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Capítulo 3 Artigo publicado na Revista Brasileira de Geociências 40(3): 321-329,

5. Análise de Relevo

A plataforma é rasa com profundidade máxima de 60 m na borda. Ela é a mais larga na região dos vales incisos, chegando a 47 km de largura frente à foz do Rio Apodi, pois tem linha de costa mais retraída, e a porção mais estreita encontra-se a leste de Guamaré com 22 km de largura (Figura 6A). Segundo a superfície de tendência batimétrica para a plataforma em estudo (Figura 6B), o gradiente de relevo é suavemente inclinado entre a linha de costa e a borda da plataforma (média de 1:700) com direção NNE. Os principais falhamentos (Sistema de Falhas de Ubarana, Pescada e as outras falhas da borda da plataforma) localizam-se entre as isóbatas de 10 e 15 m e de 20 e 25 m e estão alinhados paralelamente a borda da plataforma, subdividindo-a em três ambientes (Figuras 2, 6A, 8).

Na porção leste da área, ocorre um "corpo arenoso marinho raso isolado", que acompanha o trend NE-SW do Sistema de Falha de Carnaubais (Figura 6A). Essa feição é conhecida localmente como Coroa das Lavadeiras e circunda as regiões planas submersas mais rasas da região (Tabosa & Vital, 2006; Gomes & Vital, 2010) (Figura 2 e 6A). Na área de estudo, foram encontradas profundidades mínimas de 6 m. Ainda se observa um desnível superior a 10 m na margem exterior do corpo arenoso que separa dois patamares batimétricos distintos (Perfil P-Q na Figura 7). A localização deste corpo a leste coincide com o Horst de Touros, enquanto que as regiões internas da plataforma estão instaladas sobre o Gráben de Touros (ver Figura 1).

Em frente ao município de Guamaré, a área de plataforma interna, entre as isóbatas de 5 e 10 m, é composta por um campo de dunas longitudinais submersas (Gomes & Vital, 2010; Vital et al., 2008). Este se apresenta como um patamar ligeiramente elevado em relação a plataforma média (Perfil N-O na Figura 6A, 7). Este patamar é delimitado a sudeste pelo Sistema de Falhas de Carnaubais, a sudoeste pela continuação do Sistema de Falhas de Macau e a norte pela continuação do Sistema de Falhas de Ubarana (Figura 6A). Na mesma região,

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no limite entre a plataforma média e externa, ocorre uma extensa linha de arenitos de praia, que aflora sobre a interface água/ar em dois pontos conhecidos como a Urca do Minhoto (em frente a Guamaré)(Perfil N-O na Figura 7) e a Urca da Conceição (em frente a região da Coroa das Lavadeiras)(Perfil P-Q na Figura 7) (Santos et al., 2007; Cabral Neto et al., 2010). Sua porção leste alinha-se com o Horst de Touros, sobreposta pela Coroa das Lavadeiras e estende-se linearmente para oeste aumentando a profundidade do topo do recife até próximo do vale inciso do Rio Açu (Figura 2 e 6A), delimitando as plataformas média e externa com declives acentuados, acima de 15 m, voltados para a plataforma externa. Essa antiga linha de costa está fortemente alinhada com o Sistema de Falhas de Pescada que tem continuação nessa região da plataforma (Figura 6A).

A Figura 8 apresenta um mapa de declives do relevo plataformal, que permite destacar áreas aplainadas e áreas de maior rugosidade, como por exemplo, as bordas dos vales, degraus da plataforma externa e corpos arenosos isolados.

