externa sobre o inventário. A grande diferença entre ambas é o escopo considerado para a realização das emissões. Enquanto o Grupo Marfrig realiza o inventário de suas emissões dos escopos 1, 2 e 3, o Grupo Carrefour realiza o inventário apenas para os escopos 1 e 2.

Ao obterem ciência a respeito dos países ou em quais dos seus processos estão as maiores fontes de emissão, é possível planejar e priorizar investimentos e identificar as oportunidades de redução das emissões e até mesmo como pré-requisito para a obtenção de créditos de carbono (BOIRAL, 2006). O caso do Grupo Marfrig torna claro que a obtenção de créditos de carbono é essencial em sua estratégia de mitigar o risco de restrição ao nível de emissões das suas operações em países onde vier a ter ações regulatórias restritivas às emissões. É verdade que o Grupo JD pretende obter créditos de carbono da sua atividade de compostagem, contudo, uma vez que esta alternativa é desenvolvida por uma empresa de consultoria, não possibilita o desenvolvimento de competências internas na empresa em torno do processo de elaboração do inventário. Como visto nos casos do Grupo Marfrig e do Grupo Carrefour, o processo de elaboração de um inventário é complexo e envolve uma grande mobilização por parte das equipes das mais diferentes unidades e países, tendo implicado uma evolução significativa ao longo do tempo – o Grupo Marfrig apenas envolveu o escopo 3 em seu último inventário realizado.

Em relação à intensidade carbônica, houve uma significativa diferença nos dados ao se comparar o Grupo Marfrig com o Grupo Carrefour. O primeiro apresenta uma intensidade carbônica de 0,245 apenas considerando o escopo 1 e 2 ao passo que o Grupo Carrefour indicou o valor de 349. Este grande hiato decorre de diferenças metodológicas: o primeiro considera o quociente toneladas de carbono por tonelada de carne produzida e o segundo toneladas de carbono por metro quadrado de loja. Isto

implica em dificuldades de comparação entre os elos da cadeia produtiva ou até considerando a cadeia como um todo. A mensuração da intensidade carbônica com base na quantidade de emissões pelo nível de vendas, conforme Weinhofer e Hoffmann (2010) sugerem, pode ser mais adequada porque poderia refletir a intensidade carbônica da cadeia como um todo. Para isso, seria necessário, contudo, que o Grupo Carrefour conseguisse avançar em direção a inventariar as emissões de escopo 3 dos seus principais fornecedores, sem negligenciar o fato de que trabalha com dezenas de milhares de produtos diferentes. Um início promissor seria o Grupo Carrefour trabalhar com as empresas que compõem as chamadas ‘cadeias críticas’, destacadas por seu Diretor de Sustentabilidade, categoria dentro da qual se inclui a pecuária bovina.

Pode-se destacar como notável o esforço do Grupo Marfrig em mensurar as emissões da sua cadeia produtiva, haja visto que é uma ação realizada com pouca frequência pelas empresas (KOLK et al, 2008) e importa um grande desafio (SCHALTEGGER; CSUTORA, 2012). Ao se analisar as emissões do escopo 3 do Grupo Marfrig, verifica- se que correspondem a mais de 95% das emissões, refletindo a observação de Huang et al (2009) de que em algumas indústrias as emissões indiretas são amplamente superiores às emissões diretas. Isso evidencia que as empresas podem estar subdimensionando riscos ao considerar sua intensidade carbônica sem ter uma visão de toda a cadeia produtiva, considerando apenas as emissões do escopo 1 e 2. Na hipótese de ocorrer a taxação do carbono, por exemplo, a empresa pode verificar o aumento vertiginoso do custo de aquisição de insumos produtivos e produtos na sua cadeia produtiva.

A divulgação e a realização de auditoria externa dos inventários empreendidos pelo Grupo Marfrig e pelo Grupo Carrefour, também podem estar relacionadas com a busca pelo arrefecimento de pressões de stakeholders, conforme postulado por Christopher e Busch (2011), uma vez que ambas apresentaram como potencial fonte de risco o questionamento de ONGs e outros atores sobre o desempenho ambiental da empresa. Quanto ao estabelecimento de metas de redução das emissões, o Grupo Marfrig e o Grupo Carrefour apresentam. O Grupo Marfrig define metas globais relacionadas à intensidade carbônica – 100% de redução – e sobre as metas absolutas – redução de 10% das emissões em 2020 em relação ao ano base de 2010. Propôs-se como objetivo decompor suas metas para cada unidade produtiva, como sugerem Schaltegger e

Csutora (2012). O Grupo Carrefour, por sua vez, estabelece metas de redução das emissões para os países europeus como França e Espanha, notadamente, motivado pela imposição ou expectativa de imposição de regulações mais restritivas na União Europeia, corroborando o que discutem diversos autores sobre o fato das metas empresariais refletirem as metas nacionais ou internacionais (HOFFMANN; BUSCH, 2008; ENGAU; HOFFMANN, 2011; SCHALTEGGER; CSUTORA, 2012).

Despertam atenção nessas metas, contudo, o prazo com que elas tendem a ser alcançadas. Para o Grupo Marfrig, transcorridos cerca de 10% do prazo, 30% da meta já havia sido alcançada; para o Grupo Carrefour, transcorridos cerca de 18% do prazo, 25,3% da meta já havia sido cumprida. Pode haver pelo menos três possíveis interpretações para o fenômeno. Uma delas é que as empresas estão tendo um desempenho bastante satisfatório de modo a superar suas expectativas iniciais. A outra, cuja tangibilidade pode ser verificada no futuro, é de que as reduções marginais tendem a ser menores ao longo do tempo, o que significa dizer que se torna cada vez mais difícil obter uma redução adicional das emissões. Isto pode ocorrer porque a empresa tende a empregar as tecnologias mais eficientes no início ou priorizar a melhoria dos processos com maior potencial de redução das emissões, buscando um menor payback concomitantemente a um maior volume de redução das emissões. E, terceiro, as empresas podem relutar em adotar metas voluntárias mais arrojadas de redução das emissões com o temor de serem questionadas por outros stakeholders em caso de não cumprimento, considerando um processo semelhante ao descrito por Lee (2011). Concernente a isso, o Grupo Marfrig e o Grupo Carrefour manifestam explicitamente o risco de se afetar a reputação.

Outras metas indiretamente associadas à redução das emissões também são adotadas. Nesse caso, o Grupo JD/Fazenda São Marcelo possui a meta de aumento da produtividade UA/ha de 1,3 para 5 UA/ha. O Grupo Carrefour possui a meta de redução do consumo de energia de 30% até 2020 em relação ao ano base de 2004. Estas metas tendem até mesmo a ser mais frequentemente encontradas porque estão relacionadas diretamente à busca de eficiência no uso dos insumos produtivos, o que pode não ocorrer, necessariamente, quando se trata de redução das emissões, como seria o caso, por exemplo, da substituição do uso de um combustível fóssil por outro renovável: as emissões poderiam ser reduzidas, porém, com a possibilidade de aumento do custo operacional da empresa.