• Nenhum resultado encontrado

Este trabalho de arte-terapia desenvolvido no grupo terapêutico me permitiu encontrar algumas respostas à vivência no social, o que foi visto em suas opiniões sobre as diferentes obras desenvolvidas. Valorizamos o grupo como uma importante opção terapêutica para os pacientes tomarem contato com suas emoções, etapa indispensável para sua individuação e posterior inclusão social.

A arte-terapia no grupo esteve inserida, num contexto multidisciplinar. Os trabalhos de pinturas (releituras) desenvolvidos junto aos grupos não foram individuais, mas sim pinturas coletivas, através das quais foram trabalhados sentimentos e emoções dos pacientes. Essas atividades trouxeram resultados altamente positivos aos grupos e a cada paciente individualmente, com significativas melhoras no sentido de suas observações do mundo externo, vivência de sentimentos e verbalização dos mesmos através de diferentes linguagens.

Afirma Monteiro (2009) que para Jung o artista, ao pintar, está plasmando a si mesmo, pois o que pinta são fantasias ativas do que está mobilizado dentro de si, assim como em sonhos. Por meio dessas imagens, é possível estabelecer um intercâmbio com o inconsciente, pois elas desempenham uma função compensadora, autorregulam posições conscientes unilaterais.

Após cada pintura apresentada, serão expressas as opiniões de alguns pacientes do grupo terapêutico, como forma de excercício de sua impressão, observação e de expressão de seus sentimentos, tomando assim contato com seu mundo interno, algo indispensável para a construção de sua identidade

Ao final de cada obra, procuro dar uma avaliação subjetiva sobre os sentimentos e emoções despertados nos pacientes e suas respectivas representações gráficas, suas subjetividades, que, em alguns momentos, ficam claramente evidenciadas nas suas falas, possibilitando, assim, que num contexto de ensino e aprendizagem possam aprender a sentir suas emoções e nomeá-las, isto é, apoderar-se das mesmas em um contexto reflexivo no grupo terapêutico.

Antes de iniciar a apresentação das obras dos pacientes e a análise de conteúdo subjetivo presente em suas observações, em suas emoções e em seus sentimentos, considero adequado examinar alguns conceitos básicos sobre a arte- terapia.

Arte-terapia como linguagem possibilita expressar emoções dentro de um grupo terapêutico por suas representações gráficas.

Sobre a relação entre arte-terapia e linguagem, trago inicialmente o inovador pensamento de Silveira:

Um dos caminhos menos difíceis que encontrei para o acesso ao mundo interno do esquizofrênico foi dar-lhe a oportunidade de desenhar, pintar ou modelar com toda liberdade. Nas imagens assim configuradas teremos auto-retratos da situação psíquica, imagens muitas vezes fragmentadas, extravagantes, mas que ficam aprisionadas no papel, tela ou barro, poderemos sempre voltar a estudá-las (Silveira, 1992, p.93).

Com relação aos conceitos de arte-terapia e linguagem, Nise da Silveira comenta que outra forma de leitura de imagens está ligada aos métodos da chamada Arte-Terapia. De início, ela afirma que não aceita a denominação de arte- terapia, que é muito empregada atualmente. Para ela, a palavra arte tem significado de valor, de qualidade estética. Frisa, no entanto, que nenhum terapeuta tem por objetivo que o doente produza obra de arte, de que nenhum psicótico desenhe ou pinte achando-se que é um artista. O que ele busca é uma linguagem para poder exprimir suas emoções mais profundas. A terapia de grupo procura buscar nas configurações plásticas o problema afetivo de seu paciente, seus sofrimentos e desejos sob a forma não proposicional, utilizando-se para tanto da linguagem/expressão plástica. Por isso o terapeuta deveria ter o cuidado de alertar para que os ateliers, entre nós, não fiquem apenas como setores recreativos.

