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Foto 9 Apresentação do espetáculo Boneco Neco e Maria Flor no Teatro Apolo

3 METODOLOGIA: COSTURANDO UMA COLCHA DE RETALHOS

3.4 ANÁLISE DAS NARRATIVAS

Eu queria decifrar as coisas que são importantes. [...] queria entender do medo e da coragem, e da gâ Que empurra a gente para fazer tantos atos, dar corpo ao suceder.

(Guimarães Rosa, 2001, p. 116)

No decorrer da análise “eu queria decifrar as coisas que são importantes”, subscrevendo a Guimarães Rosa. Então, procurei observar as individualidades e as relações de aproximação e distanciamento entre os sujeitos da pesquisa, procurando entender aspectos da prática realizada na sala de aula, dos percursos formativos e de como se sentem em relação ao ensino de Arte. Ou seja, procurei direcionar meu foco para a vida, de um modo geral, para a formação e a atuação docente. Ciente da complexidade deste empreendimento e da certeza que não posso abarcar toda gama de possibilidades que os relatos podem suscitar. Pois, “O que foi possível captar é seguramente uma parte dos movimentos profundos que só se revelam parcialmente” (MOITA, 2013, p. 134).

A análise do corpus da pesquisa, concebido por meio das narrativas (auto)biográficas de ensino de Arte, atenta à prerrogativa da “importância da pesquisa com entrevistas como um instrumento através do qual podemos desenvolver uma compreensão apurada de como as pessoas constroem e são construídas através de suas práticas discursivas” (SANTOS, 2013, p. 13), tomei como baliza os cinco níveis de interpretação do processo de investigação da pesquisa qualitativa interpretativista, do referido autor, bem como, a ideia da leitura em três tempos de Souza (2004).

Antes de chegar a esse ponto da pesquisa – corpus constituído –, no processo de coleta de dados, e quando das transcrições das entrevistas, tendo em vista as características da pesquisa qualitativa considerei que “a análise e a interpretação dos dados vão sendo feitas de forma interativa com a coleta, acompanhando todo o processo de investigação” (ALVES- MAZZOTI; GEWANDSZNAJDER, 2001, p.162). Para organizar e compreender o grande volume de dados, estabeleci um processo contínuo de tentativa de identificar e elencar possíveis padrões de repetição, temas correlatos e relações de aproximação e distanciamento entre os materiais colhidos dos participantes para compor possíveis categorias de análise.

Então, para tanto, me pautei em Fontoura e Moita (2013) que apontam uma metodologia específica ao defenderem a opção que fazem pela abordagem biográfica. De Conceição Moita, me consubstanciei nos 7 pontos a serem considerados nos procedimentos de coleta e análise dos dados, para entender que:

(1) O saber que se procura é do tipo compreensivo, hermenêutico, profundamente enraizado nos discursos dos narradores;

(2) O tipo de enfoque exclui a formulação de hipóteses a serem sujeitas a verificação, uma vez que não se procura a relação entre variáveis;

(3) O quadro de análise interpretativo das histórias de vida é elaborado de um modo coerente com o objeto de pesquisa e o “corpus” biográfico recolhido;

(4) cada história de vida, cada percurso é único. Tentar elaborar conclusões generalizáveis seria absurdo;

(5) neste processo de pesquisa impõe-se a criação de uma efetiva implicação dos participantes;

(6) A relação a ser mantida com os participantes é caracterizada pela colaboração, pela partilha, pela escuta empática, por uma situação de paridade;

De Madalena Fontoura, utilizei os seguintes procedimentos, baseados no seu “Plano Diretor”.

I) Fase de expressão livre.

I.1 Relato escrito – Corresponde a narrativa escrita de fatos relevantes das suas trajetórias de vida – em ordem cronológica ou não, que cada docente grafou sem a minha presença e no seu próprio tempo e lugar. Elas foram entregues entre os meses de outubro e novembro.

I.2 Relato gravado – Refere-se a entrevista narrativa onde a(o) professora(or) falou espontaneamente, recordando passagens da sua vida dispersas ao longo dos anos alusivas ao tema da pesquisa.

I.3 Reflexão – Neste passo, após as escutas, fiz um balanço, no fim de cada entrevista, tomei nota no diário de campo das impressões sentidas e uma síntese do caminho já percorrido.

Portanto, agora com o corpus pronto “cumpre pluralizar os olhares acumulando uma leitura diacrônica, que diz respeito apenas aos fatos, e uma leitura sincrônica, referente ao tema. Em seguida, a fim de operar a síntese dessas duas dimensões, impõe-se uma terceira leitura, de dimensão simbólica...” (DOSSE, 2015, p. 251).

