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3 METODOLOGIA

4.7 Análise das variáveis de Registro do “Epílogo”

Campo

O epílogo é um texto curto (são duas páginas) que encerra a narrativa do romance histórico , de José de Alencar. Nele, o narrador mostra o casamento de Estácio, o herói do romance, e Inesita, assistido por pequeno grupo de amigos; fala da visita que fez D. Francisco de Aguilar, o orgulhoso fidalgo espanhol, pai da noiva, à habitação do herói; e, por fim, mostra o herói e sua esposa a sós, na sua última aparição no romance. Além disso, merece atenção, como veremos na análise, a criação, por meio de escolhas linguísticas, do espaço singular onde o herói é visto pela última vez no romance, aspecto intimamente vinculado à construção da idealização.

Relações

No plano das relações entre os participantes, três pontos merecem atenção: o epílogo apresenta a suma do conflito entre o herói brasileiro Estácio Dias Correia e o fidalgo espanhol D. Francisco de Aguilar, cujo início vimos na análise de “O círculo vicioso da fortuna adversa”. O texto apresenta também uma significativa comparação entre a relação amorosa de Estácio e Inesita e a de seus amigos, Cristóvão e Elvira; significativa, como veremos na análise, porque contribui para a construção de um valor dos mais importantes na construção da idealização do herói, o valor do amor. Por fim, o texto do epílogo traz elementos para pensarmos a relação do autor narrador com o leitor, no sentido da construção e hierarquização de valores no decorrer da narrativa; valores esses que emergem nos conflitos vivenciados pelo herói, erigido à condição de ideal moral da comunidade.

Modo

Segundo Ricupero (2004, p. xx), “o problema da geração romântica é, além do mais, duplo: é político e cultural.”. Como já vimos, a linguagem literária, na concepção de José de Alencar, é “escolhida, limada e grave” (ALENCAR, 1967, vol. 7, p. 169), e é utilizada com finalidade cultural e política, inseparável neste caso. Para Martins (2005, p. 153), os traços da identidade nacional delineada nas obras de José de Alencar “podem ser recuperados tanto na concepção da natureza, que, mesmo culturalizada, é eufórica, como na construção do sujeito brasileiro e na de sua língua”. No texto do epílogo, há apenas a fala do narrador compartilhamento monológico, segundo Fuzer e Cabral (2014, p. 30) , que constitui o cenário, as personagens, os conflitos, as ideias e valores por meio de escolhas léxico gramaticais. O objetivo dessa linguagem é a criação do herói, ideal moral da comunidade, o que implica que essa linguagem, escrita literária que utiliza canal gráfico, deve ser capaz de estabelecer um vínculo entre a personagem do herói e os leitores do romance, em suma, entre o herói e a comunidade. Veremos, na análise, esforços do autor narrador nesse sentido.

4.8 Análise da Transitividade e da Avaliatividade / Modalidade (disponho o texto do capítulo na íntegra, para facilitar a compreensão da análise).

Repito a codificação utilizada:

Caixa Alta Processos:

MATERIAL (Ma), RELACIONAL (Re), MENTAL (Me), COMPORTAMENTAL (Co), VERBAL (Ve) e EXISTENCIAL (Ex).

Sublinhado Participantes e Circunstâncias

Negrito Avaliatividade e Modalidade

(+) ou de ( ) Avaliatividade, positiva ou negativa.

(↑) ou (↓) Graduação, com intensificação ou com atenuação da Avaliatividade.

Epílogo

HÁ bem pouco tempo ainda, VIAM se nas cercanias da linda Baía de Camamu,

Tempo Apreciação (+)

as ruínas de uma capela, que ali EXISTIRA em eras remotas sob a invocação de São Gil.

Meta Existente Circunstância Ex Circunstância Circunstância Tempo

Discussão: Apoiando se principalmente nas Circunstâncias, o narrador cria um

vínculo espaciotemporal entre o herói Estácio e a comunidade de seu tempo, ou seja, o Brasil do século XIX. A presença real do herói é situada em “eras remotas” (pela datação da narrativa, Estácio viveu no século XVII), ao se referir à construção da capela; porém, os vestígios de sua presença “as ruínas” da capela existiam “há bem pouco tempo ainda”. Com isso, o herói é inserido na história da comunidade. Reforça esse sentimento de pertencimento à comunidade a referência ao lugar onde teria existido até bem pouco tempo a capela, a “Baía de Camamu”, que, situada nas proximidades da cidade do Salvador, é referência espacial histórica no Brasil, mencionada por Gabriel Soares de Sousa, em seu ) , <=>? (1987, p. 75 6),

aliás, uma das leituras fundamentais de José de Alencar para construir o seu romance . O nome de “São Gil”, com que se refere o narrador à capela, remete a um episódio da narrativa (ALENCAR, 1967, p. 528) envolvendo o menino Gil, pajem de Estácio; neste trecho, porém, é mais uma garantia da presença real do herói no espaço e no tempo da comunidade. A construção de um vínculo espaciotemporal entre o herói e a comunidade parece ser uma condição indispensável para que o herói possa ser erigido como modelo moral para essa comunidade e, sendo assim, exerce uma função ideológica no processo de construção da idealização do herói.

