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2. ANÁLISE DE RISCO NA ÁREA NAVAL

2.3. Análise de risco, IMO e sociedades classificadoras

Na comunidade naval, existem tentativas de se utilizar as metodologias de análise de risco como ferramenta na elaboração de novas regulamentações para segurança marítima e proteção ambiental. Assim como na indústria aeronáutica, aeroespacial ou mesmo nuclear, na indústria naval o objetivo da análise de risco e suas consequências é primordialmente se antecipar a novos acidentes, buscando identificar modos de falha e pontos de vulnerabilidades que ainda não foram pensados ou considerados em projeto. A possibilidade, ainda que remota, de consequências catastróficas, como a morte de seres humanos, não pode suportar somente a filosofia de se aprender com erros, mas deve pregar que a antecipação e prevenção de problemas inéditos são fundamentais para prevenção de acidentes.

Devido ao caráter internacional da indústria naval e de transportes marítimos, em 1948 a Organização das Nações Unidas (ONU) colaborou para a criação de uma agência especializada, chamada International Maritime Organization (IMO). A IMO se posiciona no topo da estrutura internacional de regulamentação da segurança

marítima, responsável por regras e convenções internacionais. Com sede no Reino Unido e com 169 estados membros, a IMO tem a função de atualizar a legislação vigente e adotar novas normas, através de reuniões com especialistas e membros de governos (IMO, 2010). A IMO tem a responsabilidade de criar normas e regras de segurança, visando as questões ambientais, legais e técnicas, mas não tem poderes para impô-las às empresas (KRISTIANSEN, 2005).

Dentre as regulamentações mais notórias, podem-se citar as convenções SOLAS (Safety of Life at Sea) cujo principal objetivo é estabelecer padrões mínimos para construção, equipamentos e operação de embarcações (IMO, 2004); MARPOL (International Convention for the Prevention of Pollution from Ships) que trata de aspectos ambientais do projeto e construção de navios (IMO, 2006); e o ISM Code (International Management Code for Safe Operation and Pollution Prevention) cujo objetivo é induzir as empresas do setor a criar um sistema de gestão comprometido com a qualidade e segurança (IMO, 2002). Este último estabelece procedimentos de SMS (Safety Management System) para a identificação de equipamentos e sistemas cuja falha repentina possa provocar uma situação de perigo.

Duas abordagens são predominantes entre as normas das sociedades classificadoras (SII; WANG; ELEYE-DATUBO, 2005):

 Abordagem prescritiva: as regras são baseadas em resultados da experiência de vários anos de operação. Estas regras e normas são muito úteis para servir como diretrizes para gerar um novo projeto de forma rápida, e servir como uma fonte de consulta familiar aos estaleiros.

Segundo Dias et al. (2007), as normas prescritivas estabelecem:

[...]diretamente requisitos e restrições sobre parâmetros e características dos navios e seus sistemas e componentes sem esclarecer as metas de segurança subjacentes. A suposição básica é que a segurança do navio estará garantida uma vez que todas as regras e regulamentos sejam cumpridos. (DIAS et al., 2007, p.8)

Abordagem baseada em risco: são baseadas em “safety cases” e avaliações de risco. Algumas sociedades classificadoras já estão preparadas para prover classificação baseadas em risco, e já publicaram diretrizes sobre esta abordagem. Ver (ABS, 2000).

De fato, nos últimos anos, algumas organizações começaram a preferir a utilização de regras e normas baseadas em risco, ao invés de regulamentos prescritivos. Isso criou uma nova perspectiva para desenvolvimentos em modelagem de risco e métodos de tomada de decisão baseadas em risco. Segundo Wang et al. (2004), acredita-se na mudança da filosofia de “me fale o que fazer” para “mostre- me como fazer” ou “envolva-me neste processo”. Esta mudança é vista como positiva, pois certamente motivará o desenvolvimento de novas abordagens para a avaliação de risco e tomada de decisão.

Conforme descrito por Dias et al. (2007b), o inicio da utilização da análise probabilística de risco (PRA) como uma nova ferramenta científica para avaliação da segurança do transporte marítimo foi no começo da década de 1990, após a publicação, em 1992, do relatório do acidente do ferry Herald of Free Enterprise, ocorrido em 1987. Este relatório de análise, conhecido como Lord Carver´s Report, motivou a utilização da avaliação formal de segurança (Formal Safety Assessment – FSA), baseada na PRA. Em 2002, a IMO publica uma diretriz em forma de uma metodologia para uso no processo de elaboração de regras (IMO, 2002a). Wang et al. (2004) mencionam que, no momento, uma das principais preocupações da FSA é a simplificação da abordagem e o estudo de caso para produzir mais diretrizes, com o intuito de facilitar a aplicação prática dos fatores humanos e organizacionais.

Algumas considerações relevantes a esta diretriz da IMO, intitulada “Guidelines for Formal Safety Assessment (FSA) for Use in the IMO Rule-Making

Process”, estão destacadas abaixo:

1) Constata-se a importância de se realizar a análise com dados apropriados. No entanto, é sabido que na indústria naval, pelas próprias características do setor, a frequência de acidentes nem sempre é suficiente para prover uma amostra para cálculos estatísticos. Neste caso, recomenda-se utilizar técnicas que utilizam opiniões de especialistas, modelos físicos, simulações ou modelos analíticos. Trata-se de uma observação sensata, e torna viável muitas análises e estudos, uma vez que a obtenção de dados pode se tornar um processo muito custoso e demorado.