A arte-terapia dinamicamente orientada baseia-se no reconhecimento de que os pensamentos e sentimentos fundamentais do homem derivam do inconsciente e freqüentemente exprimem-se melhor em imagens do que em palavras. As técnicas de arte-terapia baseiam-se no conhecimento de que todo indivíduo, tenha ou não treinamento em arte, possui capacidade latente para projetar seus conflitos internos sob forma visual (Silveira 1992, p.93).

Neste espaço, julgo adequado dar um destaque de como foram trabalhadas as emoções através da pintura em um atelier baseado nas ideias de Nise da Silveira dentro de um grupo terapêutico, mas também como forma de os pacientes tomarem contato com as suas emoções através de seu corpo. Assim, eles têm a oportunidade vivenciarem os elementos teóricos, destacados por Damásio e Espinosa (2004), no sentido de perceber o corpo como elemento indispensável para que os pacientes tenham acesso às suas emoções. Conseguem então associar corpo e emoções como fazendo parte de um todo, utilizando-se assim de uma linguagem, inicialmente, não verbal.

A mesma linguagem plástica pode posteriormente ser verbalizada conceitualmente através de suas opiniões, nas diferentes obras trabalhadas. Cabe aqui destacar que Nise da Silveira foi uma profunda estudiosa de Espinosa, observando o quanto este contrariou o principio filosófico cartesiano do dualismo mente corpo. Esta posição lhe possibilita o pioneirismo dos estudos sobre a afetividade humana.

Observa Damásio (2004), com auxílio da neurociência e da sua atual tecnologia de imagens, o quanto o corpo tem representação no cérebro através de mapas cerebrais, que são traduzidos por imagens à nossa consciência. Essas imagens formadas nos mapas cerebrais partem da “noção corporal” captada pelo senso de percepção de nosso corpo no momento em que a emoção ou afeto são desencadeados.

O fato de o paciente psicótico aprender a conhecer suas emoções e controlá-las adequadamente, conforme abordagem anterior, poderá implicar uma verdadeira vivência de inclusão social, isto é, de se tornar um indivíduo social. Utilizando-se dessas ideias sobre corpo e emoções ou afetividade humana apresentadas anteriormente, podemos perceber como, ao longo de uma prática de ensino aprendizagem em um grupo terapêutico, pacientes psicóticos poderão conhecer suas emoções, controlá-las “adequadamente” fazendo assim sua individuação e ao mesmo tempo estabelecendo relações sociais mais amplas.

Dou início à apreciação dos trabalhos realizados pelos pacientes pela obra de Monet: A Ponte Japonesa.

A Fig. 1 de Claude Monet, artista francês, faz parte da Série “Ninféias”,fase em que o autor pintava flores do jardim de sua própria casa. Neste momento de sua vida, ele reflete em seus quadros um ambiente de paz, natureza, vida,luz.

Figura 1 – A ponte japonesa de Giverny – Claude Monet 1840

Seguem as impressões de alguns pacientes sobre a obra:

P.13:” Eu acho a ponte muito bonita ela expressa a beleza da natureza, dos peixes, lambari e a ave purue.

P.12: “ A ponte para mim é a travessia de rio de um lado para outro.”

P.7: “ O quadro a ponte para mim significa alegria, ele é colorido e muito lindo.”

P. 6: “A ponte lembra o tempo que e eu era criança,”

P.11: “A ponte é um máximo de alegria, chegar no rio e ter uma ponte para passar pro outro lado.”

P.19: “A ponte para mim significa a passagem de uma margem para outra. Significa volta para o passado. A gente vê flores no rio.”

P.17: “A ponte me passa entusiasmo, alegria, sinal de paz e amor.”

P. 10: “É uma passagem para um mundo bom. Uma passagem para o passado.”

Foi possível tomar contato com a impressão que a obra causou aos pacientes, auxiliando-os assim a expressar seus sentimentos. Observo de forma subjetiva, os sentimentos de:

- Empoderamento (eu acho/para mim); - Apoio para mudanças (ponte/passagem); - Ser tocado (me passa);

- Nostalgia (passado/bom).