Um ano HAVIA DECORRIDO desde o passamento de D. Inês de Aguilar.

Existente Ex Circunstância Tempo

ERAM sete horas de uma bela manhã de primavera;

Re Circunstância Circunstância Tempo Apreciação (+)

Av. Social (+) Token

árvores em flor, céu em gala, pássaros em alegres descantes, nada FALTAVA à festa da natureza.

Beneficiário Ator Ma Apreciação (+)

Av. Social (+) Token

O sino da capelinha TANGIA alegremente, e o âmbito do pequeno templo cheio

Ator Ma Circunstância Portador Atributo Afeto (+) Graduação Força () Afeto (+) Av. Social (+) Token

que EMBRANQUECIA o clarão dos círios, SEMELHAVA um céu estrelado em noite de esplêndido luar.

Ator Ma Meta Re Atributo Circunstância

Graduação Força () Apreciação (+) Graduação Força () Av. Social (+) Token

Discussão: O narrador retorna ao tempo da narrativa e passa a criar o cenário

onde o herói será visto pela última vez. A referência à morte de Inesita, a amada do herói, que se havia matado, em nome de seu amor (ALENCAR, 1967, p. 535), e que será vista “ressuscitada” logo a seguir, também em nome de seu amor, ajuda a construir o valor do amor, fundamental na representação idealizada do herói. Os vaivéns do enredo, cheio de quiproquós a surpreenderem o leitor, são um recurso repetido à exaustão na narrativa romanesca que caracteriza

. A criação do cenário, com avaliações positivas difusas, se faz com dois breves fragmentos descritivos: no primeiro, o narrador descreve o esplendor de uma manhã de primavera em meio à natureza tropical, a expressão “festa da natureza” resume a ideia que quer construir de um lugar de beleza, música e alegria. Poder se ia já aqui falar em idealização, uma vez que essa descrição parece tender a isolar a natureza da comunidade que a habita e explora, uma comunidade caracterizada econômica e socialmente pela exploração de mão de obra escrava nas grandes lavouras de cana de açúcar, que alimentavam engenhos que produziam visando ao mercado externo (FREYRE, 2004, p. 65). Remete ainda a breve descrição – o que será reforçado adiante aos mitos sobre a existência de um paraíso terreal, os quais, segundo Sérgio Buarque de Holanda (2002, p. 244), influenciaram significativamente a visão de mundo do europeu nos primeiros séculos da colonização do Brasil. Um motivo recorrente nesses mitos era o de um lugar onde reinava uma eterna primavera, com natureza exuberante e clima não frio e não quente. A descrição do interior da capela sugere um lugar de acolhimento, simplicidade e também alegria; o templo é pequeno, porém é comparado a um céu. Neste epílogo do romance, portanto, o narrador constrói para o herói um cenário, a um tempo, natural e sobrenatural, pois embora o leitor possa sem nenhuma dificuldade reconhecer nele uma paisagem tropical do Brasil, com uma ermida católica, o texto sugere – isso será enfatizado na sua sequência algo como a existência de dois templos, o da religião e o da natureza. O herói parece estar na fronteira de outro mundo. O cenário é, por conseguinte, parte importante no processo de idealização do herói, na medida em que o coloca em relação com o espaço natural de sua comunidade, fortalecendo o seu vínculo com ela, e, ao mesmo tempo, o coloca em relação com um espaço sobrenatural ligado a um valor que o herói representa, o da religião, o qual o autor parece querer reforçar na comunidade.

Estavam na igreja duas pessoas. Uma era Frei Fernando de Santa Violante, que depois de acender os círios e vestir o altar, subira ao coro para tanger a campa. A outra era a recolhida, Soror Joana, ocupada em varrer o chão de ladrilho.

A ermida era nova, de fresco concluída. Dizia se na aldeia vizinha que a manda construir de seu bolsinho a Soror Joana, em virtude de um voto que fizera.

Aos lados viam se os dois eremitérios isolados, onde viviam em clausura, a devota, servente da casa de Deus, e seu irmão Frei Fernando, capelão da ermida.

