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Análise de acoplamentos dipolares residuais (RDCs)

Proteasomo 26S ATPase

3.1.2.5. Análise de acoplamentos dipolares residuais (RDCs)

Em estudos estruturais clássicos de proteínas por RMN, as informações estruturais são derivadas de informações tais como distâncias, e ângulos diedros, (WÜTHRICH, 1986). Estas informações estruturais são então compiladas para construir o modelo tridimensional da molécula em estudo. Apesar de eficaz, esta abordagem apresenta limitações importantes. Em primeiro lugar, em moléculas grandes (>25 kDa) é muitas vezes difícil analisar dados de NOE devido ao alargamento das linhas e ao aumento complexidade espectral. Por outro lado, estudos de proteínas de múltiplos domínios e complexos proteína-proteína ou proteína-ácido nucléico são também dificultados pela falta de NOEs suficientes nas regiões de interface entre os vários domínios/moléculas.

Os acoplamentos dipolares residuais, ao fornecerem informações de orientação dos núcleos da molécula em estudo, permitem abordagens totalmente novas para a biologia estrutural em solução (CLORE e GRONENBORN, 1998; TJANDRA, 1999; PRESTGARD, 2001; TOLMAN, 2001; PRESTGARD et al., 2004; SIMON et al., 2005).

O acoplamento dipolar é uma interação entre dois spins nucleares que ocorre através do espaço e, tal como no acoplamento escalar (J), produz um desdobramento do sinal das ressonâncias no espectro de RMN. Acoplamentos dipolares no entanto, diferem bastante de acoplamentos escalares uma vez que o acoplamento dipolar médio é igual a zero nos casos em que a molécula tomba isotropicamente, ou seja, assume todas as orientações possíveis relativas ao campo magnético com igual probabilidade. Assim, uma vez que na RMN em solução as moléculas em estudo se encontram em condições de tombamento isotrópico, os acoplamentos dipolares não costumam ser observados. No entanto, ao se

estabelecer um pequeno grau de alinhamento das moléculas em solução, pequenos desdobramentos residuais resultantes destas interações podem ser observados no espectro, denominados acoplamentos dipolares residuais ou RDCs. Os acoplamentos dipolares residuais contêm informações estruturais valiosas pois estão diretamente relacionados à orientação dos vetores nucleares relativamente a uma referência padrão global que é determinada pela natureza do alinhamento molecular (TJANDRA, 1999; TOLMAN, 2001; PRESTGARD et al., 2004).

Assim, a obtenção de pequenos níveis de alinhamento (aproximadamente 1 molécula em 1000) é fundamental para a coleta de dados de acoplamentos dipolares residuais de uma molécula em solução. No caso de moléculas paramagnéticas e DNA um pequeno grau de alinhamento é naturalmente observado na presença de campos magnéticos fortes. Este método, apesar de eficaz é bastante limitado uma vez que pode ser aplicado apenas em sistemas específicos e requer campos magnéticos muito altos. Um método alternativo de produzir um pequeno alinhamento de uma macromolécula é pela adição de uma fase líquida cristalina ao sistema (TJANDRA e BAX, 1997).

Esta fase líquida cristalina, devido à sua anisotropia na susceptibilidade magnética, orienta-se com o campo magnético. A orientação da fase líquida cristalina com o campo induz o alinhamento residual das moléculas em estudo presentes no soluto. Atualmente existem vários tipos de meios que podem ser utilizados com este objetivo tais como bicelas lipídicas (SANDERS e SCHWONEK, 1992; SANDERS et al., 1994), o fago filamentoso Pf1 (HANSEN et al., 1998), fragmentos de membrana roxa (KOENIG et al., 1999) e partículas virais (CLORE et al., 1998) (Figura 23).

Figura 23. Ilustração de tipos de meio liquido cristalino (TJANDRA, 1999).

A. Os discos grandes representam bicelas lipídicas ou fragmentos de membrana roxa que se orientam ortogonalmente relativamente ao campo magnético.

B. Os cilindros longos representam partículas virais que se orientam com o seu eixo longo paralelo ao campo magnético.

Tipicamente procede-se à coleta de dados de RMN em condições isotrópicas e anisotrópicas. O acoplamento dipolar D entre dois núcleos A e B (DAB) pode ser

facilmente determinado como uma variação no desdobramento do sinal das ressonâncias no estado alinhado (J+D) relativo ao estado isotrópico (J) (TJANDRA, 1999; AL-HASHIMI e PATEL, 2002) (Figura 24).