A margem leste do vale inciso do Rio Açu apresenta uma compartimentação morfotectônica homogênea, delimitada pelo Sistema de Falhas de Macau, próximo a costa, pelo Sistema de Falhas de Ubarana, junto ao limite entre as plataformas interna e média, na posição da isóbata de 15 m, e pelo Sistema de Falhas de Pescada, margeando os arenitos de praia que ocorrem próximos a isóbata de 25 m, entre a plataforma média e externa (Figuras 2, 6A, 8). A plataforma externa é linear e estreita entre o vale inciso do Rio Açu e a Coroa das Lavadeiras. No mapa de declividade (Figura 8), é possível observar a disposição de ―degraus‖ ou "batentes" separados por rampas, formando uma configuração patamar-rampa na plataforma externa. Esses degraus também coincidem com as falhas de borda, compiladas por Angelim et al. (2006), que são paralelas às falhas de direção NW a E-W, como o Sistema de Falhas de Pescada (perfis E-F, I-J, N-O e P-Q na Figura 7). Essa fisiografia de fundo é interrompida pelo vale inciso do Rio Açu a oeste. Porém, nesta porção da plataforma, este se apresenta como um vale principal não bem definido. Em regiões mais rasas, o relevo é suavemente ondulado pelas dunas transversais (plataforma média) e longitudinais (plataforma interna). Entre esses dois padrões de fundo, um corpo arenoso marinho raso isolado (Figura 2, 6A) tem seu limite norte marcado pelo Sistema de Falhas de Ubarana, com declive a norte cerca de 4 m de altura e aproximadamente 10 km de extensão a leste (Perfil I-J na Figura 7), localmente conhecido como Coroa Branca. Esse corpo arenoso não é observado na margem oposta desse vale, a qual é aplainada com gradiente ligeiramente superior.

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Figura 6 – (A) Mapa batimétrico da Bacia Potiguar imersa, destacando em: a, Coroa das Lavadeiras; b1, Urca do Minhoto; b2, Urca da Conceição; c, Campo de dunas subaquosas; d, Coroa Branca; e, vale inciso do Rio Açu; f, vale inciso do Rio Apodi. Setas indicam entrâncias nas

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Figura 7 – Perfis batimétricos (A-B,C-D, E-F, G-H, I-J, L-M, N-O, P-Q) indicam mudanças no relevo sob ocorrência de falhas.

O vale inciso do Rio Açu localiza-se no eixo central da Bacia Potiguar, com aproximadamente 8 km de largura e 12 m de profundidade, na porção da plataforma interna (Perfil C-D da Figura 7) e apresenta um estreitamento na plataforma média para uma largura máxima de 2 km e profundidades em torno de 15 m (Figura 8). Este vale inciso perde completamente sua forma na região de plataforma externa, apresentando um relevo complexo e irregular até o talude, onde um canal se torna novamente perceptível. As bordas do vale são escarpadas nas porções rasas em ambos os lados. Porém, na plataforma média a borda oeste é suavemente inclinada, indicando uma assimetria em uma margem de relevo complexo (Figura 8). Na plataforma interna, duas reentrâncias batimétricas (Perfil G-H na Figura 7, 8) se alinham a 45º Az na borda oeste do vale, que coincidem com falhamentos internos do Gráben de Boa Vista, que se prolonga sobre a bacia imersa, e interceptam a inflexão da borda leste do vale, onde inicia o seu estreitamento até o Sistema de Falhas de Ubarana (Figura 6A, 8).

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Figura 8 - Modelo de declives da Plataforma Continental. Setas indicam entrâncias nas bordas do vale. O sistema de falhas (1 - Afonso Bezerra; 2 - Carnaubais; 3 - Macau; 4 - Ubarana; 5 - Pescada; 6 - Borda da Bacia; 7 - Areia Branca) foi compilado de Angelim et al. (2006).

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A área entre os vales incisos do Rio Açu e do Rio Apodi possui uma forma relativamente plana a convexa com as margens dos paleovales na região central de plataforma interna (Figura 6A, 7), onde se desenvolvem dunas longitudinais no fundo marinho. A região é delimitada pela continuação das falhas que bordejam o Horst de Mossoró e pelo Sistema de Falhas de Ubarana, a norte (Figura 6A). Nas plataformas média e externa, ocorrem feições alinhadas paralelamente ao trend da plataforma (Figura 2, 6A, 8). Nessa região, os ―degraus‖ não são bem definidos como na região a leste (Perfis E-F e G-H na Figura 7 e Figura 8).

