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TRIAGEM DE ALVOS DE PROTEÔMICA ESTRUTURAL DE Xanthomonas axonopodis pv citri USANDO RMN

2.1.3. O papel da RMN na era da proteômica estrutural

A espectroscopia de RMN e a cristalografia por difração de raios-X são atualmente as duas técnicas que podem revelar a estrutura tridimensional de

proteínas e de outras biomoléculas com detalhes atômicos. A cristalografia é no entanto considerada como o “cavalo de força” da proteômica estrutural, pois uma vez que se obtém um cristal com bom padrão de difração, a determinação da estrutura tridimensional é relativamente simples e rápida, e os procedimentos utilizados nas etapas de cristalização, coleta de dados e análise de dados estão cada vez mais automatizados (YEE et al., 2002; SAVCHENKO et al., 2003). O resultado disso é que o número de estruturas de proteínas depositadas no PDB (Protein Data Bank) determinadas pela técnica de cristalografia excede em aproximadamente cinco vezes o número de estruturas depositadas determinadas por RMN (BERMAN et al., 2003). Apesar disso, existem várias razões que permitem sugerir que a RMN terá um papel importante em vários projetos de proteômica estrutural. As principais contribuições da RMN para estes projetos devem incluir três abordagens principais: determinação de estruturas tridimensionais de proteínas, elucidação de relações estrutura-função, e caracterização preliminar de alvos para futuros estudos estruturais (MONTELIONE, 2000; PRESTGARD et al., 2001; KENNEDY et al., 2002; AL- HASHIMI e PATEL, 2002).

Em primeiro lugar a RMN constitui uma importante técnica complementar de determinação de estruturas tridimensionais de proteínas pois a cristalografia, apesar da sua posição de destaque como técnica rápida e eficaz de determinação estrutural, apresenta ainda um importante fator limitante: a obtenção de cristais, um processo imprevisível que pode demorar alguns dias, meses, ou pode mesmo nunca acontecer (MONTELIONE et al., 2002; PRESTGARD et al., 2001; KENNEDY et al., 2002). A RMN por seu turno, encontra fatores limitantes no limite de tamanho da molécula em estudo que é de aproximadamente 40 kDa e nos longos tempos de coleta e análise de dados mas apresenta a enorme vantagem de ser realizada em

solução. Assim, a RMN torna-se a única técnica atual disponível para a determinação de estruturas de proteínas de difícil cristalização, desde que estas se enquadrem dentro do limite de tamanho da técnica de RMN.

O maior valor da RMN para a proteômica estrutural será no entanto como ferramenta para a elucidação de relações estrutura-função de proteínas (MONTELIONE et al., 2000). Por um lado, técnicas de perturbação de deslocamentos químicos permitem validar funções bioquímicas propostas através da identificação de possíveis ligantes e do mapeamento das respectivas superfícies de interação (ZUIDERWEG, 2002). Por outro lado, a dinâmica interna das proteínas em estudo, que muitas vezes está diretamente relacionada com a sua função, também pode ser facilmente avaliada através de medidas de relaxação nuclear (WAGNER, 1995; KAY, 1998; PALMER, 2001).

Além disso, a RMN pode também ser utilizada em projetos de proteômica estrutural para caracterizar rapidamente uma dada proteína antes dos estudos estruturais por RMN e/ou cristalografia (MONTELIONE et al., 2000; PRESTGARD et al., 2001; REHM et al., 2002; AL-HASHIMI e PATEL, 2002.; YOKOYAMA, 2002).

Tradicionalmente as técnicas de caracterização biofísica de proteínas mais utilizadas são o dicroísmo circular (CD) para caracterização do conteúdo de estrutura secundária, o espalhamento de luz para avaliar agregação heterogênea e a fluorescência para avaliar perturbações na estrutura terciária (PRESTGARD et al., 2001; PAGE et al., 2005). A RMN é uma alternativa poderosa neste tipo de caracterização pois permite a caracterização simultânea do estado conformacional, estabilidade e solubilidade da proteína em estudo e estes critérios podem ser utilizados para selecionar proteínas para estudos estruturais futuros.