Tais sentimentos podem nos dar uma ideia de contato, de apropriação de seu corpo, de suas emoções e, porque não, de sua própia história. Esses sentimentos podem alimentar o processo de discussão entre os participantes do grupo, reforçando a ideia de um contínuo processo de ensino e aprendizagem e a possibilidade de formação continuada de experiência.

A Fig.2 Münch, pintor expressionista, estilo em que se preservam mais a expressão das ideias e os sentimentos do artista do que a própria realidade.

A obra parece retratar fielmente o que Münch sentia no momento, retrato de sua revolta frente aos infortúnios que a vivência terrena lhe proporcionou.

Eis a impressão de alguns pacientes do grupo terapêutico sobre a obra: P.13: “O grito parece um pedido de ajuda, por um mundo melhor, sem poluição, com ar puro. Onde tudo consegue viver muito bem”.

P.12: “Eu acho que ele está em pânico em cima da ponte”.

P.7: “O quadro o grito significa talvez uma pessoa triste, pensativa, ele pode estar refletindo ou rezando sobre a sua vida”.

P. 6: “O quadro do grito me lembra quando eu estava doente no meu quarto. Eu passava muita dificuldade”.

P. 11: “O quadro o grito lembra quando estava no hospital pedi para a enfermeira me dar uma injeção para dormir, eu não aguentava mais”.

P. 19: “O grito para mim significa tristeza porque o homem está sem orelha e está numa escuridão perto do mar, numa ponte. O mar parece estar agitado com ondas fortes”.

P.17: “O grito me passa curiosidade o que está acontecendo?”.

P.10: “Eu acho que o mundo está acabando para esta pessoa doente da cabeça. Não sabe o que está acabando ao fica doente. Não vê o mundo ao redor”.

Percebo que os pacientes, ao expressarem seus sentimentos sobre esta obra, mostram também sua subjetividade:

- Perigo (mundo em destruição); - Medo (cair da ponte);

- Tristeza (pessoa triste);

- Identificação (passava dificuldade); - Dor (não aguentava mais);

- Pertencimento (para mim); - Curiosidade (o que acontece); - Finitude (mundo acabando).

Esses sentimentos podem expressar, de forma subjetiva, sua adequada capacidade cognitiva de observação da realidade; sua capacidade de curiosidade por esta realidade; sua tristeza frente à finitude das coisas; mas também sua capacidade de pertencimento à espécie humana. O quanto está presente esta capacidade de falar desta vivência, que pode ser transformada através do grupo numa experiência, que lhe permita a apropriação de seu corpo e de suas emoções e porque não de sua história.

Monteiro (2009) vê em Van Gogh o desejo de tornar a sua obra compreensível aos outros, preocupando-se em impressionar pessoas. Ele queria uma arte do povo e para o povo. A biografia de Vincent Van Gogh é extraordinária e humanamente comovedora em muitos aspectos. Além do fato notável que apesar da falta de reconhecimento profissional por parte de seus conterrâneos, desenvolveu uma ideia artística própria até alcançar uma grandiosa obra vital, sua enfermidade mental e a influência desta em sua obra.

Figura 3 – O quarto – Van Gogh 1888

Registro a observação de alguns pacientes do grupo terapêutico sobre esta obra:

P.13: “Esse quarto é bem bonito. Tem cadeira, mesa, quadro, cobertas, travesseiro, copo e jarra”.

P.12: “Eu acho que ele desancava.”

P. 7: ”O quadro do quarto de Van-Gogh para mim significa aconchego, paz e tranquilidade e amor”.

P. 6: “O quarto lembra um lugar de descanso, repouso”.

P. 11: “O quarto me lembra muita coisa que eu nem gosto de me lembrar, por exemplo, quando eu estava doente”.

P. 19: “O quarto é um lugar de descanso para dormir. Um lugar íntimo para cada um”.

P. 17: “O quarto me passa sentimento de conforto, vejo privacidade”. P. 10: “É uma expressão de uma vida de uma pessoa pobre”.