A região em volta do vale inciso do Rio Apodi apresenta um aumento de profundidade que é expresso no trend batimétrico (Figura 6B) e encontra-se plenamente encaixado em um mínimo gravimétrico (letra ‗h‘ na Figura 5) associado ao Gráben de Grossos (Figura 1). Este vale inciso possui dois eixos principais (Figura 6A e 8) que podem estar associados aos falhamentos que se prolongam do Gráben de Grossos na NE-SW e falhas de transferência a NW-SE.

O primeiro eixo do vale inciso tem direção WNW-ESE aproximadamente, ocorre na plataforma interna a profundidades inferiores a 15 m, e é coincidente com falhas paralelas ao Sistema de Falhas de Afonso Bezerra que se estendem da zona costeira até a plataforma interna. Conforme observado por Gomes & Vital (2010), o primeiro eixo desse vale inciso possui três distributários principais: um que está localizado próximo a inflexão dos eixos do vale inciso, poderia ter sido ligado ao paleorio Apodi; e os outros dois teriam origem de antigos rios no litoral do Ceará (marcados com setas na Figura 6A e 7). Observa-se que estes tributários estão alinhados com as falhas de direção NW-SE e NE-SW, internas do Gráben de Grossos. A inflexão de NW-SE para NE-SW coincide com o truncamento de falhas de mesma direção. O vale inciso apresenta pouca variação na sua largura com 2 km na plataforma interna e um ligeiro estreitamento para aproximadamente 1,5 km, na plataforma média (Perfil A-B na Figura 7 e Figura 8).

O segundo eixo desse vale inciso encontra-se na plataforma média, perpendicular a linha de costa, com direção NE-SW e está alinhado com ao Sistema de Falhas de Areia Branca direção NE-SW (Figuras 6A e 8). Na região de plataforma externa, este vale inciso apresenta a mesma descaracterização de morfologia observada no vale inciso do Rio Açu, apresentando um mascaramento do relevo sem canal bem definido, e sem conexão clara com o canhão submarino no talude continental. Dunas transversais ocorrem preenchendo parcialmente e mascarando a morfologia do vale inciso do Rio Apodi na região de plataforma média e externa próximo a cabeceira do canhão submarino que se liga ao vale inciso do Rio Apodi (número 5 na Figura 2, 6A, 7).

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A Figura 9 é o mapa de anomalias de relevo residual, positivas e negativas, que representa a relação matemática entre a superfície de tendência regional e a batimétrica. Este mapa mostra o mapa de anomalias residuais de relevo da plataforma continental da porção imersa da Bacia Potiguar. Com base na distribuição de anomalias de relevo positivas e negativas, é possível observara compartimentação da plataforma em patamares, dividindo-a nas plataformas interna (0 a 12/15 m), média (12/15 a 25 m), externa (25 a 60 m), todas essas regiões apresentam estreitamento para leste. Vales incisos e altos isolados são também facilmente identificados através de baixos topográficos expressivos de até 30 m e altos expressivos de até 20 m – arenitos de praia e corpos arenosos, respectivamente.

É esperado que algumas anomalias de relevo na quebra da plataforma e na face litorânea, formadas pelo ajuste matemático entre a superfície de tendências e as variações de relevo em direção a costa e ao talude, apresentem maior desvio matemático. Variações batimétricas de pequena escala (feições hidrodinâmicas como das dunas subaquosas) dentro do intervalo de ±2 m (média das alturas das formas de fundo) foram consideradas anomalias nulas quando acompanham a superfície de tendência.

Figura 9 – Mapa de anomalias residuais de relevo da Plataforma Continental com isolinhas de 12, 25 e 60 m delimitando a compartimentação plataformal em interna, média e externa.