Há muito que é reconhecido que o deslocamento químico observado em experimentos de RMN de proteínas contém informações estruturais importantes (WISHART et al., 1991; WISHART e SYKES, 1994; REHM e HUBER, 2002). É também sabido que a análise combinada da dispersão dos deslocamentos químicos e das larguras das linhas observadas em um experimento de RMN pode fornecer informações quanto ao estado conformacional, grau de enovelamento e grau de agregação de uma proteína em solução, (MONTELIONE et al., 2000; REHM E HUBER, 2002; YEE et al., 2002). Espectros de RMN de proteínas bem enoveladas apresentam linhas estreitas e dispersão dos deslocamentos químicos considerável enquanto proteínas desenoveladas ou agregadas apresentam linhas largas e pequena dispersão dos deslocamentos químicos. Teoricamente, todos os experimentos de RMN de proteínas fornecem este tipo de informação e até mesmo o mais simples experimento, o espectro unidimensional (1D) de 1H, é bastante informativo e vários trabalhos têm feito uso deste tipo de experimento para a caracterização inicial das proteínas em estudo (PETI et al., 2004; SCHEICH et al., 2004; PAGE et al., 2005). No entanto, o experimento mais utilizado na caracterização de proteínas é o espectro 2D 1H-15N-HSQC (“Heteronuclear Single Quantum Correlation Spectroscopy”) (Figura 3).

Este tipo de espectro, que requer marcação isotópica com 15N da proteína em estudo, é muitas vezes denominado de “impressão digital” de uma proteína, uma vez que nele se observa um pico de correlação 1H-15N para cada grupo amídico da proteína em estudo. Neste tipo de espectro, além de se analisar o padrão apresentado pelos picos (dispersão do deslocamento químico (δ), largura da linha e

intensidade), analisa-se também o número de picos observados. Comparando o número de picos observado experimentalmente com o número de picos esperado a

partir da seqüência primária da proteína em estudo, pode-se aferir a ocorrência de mais de uma conformação (excesso de picos) ou a presença de regiões que apresentam troca conformacional ou são pouco estáveis (ausência de picos). Assim, o espectro 2D 1H-15N-HSQC revela informações únicas sobre a solubilidade, o grau de enovelamento e a conformação da proteína em estudo e permite que se testem de forma simples e rápida diferentes condições de concentração, pH, sal e temperatura nas quais a proteína seria mais estável.

Figura 3. Comparação de espectros 2D 1H-15N-HSQC para uma proteína desordenada e uma

proteína bem enovelada (adaptado de MONTELIONE, 2000).

A. Espectro do domínio C-terminal da proteína Par 1 da Drosophila melanogaster, um domínio que é predominantemente desordenado nas condições de coleta.

B. Espectro da proteína COG272 de Thermus thermophilus, uma proteína cuja estrutura tridimensional em solução é bem definida.

A Figura 3A mostra o espectro 2D H- N-HSQC da proteína Par1 de Drosophila melanogaster, cujo espectro é tipicamente de uma proteína desordenada

pois apresenta pouca dispersão de deslocamento químico e alargamento das linhas. A Figura 3B mostra o espectro 2D 1H-15N-HSQC da proteína COG72 de Thermus thermophilus cuja estrutura tridimensional em solução é bem definida e cujo

espectro apresenta uma pouca dispersão de deslocamento químico e linhas estreitas e definidas.

Apesar do custo acrescido devido à marcação isotópica necessária, estas características fazem com que espectros 2D 1H-15N-HSQC sejam cada vez mais a técnica de eleição para a caracterização preliminar de alvos desconhecidos de projetos de proteômica estrutural (MONTELIONE et al., 2000; FOLKERS et al., 2004).