Neste quadro os pacientes, em atividades no grupo terapêutico, podem perceber um sentimento subjetivo de:

- Beleza (mundo material); - Subjetividade (eu acho);

- Pertencimento (para mim/vejo privacidade); - Apropriado (quarto/repouso);

- Tristeza (estar doente);

- Privacidade (quarto/cada um); - Pobreza (vida pobre).

Embora a subjetividade desses sentimentos dos pacientes, percebo na diversidade dos mesmos uma adequada percepção da realidade e suas capacidades de apropriarem-se desta realidade através de suas emoções e sentimentos.

Da Vinci é considerado um dos maiores pintores de todos os tempos, o maior gênio da história da humanidade devido a sua multiplicidade de talentos.

Seguem a seguir as opiniões de alguns pacientes do grupo terapêutico sobre a obra:

P.13: “A ceia é a nova aliança de Deus com o povo na terra. Jesus subiu ao céu e sentou a direita do Deus Todo poderoso e prometeu voltar para buscar seu rebanho”.

P.12: “Eu acho é um encontro com os apóstolos”.

P.7: “O quadro da santa ceia é muito lindo, a mesa e todos em volta é união é troca, esperança para uma vida melhor”.

P.6: Não respondeu.

P.11: “A santa ceia é uma reunião com Jesus e seus discípulos, um almoço de confraternização”.

P. 19: “O quadro da santa ceia está com os apóstolos reunidos numa mesa, comendo alguma coisa e estão fazendo uma reunião”.

P. 17: “A santa vejo muita força e me inspira amizade e paz”.

P. 10: “Eu acho sobre a Santa Ceia é que ela abençoe o mundo e as casas de cristo Deus”.

Além de poderem expressar seus sentimentos religiosos, os pacientes puderam perceber um local de reunião, de encontro, como revelam algumas de suas impressões:

Religiosidade (aliança: Deus/povo); Realidade (encontro/apóstolos); Beleza (união/troca);

União (Jesus/Discípulos); Intensidade (muita força).

Através da subjetividade de suas emoções e sentimentos, podemos perceber a intensidade e a força nesses sentimentos de união, que permitem trocas. Faz- nos lembrar da metodologia de trabalho no grupo terapêutico, local onde podem ocorrer trocas entre os participantes do grupo, permitindo assim apropriarem- se de suas emoções, de seus corpos e de suas próprias histórias, o que considero indispensável para uma individuação no social.

Os pacientes puderam, ao longo dessas criações, fazer uma reflexão e expressar seus sentimentos, que podem estar relacionados à alegria (A PONTE), à tristeza (O GRITO), ao isolamento (O QUARTO) e, finalmente, a uma forma de sair deste isolamento e, em um grupo terapêutico, poder expressar livremente seus

sentimentos (A SANTA CEIA), elemento indispensável para sua individualização no social (grupo).

Constatei, ao longo deste trabalho de arte- terapia nos grupos, a importância que a arte tem para auxiliar os pacientes a tomar contato com suas emoções e sentimentos, mesmo que na forma de lembranças, de curiosidades, de desejos, de identificação com o sentimento do artista. Além disso, percebi as suas mais variadas maneiras de verbalizar esses sentimentos e o quanto para esses pacientes tomar contato com seus sentimentos é indispensável para a reconstrução de seu mundo interno, construindo, assim, sua individuação no social (grupo terapêutico), através de um processo educativo, indispensável para sua inclusão social.

Percebi, também, o quanto as ideias pioneiras de Espinosa sobre a afetividade humana puderam, através de uma prática integradora com as vivências ousadas da psiquiatra Nise da Silveira, possibilitar a expressão do paciente psicótico, de seus sentimentos em um grupo terapêutico. Seus estudos permitem ao psiquiatra da atualidade ver e aprender diferentes alternativas em seu trabalho multidisciplinar para reintegrar o paciente psicótico ao social, permitindo a este adquirir o sentimento de pertencimento ao humano.