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6. Discussões

No contexto do Quaternário, destacam-se as variações glacioeustásicas como influência modeladora de relevo na plataforma. Em períodos de máxima regressão marinha, a plataforma é totalmente exposta e os processos hidrodinâmicos costeiros são deslocados para além da quebra da plataforma. O último máximo glacial ocorreu há aproximadamente 26.000 anos, e a linha de costa alcançou a isóbata de 120 m (Peltier & Fairbancks, 2006). Nesse período, a incisão dos vales do Rio Apodi e Açu desenvolveu as principais discordâncias regionais, encontradas entre o Pleistoceno e o Holoceno, e os principais registros sedimentares de mar baixo no talude e sopé continental (Schwarzer et al., 2006; Gomes, 2009). Na subsequente transgressão marinha, poucas estruturas formadas por processos subaéreos foram preservadas. Os vales e a plataforma foram preenchidos e as novas feições formadas pela hidrodinâmica plataformal configuraram o novo ambiente.

Embora esses processos sejam comuns a quase todas as plataformas continentais e as morfoestruturas associadas à neotectônica apresentarem baixo potencial de preservação, resquícios de tectonismo ainda não nivelados pela sedimentação podem ser observados na área de estudo. Nesse contexto, as feições da plataforma podem ter origem antiga, resistindo aos processos erosivos, serem formadas por processos hidrodinâmicos atuais, formadas por neotectonismo, ou pela combinação das três hipóteses. Isto pode ser corroborado pela coincidência, continuidade e/ou paralelismo de varias feições do relevo com o arcabouço estrutural e as anomalias gravimétricas residuais.

Essa região da plataforma continental brasileira revela uma evolução fisiográfica significativamente distinta das demais da margem do Atlântico Sul. A margem continental entre o extremo nordeste do Brasil e sul da Argentina (Domínio Atlântico Sudeste) e a região a norte da Foz do Amazonas (Domínio Atlântico Central) possuem o estilo tectônico típico de margem Atlântica, com caráter dominantemente distensional. Enquanto que, a margem Atlântico Equatorial apresenta estruturação essencialmente paralela a costa, de natureza transformante, cortando os lineamentos Pré-Cambrianos (Mohriak, 2003).

A porção da Bacia Potiguar estudada, que se encontra no limite entre as margens leste e nordeste, inclui elementos estruturais de ambos os contextos citados. Na porção emersa, com semi-grábens assimétricos de direção NE-SW que se prolongam na plataforma, e na parte imersa, com falhamentos escalonados e blocos basculhados paralelos a costa. Considerando o atual campo de tensões e a configuração estrutural da bacia, o presente estudo indica que a influência tectônica sobre a parte imersa da bacia deixou cicatrizes sobre o relevo

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plataformal e que grandes diferenças no alinhamento morfoestrutural podem ser observadas entre a zona costeira e a plataforma continental (Figuras 1 e 2).

Foi observado que parte dessas feições, cuja morfogênese está ligada a hidrodinâmica, também apresentam influência estrutural, a qual é atribuída como evidência de atividade neotectônica. O caráter de relevo tectônico difere significativamente de relevo de dinâmica exógena, pois o relevo tectônico produz discordâncias de relevo, patamares, gradientes elevados, formas isoladas, dentre outros. Por exemplo, os sistemas de falhas Afonso Bezerra e Carnaubais imprimem na morfologia costeira e linha de costa mudanças marcantes (Silva et al., 2010), associadas a eventos neotectônicos envolvendo essas falhas (Bezerra, 1998; Moura-Lima et al., 2010). A distribuição sedimentar na plataforma (ver carta sedimentológica de Vital et al., 2008) corrobora com o compêndio de evidências, pois parte dos contatos entre as unidades são limitados pelas principais falhas da bacia e associadas às variações morfológicas apresentadas neste artigo.

A análise realizada neste estudo correlacionou as formas de relevo plataformal, condicionadas por processos hidrodinâmicos e/ou estruturais (recentes ou relíquias). Gomes & Vital (2010) relacionam diversas unidades morfológicas na plataforma cujo principal agente gerador é a hidrodinâmica plataformal (dunas e corpos arenosos) e variações do nível do mar (vales incisos e arenitos de praia) (Figura 2). Embora dados de correntes dessa plataforma sejam escassos na literatura, as dimensões das dunas subaquosas conferem a plataforma um caráter de correntes de alta energia capazes de produzir formas de fundo de grande porte, bem como destruir feições antigas.