Poucos instantes depois, pelo caminho que DESEMBOCAVA em frente,

Circunstância Circunstância Ator Ma Circunstância Tempo

APARECEU um grupo de seis pessoas, onde HAVIA pompa de mocidade e

formosura,

Ma Ator Circunstância Ex Existente Apreciação (+)

Av. Social (+) Token

mas simplicidade extrema de traje. Estácio CONDUZIA Inesita e Cristóvão a

sua bela esposa, D. Elvira de Ávila.

Ex (em elipse) Existente Ator Ma Meta Ator Ma (em elipse) Meta

Graduação Força () Apreciação (+)

Apreciação (+) Av. social (+) Token

SEGUIA se Gil, CARREGANDO ao colo uma linda criança, filha deste último par.

Ator (Ele) Ma Circunstância Meta Atributo Apreciação (+)

Av. social (+) Token

Ao mesmo tempo, da outra banda, CHEGAVA João Fogaça, que TRAZIA pelo

braço a sua Mariquinhas dos Cachos.

Circunstância Circunstância Ma Ator Ator Ma Circunstância Meta

Tempo Av. social (+) Token

Discussão: Surge, no cenário (sem que se diga de onde exatamente vem e as

omissões e sugestões são significativas para entender a idealização) um grupo de seis pessoas, “pelo caminho que desembocava em frente”. No interior da Circunstância, merece atenção o verbo de Processo Material, o qual tem entre as suas acepções a de “sair de um lugar estreito para outro mais largo” (HOUAISS, 2001, p. 976). O herói Estácio e sua amada Inesita aparecem vivos e acompanhados de seus amigos. Merece atenção a caracterização do grupo de pessoas, onde havia “pompa de mocidade e formosura, mas simplicidade extrema de traje” (em termos de Transitividade, Existente de um Processo Existencial). Essa caracterização traz importante informação sobre a situação social do herói ao fim do romance, além de construir um valor, o da simplicidade e

desapego às coisas materiais, que não parecia – veja se o primeiro texto analisado, “O círculo vicioso da fortuna adversa” – corresponder às expectativas do herói. Esse valor se constrói a partir do segundo trecho que analisamos – “À beira de um esquife” , quando o herói chega, numa espécie de ascese, à visão de que o bem material nada representa sem pessoas amadas com quem se possa compartilhá lo. Esse valor, como vimos, se contrapõe no romance à ambição desenfreada do vilão, o padre jesuíta Gusmão de Molina, e, a julgar pelo que se lê em outras obras do autor, 3 , por exemplo, escrita anos depois de , a questão parece ter permanecido como preocupação de José de Alencar, que sem dúvida enxergava na ambição, na corrupção, no roubo um problema sério do Brasil nascente, e contrapunha a isso a intransigente honradez e fidalguia de caráter de seu herói.

No mesmo navio, que LEVARA Raquel, PARTIRA para Europa Fr. Fernando: Circunstância Ator Ma Meta Ma Circunstância Ator

Av. Social (+) Token

IA a Roma CUMPRIR a promessa que FIZERA a Estácio de OBTER do Santo

Padre a anulação do casamento de Inesita.

Ator (Ele) Circunstância Ma Escopo Escopo Ator (Ele) Ma Beneficiário Ator (Ele) Ma Beneficiário Meta

Julgamento (+) Token CHEGARA, HAVIA apenas um mês, com o breve do Papa.

Ator (Ele) Ma Circunstância Circunstância Tempo

Cristóvão e Elvira, unidos desde muito, só então SOUBERAM da existência de Estácio e Inesita,

Experienciador Atributo circunstância Me Fenômeno Julgamento ( ) Token Tempo

que SUPUNHAM mortos e sepultos na mesma campa. VIVIAM, noivos irmãos, Fenômeno Experienciador (Eles) Me Atributo Circunstância Experienciador (Eles) Atributo

Av. Social (+) Token Julgamento (+) Token

ESPERANDO a santificação do seu amor.