A minha aderência à observação dos cinco níveis, que apresento agora, ocorreu concomitantemente com o que já foi exposto, acima, à medida que eles atendem tanto à coleta de dados como a sua análise. Os níveis de interpretação do processo de investigação da pesquisa qualitativa interpretativista compilados por William Santos (2013), baseiam-se na proposta de Riessman (1993).

1. Vivendo a experiência: refere-se à experiência vivida pelo narrador e a experiência do pesquisador de participar do momento de produção da narrativa do entrevistado [...]. O pesquisador interage na construção narrativa do entrevistado para analisar e compreender melhor a experiência contada.

2. Narrando a experiência: é a representação dos eventos organizados pela narrativa. Ao contarem suas experiências, os entrevistados realizam o trabalho de reorganizá-las, conferindo atualidades a eventos ocorridos há algumas horas ou há muitos anos do momento da narração. O ato de narrar constitui um retorno à experiência, mas não é a experiência.

3. Transcrevendo a experiência: a transcrição se constitui no texto ou na fixação da narrativa. Sem esse mecanismo, não poderíamos realizar inferências sobre como as pessoas falam (pausas, inflexões, ênfases, etc.). A transcrição, também, é uma seleção.

4. Analisando a experiência: momento em que o investigador tenta criar sentido, segundo determinados posicionamentos teóricos, a respeito daquilo que foi dito na interação entre entrevistado e narrador. O trabalho de análise, no entanto, possibilita a compreensão de determinado aspecto da existência a partir de uma perspectiva

5. Lendo a experiência: entra em pauta o leitor, que lê a versão final da pesquisa. O texto escrito é criado dentro de determinado contexto socio-histórico e tendo em vista uma audiência e uma tradição particular, podendo envolver ainda interações de poder de diversas naturezas.

Para analisar e interpretar os dados, também, tangenciei no recurso “para análise interpretativa das fontes” utilizado por Souza, “a ideia metafórica de uma leitura em três tempos, por considerar o tempo de lembrar, narrar e refletir sobre o vivido” (2004, p. 122).

-Tempo I: Pré-análise / leitura cruzada

-Tempo II: Leitura temática - Unidades de análise descritivas -Tempo III Leitura interpretativa - compreensiva do corpus

Concordando com ele, “entendo que os três tempos de análise são tomados numa perspectiva metodológica e mantém entre si uma relação de reciprocidade e dialogicidade constantes. Não vejo possibilidades de fragmentação entre os mesmos porque exigem um retorno às fontes em seus diferentes momentos” (SOUZA, 2004, p. 122-123).

Fiz uma correspondência desses três tempos, os quais chamei de “Três C”: Contatar, Conhecer, Compreender. No Tempo I, a pré-análise e a leitura cruzada –, Contato, possibilitou entender a estrutura e algumas características individuais e do grupo, tracei o perfil biográfico. Li, li outra vez, reli, os textos transcritos por mim e as narrativas escritas. Sentia a necessidade de ouvir as vozes, então, às vezes, lia e ouvia ao mesmo tempo. Essa ação, também subsidiou a análise.

No próprio ato de transcrever, com a repetição: escuta; escreve; volta a escutar, e escreve de novo. De tanto ouvir, observei caminhos já sendo apontados na construção das

categorias. Busquei, então, compreender o que e como elas emergem das narrativas e o que revelam, levando em consideração a dimensão pessoal e coletiva. Como, também, a construção de significados dentro de um contexto, o qual precisou ser observado e levado em consideração. Neste momento, após, a primeira transcrição – as transcrições ocorreram na mesma ordem da realização das entrevistas: Madona, Helena, Bernardo, Renato –, surgiram as seguintes possíveis categorias de análise:

- Concepção do ensino de Arte; - Influência da família;

- Motivação pessoal; - Respaldo na formação; - Interdisciplinaridade; - Afetividade.

Tempo II – Leitura Temática - Unidades de análise temática – Conhecer. Esta etapa articulou-se às leituras cruzadas do Tempo I porque permitiu, no imbricamento das temáticas, aparecer as aproximações e distanciamentos; os ditos e os não ditos; as “regularidades, irregularidades, particularidades e subjetividades”, segundo Souza (2004), baseado na interpretação e no possível agrupamento temático e “interpretativista” das narrativas, segundo Santos (2013). Nesta unidade de tempo, diferente do primeiro agrupamento que fiz, com uma única entrevista oral, os dados compõem as quatro narrativas orais e as quatro narrativas escritas.