2) O documento dedica espaço para a discussão a respeito do elemento humano, “um dos fatores contribuintes mais importantes à causa e a prevenção de acidentes”. Menciona-se que o elemento humano deve ser tratado como parte de um sistema integrado (ver Figura 2, pág. 10), e deve ser considerado na FSA através de técnicas apropriadas, associado à ocorrência do acidente, causa básica ou influência.

3) Sugere-se que o modo aceitável de se incorporar o elemento humano à FSA é por meio de técnicas de análise de confiabilidade humana - ACH (do inglês, Human Reliability Analysis - HRA). Um guia para a utilização da ACH é apresentado em uma seção à parte, com conceitos e instruções práticas. O texto alerta que, apesar da ACH ter origem na indústria nuclear, a bordo de um navio o ser humano possui mais graus de liberdade para interromper o sistema, e, portanto, as técnicas de ACH devem ser adaptadas.

4) Também é mencionado que, na maioria das vezes, a análise qualitativa da confiabilidade e erros humanos é suficiente. No caso da necessidade de uma análise quantitativa, as técnicas de julgamento de especialistas é a mais indicada. Como alternativas a esta, as técnicas HEART (Human Error

Assessment and Reduction Technique) e THERP (Technique for Human Error Rate Prediction) são também sugeridas. Nestes casos, deve-se

considerar que:

a. uma estimativa aproximada da magnitude do erro humano é suficiente;

b. a quantificação do erro humano pode ser bastante efetiva para fins de comparação de cenários;

c. o nível de detalhes da análise deve ser compatível com o nível de detalhes da FSA;

d. existem inúmeras técnicas de análise de erros humanos, e a ferramenta escolhida deve ser compatível com as necessidades da análise.

Estas são quatro observações bastante lúcidas e realistas em relação à indústria naval. O estudo e aplicação das técnicas de ACH podem exigir

bastante rigor e fundamentação, uma vez que a modelagem do comportamento humano é objeto de grande discussão e controvérsia. Com estas considerações, a IMO impõe uma visão prática à aplicação das técnicas de ACH.

5) Reforça-se a necessidade de se analisar o custo-benefício e as opções de controle do risco (tema abordado a seguir na seção 2.6). Uma FSA pode ter um custo financeiro alto, no entanto, dada as proporções da consequência, o investimento pode ser justificado. O texto busca conscientizar o leitor de que o custo-benefício do processo é relevante para o resultado final, e que os objetivos da análise devem estar bem definidos desde o inicio.

6) O uso da FSA deve ser sempre consistente com o processo de tomada de decisão, servindo como uma ferramenta para facilitar a tomada de decisão de forma transparente, conforme pode ser visto no fluxograma da FSA proposto pela IMO na Figura 5. Isso reforça o argumento da seção 2.1, de que a análise de risco não é um fim em si mesmo.

Figura 5 – Metodologia da FSA – adaptado de (IMO, 2002a, p. 15)

Os benefícios de se adotar a FSA como uma ferramenta de regulamentação são (WANG, 2006):

TOMADORESDE DECISÃO

Passo 5 - Recomendações para tomada de decisão Passo 2 Avaliação do Risco Passo 1 Identificação de Perigos Passo 4 Avaliação de custo-benefício Passo 3 Opções de controle do risco

METODOLOGIA DA FSA

 Possuir um regime de regulamentação que trata todos os aspectos de segurança de forma integrada;

 Possuir uma maior relação custo-benefício;

 Utilizar uma abordagem pró-ativa, permitindo investigar os perigos que ainda não foram considerados nas análises passadas;

 Servir como uma base racional para tratar novos riscos devido à constante evolução tecnológica dos equipamentos.

O processo da FSA pode ainda ter um potencial maior que simplesmente colaborar com o processo de elaboração de normas. A FSA pode ainda ser explorada em um contexto mais amplo de projeto e operação de navios (WANG, 2006).

Segundo a ABS (American Bureau of Shipping), devido ao entendimento individual de cada parte interessada em relação à segurança, a análise/avaliação de risco tem a vital função de ser uma ferramenta racional de julgamento, se opondo a possíveis conflitos de interesse (ABS, 2000). Isso demonstra a importância desta ferramenta nos processos de tomada de decisão das sociedades classificadoras do setor naval. Estas são empresas, entidades ou organismos independentes que estabelecem padrões de projeto, construção e manutenção de embarcações. As normas destas classificadoras geralmente cobrem a parte de projeto de cascos, materiais, máquinas principais e auxiliares, instalações elétricas, sistemas de controle e equipamentos de segurança.

A ABS também publicou diretrizes para avaliação e análise de risco (ABS, 2000). Seu documento é bastante alinhado com as diretrizes da IMO, e também reforça a importância dos fatores humanos, indicando a ACH como a melhor abordagem para avaliar os erros humanos na FSA. Este relatório conclui que os métodos de análise quantitativa de risco e de levantamento de dados da indústria naval ainda estão engatinhando. Ainda levará algum tempo para que estes métodos ganhem um grau razoável de repetibilidade e confiança para serem utilizados como critérios de aceitação. Por isso, para atingir estes objetivos, a pesquisa e desenvolvimento relacionados às metodologias baseadas em risco e visando a segurança são essenciais.