Me Fenômeno Julgamento (+) Token Av. Social (+)

O monge RATIFICOU os sacramentos anteriormente celebrados,

Ator Ma Escopo Circunstância Atributo Julgamento (+) Token

UNINDO desta vez em legítimo matrimônio os dois casais. Ator (Ele) Ma Circunstância Meta

Julgamento (+)

Av. Social (+)

Discussão: Duas informações relevantes são trazidas pelo narrador nessa

passagem, a primeira é que Estácio viveu um ano ao lado de Inesita, como “noivos irmãos” (Atributo), enquanto aguardava o cumprimento da promessa que lhe fizera o ex noivo dela, o agora religioso D. Fernando, de obter do Papa a anulação do seu casamento com Cristóvão de Garcia de Ávila, o grande amigo do herói, o qual, estando ausente Estácio, e tendo lhe prometido não permitir de nenhuma maneira que o pai da jovem a casasse com qualquer pretendente, viu se obrigado a casar se ele próprio com ela (ALENCAR, 1967, p. 504), aproveitando se de sua condição de fidalgo abastado e de primeiríssima linhagem; fê lo, porém, como artifício para livrar Inesita dos pretendentes, e do próprio pai, que rejeitava Estácio terminantemente, o que a impedia pois tinha a obediência ao pai como obrigação e valor supremo de casar se com Estácio sem a bênção paterna. O artifício consistia em casar se com a jovem e, matando se em seguida – pois o pretendia, tanto por seus conflitos pessoais com a sua amada Elvira, como para ajudar o fiel amigo , deixá la aos cuidados de Estácio, que só assim a poderia esposar. Além do valor da amizade, a que alude, e da sujeição incondicional à vontade do pai, o trecho destaca a religiosidade de Estácio, fiel seguidor do preceito católico quanto às condições ideais para a realização do sacramento do matrimônio; a oposição entre Julgamento ético negativo (em “unidos desde muito”, referindo se a Cristóvão e Elvira) e Julgamento ético positivo (em “esperando a santificação do seu amor”, referindo se a Estácio e Inesita) reforça a construção desse valor, que será retomada adiante. A construção linguística do valor da religiosidade, entrevista nos dois primeiros textos analisados, e que neste terceiro já se esboçara na descrição da ermida católica, aparece em avaliações positivas disseminadas pelo romance – o culto à imagem paterna remete ao “honra teu pai e tua mãe”, do decálogo (Ex 20, 12); a condenação da cobiça, ao “Não podeis servir a Deus e ao dinheiro” (Mt 6, 24); e, vale lembrar, o herói tem herói em : Estácio se envergonha de seu valor e intrepidez ao compará los “àquele sereno heroísmo do mártir, que sem outro estímulo mais que a fé robusta, se afrontava com o suplício horrível e bárbaro, e buscava a morte obscura e ignorada”. (ALENCAR, 1967, p. 469). A referência é à personagem do Padre Inácio de Louriçal, jesuíta, antigo mestre do herói no Colégio, e cujos valores e feitos, no trabalho de conversão do gentio, são contrapostos, no romance, aos do padre vilão, Gusmão de Molina, como representativos de uma religiosidade ideal . O conjunto das avaliações, em suma, aponta para uma possível fonte principal dos valores propostos pelo autor, questão que foge, porém, aos objetivos mais diretos desta pesquisa. A segunda informação relevante, neste trecho, para compreender, em termos linguísticos, a construção da idealização do herói, é que Estácio e Inesita, que agora se casam no preceito católico, viveram durante um ano como que fora da comunidade, sem que os amigos mais íntimos soubessem que eram vivos; tinham nos por mortos (Processos Mentais: “souberam” e “supunham”). Essa questão do espaço habitado pelo herói será retomada, e chamarei a atenção para o seu caráter

idealizante.

Todo o tempo da cerimônia reinou na ermida profundo silêncio; terminada ela, a Irmã Joana derramou sobre a cabeça dos noivos um açafate de rosas.

Apenas saíram as pessoas, o monge e a recolhida se estreitaram ao peito. Foragidos do mundo, escorjados da desventura, esses dois infelizes se abrigavam no seio um do outro. Desde esse instante foram verdadeiramente irmãos.

Entanto o grupo de amigos se DIRIGIA entre o arvoredo à modesta, Circunstância Ator Ma Circunstância Atributo

Circunstância Tempo Av. Social (+) Token

mas graciosa habitação de Estácio SITUADA à margem de um rio,

Atributo Ator (Ela) Ma Circunstância Circunstância Atributo

Apreciação (+)

Av. Social (+) Token

que a ABRAÇAVA carinhosamente FORMANDO uma quase ilha, do feitio de coração.

Ator (Ele) Meta Ma Circunstância Ator (Ele) Ma Meta Atributo Afeto (+)

Apreciação (+) Av. Social (+)Token

Um poeta do tempo não DEIXARIA ESCAPAR esta circunstância para dela

TIRAR um conceito de madrigal.

Ator Circunstância Ma Meta Beneficiário Ator (Ele) Ma Meta

Circunstância

Polaridade Polaridade

Se o amor RESIDE no grande músculo humano, sem dúvida aquela mansão do amor DEVIA TER essa forma.