Fui elencando as temáticas à medida que elas foram surgindo, sem uma arrumação prévia em categorias maiores, chamei de “material bruto”, arrumei em uma tabela e marquei com cores diferentes para aperfeiçoar o próximo agrupamento. Daí emergiram as seguintes Unidades de Análise Temática:

- Concepção do ensino de Arte ;

- Hegemonia da linguagem das artes visuais; - Destaque para o Desenho;

- Valorização do produto;

- Ensino de música/Ensino de teatro/Ensino da dança; - Dia específico para a disciplina;

- A Arte como âncora para as outras disciplinas; - Visão contextualista/Visão essencialista;

- Multidisciplinar/interdisciplinar;

- Dificuldades enfrentadas no ensino de artes;

- As crianças vêm sem estímulo das séries anteriores; - Configuração da turma;

- Falta de material;

- Comentários negativos dos pares; - Professor Polivalente;

- É necessário professor Especialista; - Professora de referência;

- Formação acadêmica exitosa; - Formação acadêmica deficitária; - Vivências marcantes;

- Formação adquirida na trajetória de vida; - Formação em outros espaços educacionais; - Formação pela rede municipal do Recife; - Docência masculina;

- Entrave com a religião; - Projetos vindos da Prefeitura; - Falta de valorização do trabalho; - Diário on-line;

- Mais espaço que contemple as Artes Visuais no Diário on-line; - Sentimento ser pedagogo e ensinar arte;

- Não conhece as linguagens artísticas; - O que causa angústia;

- O que motiva ensinar Arte.

Tempo III – Leitura interpretativa-compreensiva – Compreender. Neste passo, realizei o agrupamento das Unidades de Análise Temática (UAT) ou Unidades Descritivas (UD), em articulação com os objetivos da pesquisa, após muitas idas e vindas para as narrativas de cada uma e de cada um, observando as especificidades correspondentes.

Para tanto, produzi um quinto texto (o primeiro, segundo, terceiro e quarto texto refere-se à Madona, Helena, Bernardo e Renato, respectivamente), onde fui distribuindo os excertos de falas retirados das narrativas delas(es), correspondentes a cada uma das diferentes

unidades. Mas, atenta a dar lugar às subjetividades surgidas, pois em uma pesquisa biográfica “Com esta série de reflexões, caracterizada pela alternância entre o tema e o método, procuramos de igual modo contribuir para a redefinição do espaço tradicionalmente ocupado pelo afeto” (FONTOURA, 2013, p. 173).

A organização das Unidades de Análise Temática nesta etapa abarca a tentativa de arrumar a estrutura de análise, ou melhor, compreender, sintetizar e combinar em um conjunto delimitado, uma gama enorme de conteúdos contidos nas narrativas de vida das(os) quatro participantes relacionados ao ensino de Arte. Esta tarefa demandou debruçar-me incansavelmente em uma via de mão dupla entre os textos e a análise.

Destarte a experiência adquirida nos constantes retornos aos cinco textos, possibilitou perceber que as categorias consideradas não aglutinam todo o corpus constituído e tampouco representam partes dissociáveis de um todo, elas foram estudadas e entendidas nesta coletânea, e compõem uma, entre tantas possíveis, apresentação do que foi justaposto, associado ou combinado a partir das várias narrativas, parafraseando Fontoura (2013).

Também foi possível compreender, ao fazer a leitura compreensiva-interpretativa, e concordância com Ben-Peretz que “a análise crítica das recordações e o diálogo público sobre experiências do passado proporcionam a atribuição de sentido aos acontecimentos profissionais” (2013, p. 201).

Analisei como cada uma(um) atribui sentido ao ensino da Arte, tendo como aporte as experiências do passado em relação à família, à formação, à cultura, que se reencontram no presente nesta microrrelação social, que é a sala de aula. Compreendi que trazer à tona as recordações representa acionar a parte vital e fundamental que impulsiona para organizar o mundo interior, criando uma conexão entre o mais individual e o coletivo. Permitindo, assim, aflorar um modo de estar na docência por inteiro. É um momento de expansão da consciência. Então, para apresentar o entendimento da complexidade das narrativas de Madona, Helena, Bernardo e Renato sobre o ensino de Arte, dentro de uma determinada estruturação, as categorias de análise foram divididas em dois grandes eixos – Prática Realizada no Cotidiano da Sala de Aula e Percurso Formativo, e estes em outros tópicos, os quais compõem os capítulos 3 e 4.