As feições isoladas da Coroa Branca e da Coroa das Lavadeiras (Figuras 2, 6A e Perfis O-N e P-Q na Figura 7) evidenciam uma influência mista (estrutural e hidrodinâmica). Em ambos os casos ocorre um desnível gravimétrico e batimétrico paralelo ao alinhamento da estrutura (Figuras 5 e 8), e a coincidência com estruturas do embasamento (Sistema de Falhas de Ubarana e Horst de Touros). Esses corpos arenosos, bem como as dunas subaquosas, estão ligados diretamente aos processos hidrodinâmicos, porém parecem ser trapeados por morfoestruturas pretéritas que condicionam sua forma, direção e dimensão. O campo de dunas em frente a Guamaré apresenta as maiores dunas sobre a plataforma (Figuras 6A e 7). Esse campo de dunas é delimitado por falhamentos de cinemática transcorrente e normal, que possivelmente são responsáveis pela elevação dessa região da plataforma, enquanto as adjacências são rebaixadas.

Embora a erosão oriunda das variações do nível do mar seja elevada, a preservação dos arenitos de praia da Urca do Minhoto e da Conceição (maior elevação de relevo dessa

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plataforma), não explica totalmente sua elevação acima do nível do mar atual em áreas próximas à borda da plataforma (Figuras 2 e 6A), pois os arenitos instalados em mesmas isóbatas (25 m), a oeste (Urca do Tubarão) e a leste (Risca do Zumbi) (Santos et al., 2007) que acompanham a superfície de tendência de relevo regional, não chegam a aflorar sobre a superfície da água. Além desses arenitos, as áreas circunvizinhas de plataforma média também se elevam consideravelmente e apresentam profundidades máximas em torno de 15 m (e.g. Coroa das Lavadeiras a 6 m)(Figura 6A). A gravimetria mostra um máximo associado, e os Sistemas de Falhas de Pescada e de borda se estende sobre a região (Figura 5). É provável que processos de soerguimento tenham ocorrido localmente, originados associados a reativação de falhas, ou ainda devido ao reajuste isostásico da bacia. Os degraus da plataforma externa encontrados entre a Coroa das Lavadeiras e o vale inciso do Rio Açu, logo após os arenitos de praia (Figuras 6A e 7), parecem estar intimamente ligados às falhas paralelas ao Sistema de Falhas de Pescada na forma de um escalonamento de falhas. Corroborando com essa hipótese, têm-se os dados de stress máximo de direção E-W (Figura 1), que suportam uma reativação tectônica na forma de falhas normais com mergulho para NE. Esses degraus também são observados na margem oeste do vale inciso, porém com menor distinção, possivelmente devido à convergência e mudança de direção do sistema de falhas.

O vale inciso do Rio Açu é atípico no que diz respeito a sua morfologia (Figura 8), pois não se enquadra nos modelos apresentados na literatura (Zaitlin et al., 1994; Boyd et al., 2006), nos quais na montante são estreitos e profundos e se tornam largos e arrasados na jusante. Possivelmente, o desajuste no perfil de equilíbrio do paleorio do Rio Açu permitiu altas taxas de incisão em períodos de mar baixo. No entanto, a sua variação morfológica (profundidade, largura e assimetria), coincidente com a ocorrência dos Sistemas de Falhas de Ubarana e Pescada, reflete uma forte influência tectônica. A região central do vale inciso na plataforma interna foi instalada em um mínimo gravimétrico (Figura 5), provavelmente a continuação do Gráben de Boa Vista.