Circunstância Ator Ma Circunstância Circunstância Portador Re Atributo

Probabilidade Graduação Força () Probabilidade Av. Social (+) Token

Discussão: O trecho conclui a informação sobre o espaço habitado pelo herói ao

final do romance. Refere se à casa de Estácio, situada “nas cercanias da linda Baía de Camamu”, localizada nos arredores da cidade do Salvador, como já vimos; para se chegar a essa habitação, anda se por “entre o arvoredo” (temos

aqui uma nova referência à natureza exuberante do local). Com base na análise da Transitividade, nota se que as Circunstâncias de lugar trazem elementos lexicais que colocam o espaço do herói no interior da comunidade ou vinculado a ela, por exemplo, ao mencionar a Baía de Camamu e descrever a natureza característica da região; todavia, outros Participantes trazem também elementos de indefinição, tais como “há bem pouco tempo ainda”, “nas cercanias”, “à margem de um rio” e “uma quase ilha”, que impedem uma localização precisa do lugar e, pelo contrário, criam um efeito de indeterminação em relação à localização da habitação do herói. A casa fica “à margem de um rio, que a abraçava carinhosamente formando uma quase ilha, do feitio de coração”: faz se aqui nova alusão aos mitos sobre a existência de um paraíso terreal, estudados por Sérgio Buarque de Holanda, em $ ( * ; o historiador cita carta de Rui Pereira, de 1560, na qual o autor afirma que “não pode viver senão no Brasil quem quiser viver no paraíso terreal”; menciona também a frequência com que esse paraíso era representado como uma ilha, e até o detalhe de sua representação como um coração (HOLANDA, 2002, p. xx 156). Considerando se a natureza da linguagem literária e os objetivos de José de Alencar, a frase sugere que a casa ilha coração ou “mansão do amor”, habitada pelo herói, jaz à margem do rio comunidade, que a abraça carinhosamente como se abraça um ideal, que afinal é o que essa habitação representa. Aliás, ela não é exatamente ilha, mas “quase” ilha, pois embora se localize em lugar indeterminado, guarda afinidades com a geografia da comunidade e representa valores que se deseja criar ou fortalecer nela: o amor, a religião, a fidalguia de caráter. O herói de

, ao fim da obra, habita um espaço mítico idealizado, portanto. Há ainda dois pontos relevantes a serem mencionados a respeito desse trecho: o primeiro é a referência feita pelo narrador a “um poeta do tempo” (que equivale ao Dizente de um Processo Verbal, embora o autor tenha optado pela construção com Processo Material), o qual teria composto, inspirado na habitação de Estácio e Inesita, um madrigal, que é, segundo Bilac e Passos (1944, p. 131), durante o século XVI, “uma espécie de composição musical e poética”, e, nos séculos seguintes, uma composição em que se exprime, de forma concisa, graciosa e delicada, “um pensamento espirituoso e elegante, um galanteio, um elogio discreto ou discreta confissão de amor”. No texto de , a referência tem a função de mostrar o herói tornando se lenda, mito, ainda em vida, o que fortalece a noção da existência de um vínculo entre ele e a comunidade, que vem sendo desenvolvido neste epílogo, como já vimos. Vale lembrar, esse recurso literário de mostrar as façanhas dos heróis sendo cantadas por poetas da comunidade, ainda durante a vida dos heróis, ou seja, no interior da própria obra, é clássico e aparece na , de Homero (2000, p. 161), na

+ , de Virgílio (2004, p. 24), no @ 9 , de Miguel de Cervantes (1984, p. 27), entre outras obras. Uma outra função do recurso, nitidamente sentida em , é a de explicitar o papel da obra literária como criadora de mitos, ou de modelos morais para a comunidade, na concepção característica de José de Alencar e de sua escola literária. Por fim, ao dizer que a habitação do herói é “modesta, mas graciosa” (com Avaliação Social e Apreciação estética positivas), o narrador retoma a informação sobre a situação social do herói ao fim do romance; já vimos que pretende construir o valor da simplicidade e do

desapego às coisas materiais. Essa questão retornará no trecho que segue.

Estácio e Inesita SEPARARAM SE um instante dos amigos e PENETRARAM no interior da habitação;

Ator Ma Circunstância Meta Ator (Eles) Ma Circunstância

Tempo

aí ESTAVAM D. Francisco de Aguilar e sua mulher D. Ismênia, que VIERA carregada em liteira.

Circunstância Re Identificado Ator Ma Circunstância

TINHAM VINDO incógnitos para ABENÇOAR a filha ressuscitada.