A magnitude de DAB pode ser positiva ou negativa (Figura 24). Para uma

molécula totalmente orientada o acoplamento dipolar do grupo amídico 1H-15N (DHN)

seria da ordem de 20 kHz. No entanto o grau de alinhamento aplicado é tão pequeno que os acoplamentos dipolares 1H-15N ou 1H-13C observados são normalmente da ordem de 5 Hz (HANSEN et al., 1998). A magnitude de D está relacionada ao tensor de alinhamento do vetor nuclear em estudo (ex. vetor NH) e fornece informações da orientação deste vetor no espaço cartesiano.

Figura 24. Pequenas regiões de espectros 1H-15N HSQC da proteína ubiquitina coletados na ausência de desacoplamento de 1JNH na dimensão indireta para diferentes níveis de alinhamento

molecular. (BAX, 2003).

A. Espectro isotrópico. Um dubleto é observado para cada par de núcleos 1H-15N. Os acoplamentos escalares medidos (1JNH) estão indicados em Hz.

B. Espectro coletado em meio líquido cristalino contendo 4,5% (p/v) de bicelas (proporção molar de 30:10:1 DMPC, DHPC e CTAB).

C. Espectro coletado em meio líquido cristalino contendo 8% (p/v) de bicelas (proporção molar de 30:10:1 DMPC, DHPC e CTAB).

Os desdobramentos de sinal medidos nos painéis B e C correspondem à soma do acoplamento escalar 1JNH e do acoplamento dipolar DNH. O alargamento dos sinais na dimensão de

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H é causado por acoplamento dipolares 1H-1H.

Existem diversos métodos que podem usados para medir acoplamentos dipolares residuais mas os utilizados são experimentos do tipo SCE-HSQC, E.COSY e IPAP (“in-phase/anti-phase”) (TJANDRA, 1999).

Ao fornecerem importantes restrições de orientação, os acoplamentos dipolares residuais têm-se tornado ferramentas cada vez mais fundamentais para o estudo de proteínas por RMN. Os acoplamentos dipolares residuais têm sido incorporados como restrições adicionais para cálculo de estrutura (LIPSITZ e TJANDRA, 2004). A inclusão destas restrições geralmente melhora a qualidade das

famílias de estruturas geradas e reduz significativamente o número de resíduos em regiões não permitidas do diagrama de Ramachandran. Além disso, os acoplamentos dipolares residuais permitem calcular estruturas de proteínas que apresentam um número reduzido de NOEs, o que além de aumentar a precisão das mesmas diminui imensamente o tempo necessário para a sua determinação. Atualmente, os acoplamentos dipolares residuais são comumente utilizados no refinamento de estruturas por RMN e a literatura está repleta de exemplos onde isso ocorre (veja por exemplo KOPKE SALINAS et al., 2005 e CICERO et al., 2007).

Os acoplamentos dipolares residuais permitem também fazer comparações das estruturas obtidas por RMN com homólogos estruturais disponíveis, possibilitando assim a validação rápida das estruturas calculadas inicialmente e subseqüente refinamento das mesmas (SASS et al., 2001; KIKUCHI et al., 2002).

Não há dúvida que os acoplamentos dipolares residuais têm permitido melhorar significativamente a qualidade das estruturas determinadas por RMN. No entanto, a principal vantagem dos acoplamentos dipolares residuais reside no fato destes poderem ser medidos rotineiramente imediatamente após o assinalamento da cadeia principal da proteína, ao contrário das medidas de distância de NOE que requerem o assinalamento completo das várias ressonâncias seguido da identificação não-ambígua das correlações de NOE. Esta característica abre um sem número de possibilidades para o uso de dados de acoplamentos dipolares residuais em estudos estruturais por RMN (TIAN et al., 2001; PRESTGARD et al., 2004; LIPSITZ e TJANDRA, 2004).

Os acoplamentos dipolares residuais podem também ser utilizados para determinar se a estrutura cristalina de uma proteína apresenta a mesma conformação em solução (LUKIN et al., 2003) ou ainda para caracterizar sistemas

que sofreram alterações conformacionais de forma rápida e eficaz (CHOU et al., 2000). Os acoplamentos dipolares residuais são ainda muito úteis no estudo de proteínas de múltiplos domínios para determinar a orientação relativa dos vários domínios (FISCHER et al., 1999; PRESTGARD et al., 2004).