A região do vale inciso na plataforma média é mais estreita e limitada pelos Sistemas de Falhas de Ubarana, a sul, e de Pescada, a norte. Adicionalmente, esta porção do vale inciso insere-se em uma área de anomalias gravimétricas positivas de baixa amplitude, alinhadas na direção N-S. Na porção mais externa da plataforma, a norte do Sistema de Falhas de Pescada, o paleovale apresenta morfologia bastante acidentada com altos e baixos irregulares, e com um canal ainda mais estreito (Figuras 6A e 7). Nesta região, foi observado um expressivo máximo gravimétrico, margeado a sul pelo Sistema de Falhas de Pescada e interrompido por

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mínimos gravimétricos lateralmente (Figura 5). Na zona costeira, a morfologia do vale do Rio Açu corta costa afora transversalmente diversas estruturas do arcabouço geológico (Silva et al., 2010), mesmo assim, ela segue o modelo morfológico de evolução dos vales incisos, alargando costa afora (Martin et al., 2011). Porém, seu padrão morfológico muda na região da plataforma juntamente com a mudança de estilo tectônico. A inversão morfológica da largura de vales e profundidade de talvegues é também comumente documentada na literatura como resultado de controle estrutural (e.g. Menier et al., 2006; Chaumillon et al., 2008).

O vale inciso do Rio Apodi está claramente em concordância com o arcabouço estrutural da Bacia Potiguar. Este vale encontra-se encaixado numa região de relevo côncavo, que coincide com a continuação do Gráben de Grossos e o respectivo mínimo gravimétrico na plataforma (Figuras 5 e 6A). Tal correlação evidencia que o vale se desenvolveu aproveitando estruturas antigas, ou que reativações neotectônicas definiram a disposição espacial da morfologia de vale. O contraste entre os típicos canais distributários e o vale principal, alinhado paralelamente a linha de costa, marca a distinção genética dessas feições. Assim como o vale inciso do Rio Açu, a morfologia do vale inciso do Rio Apodi modifica-se na transição da plataforma média para a externa na posição do Sistema de Falhas de Pescada.

Gomes & Vital (2010) sugeriram uma compartimentação da plataforma em interna, média e externa, onde esses ambientes são delimitados por contatos entre fácies sedimentares, e internamente, definidos pelas formas de fundo. Aqui, observou-se que esses mesmos domínios constituem-se em diferentes patamares batimétricos (Figura 9), os quais são delimitados por discordâncias de anomalias residuais de relevo e de gravimetria e coincidem com os principais falhamentos da plataforma (Sistema de Falhas de Ubarana e Pescada), configurando uma compartimentação plataformal com conotação genética morfoestrutural. Ainda, as direções desses falhamentos são exatamente paralelas às tensões tectônicas derivadas de dados de breakout e mecanismos focais de sismos observados por Lima et al. (1997) e Ferreira et al. (1998).

Os patamares e degraus observados indicam que essas falhas foram reativadas como falhas normais. Esses patamares batimétricos condicionam os processos sedimentares e as formas de fundo, podendo ter origem em eventos, possivelmente sin-deposicionais, de soerguimento e subsidência da bacia na fase compressiva, que atuou durante o Cenozóico ao Plioceno (Moura-Lima et al., 2010). Assim, a mesma compartimentação é relacionada com a estruturação tectônica da bacia imersa, o que sugere que a disposição geomorfológica regional dos depósitos Cenozóicos é diretamente influenciada pela tectônica atuante nessa Era, bem como há indícios de que a sedimentação Quaternária foi condicionada por morfoestruturas.

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7. Conclusões

A análise qualitativa realizada neste estudo constatou um alto grau de correlação entre a configuração de relevo plataformal da Bacia Potiguar e seu arcabouço estrutural. A compartimentação da plataforma em três ambientes, proposta em modelos prévios, baseada na distribuição de fácies sedimentares e formas de fundo, é corroborada pela segmentação estrutural e pelas anomalias de relevo observadas neste trabalho. Os limites apresentados para as plataformas continentais interna, média e externa (12-15, 25, 60 m) são mais coerentes para a região central dessa plataforma ao se considerar a integração dos dados gravimétricos e batimétricos analisados. Algumas feições estudadas, como a Coroa das Lavadeiras e a Coroa Branca, revelam que esses depósitos arenosos isolados não são formados apenas por processos hidrodinâmicos, mas sua disposição espacial indica que estruturas pretéritas servem

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