Recentemente foi também sugerido que nos casos em que bastantes acoplamentos dipolares residuais podem ser medidos ao longo da molécula na presença de dois tipos de meios de alinhamento, a estrutura da proteína poderá, em teoria, ser determinada usando apenas dados de acoplamentos dipolares residuais. O modelo estrutural pode ser construído através da junção de unidades peptídicas depositadas no PDB, cuja orientação é conhecida e não-ambígua, e que reproduzem os dados experimentais (DELAGLIO et al., 2000; CHAMPIER et al., 2002). Alternativamente a estrutura pode ser calculada de novo usando a abordagem MECCANO, um algoritmo que calcula a estrutura enovelada da cadeia principal de um polipeptídeo a partir da orientação de cada unidade peptídica obtida via acoplamentos dipolares residuais (HUS et al., 2001; BÉRAUD et al., 2002).

Os acoplamentos dipolares residuais podem ainda ser utilizados para validar modelos estruturais e predizer enovelamentos de proteínas desconhecidas (TJANDRA et al., 1997; TOLMAN, 2001; PRESTGARD et al., 2004). Nestes casos, os valores de acoplamentos dipolares residuais experimentais medidos para a molécula em estudo são comparados com valores de acoplamentos dipolares residuais teóricos calculados a partir de uma estrutura conhecida. Se os valores teóricos e experimentais forem próximos, então as duas estruturas, i.e. modelo conhecido e molécula em estudo, são necessariamente próximas. Esta metodologia foi proposta pela primeira vez por ANNILA e colaboradores (1999) em um estudo da proteína caleritrina de Saccharopolyspora erythracea que foi identificada como tendo

uma estrutura muito similar a duas proteínas sarcoplasmáticas que se ligam a cálcio de duas espécies diferentes. Posteriormente, foi desenvolvido o programa DIPO COUP que usando dados de deslocamentos químicos e acoplamentos dipolares residuais como dados de entrada, faz uma busca por estruturas homologas em um subgrupo do PDB (MEILER et al., 2000). Este tipo de estudo poderá ser particularmente útil em projetos de proteômica estrutural, onde é desejável avaliar se o enovelamento de uma dada proteína é novo, e portanto alvo desejável para determinação estrutural detalhada por cristalografia de raios-X ou RMN.

3.2. OBJETIVOS

A proteína XAC2000 de Xac foi selecionada, em julho de 2001, como uma das proteínas-alvo para os estudos de triagem descritos no Capítulo 2. Esta proteína apresentou um excelente espectro 2D 1H-15N HSQC e revelou-se uma excelente candidata para estudos estruturais.

Apesar de ter estrutura e função desconhecidas, esta proteína apresentava um elevado grau de conservação entre vários genomas o que a tornava um alvo interessante para estudos estruturais mais detalhados.

Em 2002, DOUGAN e colaboradores descreveram a proteína ClpS de E.coli, uma proteína acessória do complexo proteolítico ClpAP. Posteriormente, a estrutura cristalográfica da proteína ClpS de E.coli foi determinada em complexo com o N- terminal da proteína ClpA por dois grupos independentes, revelando uma proteína α/β composta por três α-hélices conectadas a três fitas-β antiparalelas em um arranjo βααβαβ (GUO et al., 2002a; ZETH et al., 2002).

Esta proteína apresenta 56% identidade e 84% de similaridade com a proteína hipotética XAC2000 por nós selecionada, e cujos estudos estruturais por RMN já haviam iniciado. Assim, os objetivos do nosso trabalho, que originalmente visavam a determinação da estrutura tridimensional da proteína XAC2000/ClpS por RMN, passaram a focalizar principalmente a complementação dos dados obtidos por GUO e colaboradores (2002a) e ZETH e colaboradores (2002) em seus estudos por cristalografia.

Desta forma, em colaboração com a Dra. Thelma Pertinhez do Laboratório Nacional de Luz Síncrotron, os trabalhos descritos neste capítulo tiveram os seguintes objetivos:

a) Comparação da estrutura tridimensional de ClpS de E. coli com a estrutura ClpS de Xac;

b) Análise da estrutura da proteína ClpS em solução;

c) Obtenção de informações estruturais sobre a região N-terminal - resíduos 1 a 20 da proteína ClpS ausentes nas estruturas cristalinas;

d) Análise da dinâmica da proteína ClpS em solução;

e) Estudos de interação da proteína ClpS com o domínio N-terminal da proteína ClpA em solução.

3.3. MATERIAIS E MÉTODOS