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Critérios de aceitação do risco e análise custo benefício

2. ANÁLISE DE RISCO NA ÁREA NAVAL

2.6. Critérios de aceitação do risco e análise custo benefício

“Segurança absoluta é uma utopia” (GUIMARÃES, 2003, p. 58)

Recapitulando o exposto anteriormente, a gestão de risco envolve a avaliação do risco aceitável e das alternativas para redução do risco associado ao sistema. Isso significa que nem sempre o risco pode ser totalmente eliminado. Neste caso, algumas estratégias para o tratamento do risco podem ser escolhidas:

 Evitar o risco (por exemplo, desistindo de um projeto).  Controlar o risco (ou mitigar as consequências).

 Transferir o risco (por exemplo, contratando um seguro).  Aceitar o risco (retenção do risco)3.

O risco só é dito eliminado quando não se expõe a ele. Caso contrário, deve- se reduzir-se o risco até uma condição aceitável. A aceitação de risco é um tema complexo e assunto de muitos debates (AYYUB, 2003). Todavia, determinar os níveis de risco aceitáveis é fundamental para que um sistema seja considerado seguro. A aceitação do risco depende principalmente da percepção da sociedade, e não exatamente do valor do risco.

Algumas razões para a aceitação do risco são (KRISTIANSEN, 2005):  o risco é tão pequeno que pode ser ignorado;

 o risco é incontrolável e inevitável, e não causa nenhum impacto na sociedade;

 alguma organização com responsabilidade apropriada estabeleceu um limite aceitável de risco;

 historicamente, o nível de risco continua sendo aceitável;  a redução do risco não é viável, no atual estado da técnica;  o risco compensa dados os benefícios.

3 Retenção do risco é a aceitação do ônus da perda ou do benefício do ganho associado a um

Para situações fora destes casos, o conceito de critério de aceitação de risco pode ser utilizado. Critérios de aceitação de risco expressam o nível de risco tolerável de um sistema ou atividade. Podem ser tanto uma medida qualitativa quanto quantitativa. A literatura apresenta alguns métodos para se escolher o critério de aceitação de risco (AYYUB, 2003; SKJONG, 2002). Dentre elas, podem-se citar:

 Métodos de comparação (comparação de índices, comparação com outras indústrias ou outras atividades, etc.).

 Abordagem da matriz de risco.  Curvas F-N (ver Figura 10).  Efetividade do risco.

 Análise custo-benefício.  ALARP.

Figura 10 – Exemplo de curva F-N – adaptado de (KRISTIANSEN, 2005, p. 36)

Determinar o nível de segurança suficiente de um sistema não é uma questão simples. A maior parte das regulamentações existentes não menciona explicitamente os níveis de risco considerados aceitáveis ou toleráveis (ABS, 2000). Ou seja, é raro que organismos de regulamentação ou sociedade classificadora apontem quantas fatalidades ou acidentes são aceitáveis por ano em determinado tipo de embarcação, ou operação. Isso porque, surgiria campo vasto para

NÚMERODEFATALIDADES FREQUÊNCIA NÃOACEITÁVEL ACEITÁVEL MÁXIMOPERMITIDO REDUÇÃODESEJÁVEL NÍVELDESPREZÍVEL 10-8 10-6 10-4 10-2 10 100 1000

controvérsias e discussões morais e éticas que tirariam o foco do principal objetivo que é prevenir acidentes. Afinal, nenhum acidente é aceitável4.

Todavia, alguns países já publicaram valores aceitáveis para o risco para a indústria em geral (não específicos para a área naval):

Estados Unidos: A Tabela 2 apresenta valores anuais aceitáveis de risco

individual e risco público.

Tabela 2 – Risco anual aceito pela sociedade nos Estados Unidos (NASA, 2002, p. 7)

Risco Individual Anual Risco Público Anual

Indústrias em geral: 7.0E-5 Doença do coração: 2.7E-3

Mineragção: 2.4E-4 Câncer: 2.0E

Bombeiros: 4.0E-4 Veículos motorizados: 1.5E Polícia: 3.2E-4

Presidente dos EUA: 1.9E-2

Holanda (KAUER, et al., 2002):

Riscos toleráveis ao indivíduo

Situações existentes: 10-5 fatalidades por ano Situações novas: 10-6 fatalidades por ano

Riscos toleráveis à sociedade:

Uma ou mais fatalidades: 10-3 por ano

Inglaterra (KAUER, et al., 2002):

Trabalhadores: 10-3 fatalidades por ano Público: 10-4 fatalidades por ano

Amplamente aceitável: 10-6 fatalidades por ano

Ainda na Inglaterra, o UK Health and Safety Executive (HSE), departamento governamental de segurança do Reino Unido, propôs valores para embarcações, conforme apresentado na Tabela 3 (HSE, 1999):

4 É possível encontrar na literatura autores que abordem a quantificação das consequências

relacionadas à população, como fatalidades e deficiências permanentes e temporárias. Os custos associados estas consequências podem ser avaliados de acordo com parâmetros de seguros, indenizações, e encargos sociais. Também é possível encontrar métodos para cálculo de consequências relativas à poluição do ambiente. Estes temas não serão abordados neste trabalho. Para maiores detalhes, o leitor pode consultar (KRISTIANSEN, 2005).

Tabela 3 – Risco máximo tolerado para embarcações no Reino Unido (KONTOVAS; PSARAFTIS, 2009)

Risco máximo tolerado Frequência de fatalidades

para tripulação: 10-3 por ano

para passageiros: 10-4 por ano

para público em terra: 10-4 por ano

Risco desprezível 10-6 por ano

O conceito ALARP se mostra como sendo o mais utilizado para se buscar o equilíbrio do risco tolerável. O princípio ALARP (do inglês, as low as reasonably

praticable) foi criado pelo UK Health and Safety Executive para prover uma direção

na busca da redução do risco ao menor nível praticável, e, portanto, aceitável (KRISTIANSEN, 2005). A Figura 11 ilustra este princípio. Skjong (2002) menciona que, no setor naval, o R de ALARP deve significar “não desproporcional aos custos”. Neste sentido, Reason complementa o princípio ALARP com o princípio ASSIB (And

Still Stay In Business) já que não é factível projetar um sistema ótimo em custo e

segurança ao mesmo tempo (REASON, 1997).

O princípio ALARP implica realizar uma avaliação ou análise custo-benefício (CBA – Cost-Benefit Analysis), que é basicamente uma técnica de comparação de custos e benefícios de um projeto. A Figura 12 apresenta um exemplo de fluxograma para análise de risco e segurança, situando as funções dos critérios de aceitação de risco, e da análise custo benefício.

Figura 11 – Diagrama típico do princípio ALARP – adaptado de (KRISTIANSEN, 2005, p. 247)

Sem necessidade de demonstrar o ALARP, mas necessário assegurar que o risco permaneça neste nível

RISCODESPREZÍVEL

Risco aceito como tolerável somente quando as medidas de redução de risco forem impraticáveis.

Tolerável se redução do risco maiores que melhorias obtidas.

Risco não pode ser justificado. Somente em casos extraordinários.

RISCOINTOLERÁVEL ALARP D IR E Ç Ã O DO A U M E N TO DO R IS C O

Figura 12 – Processo de análise de segurança aplicando critérios de aceitação – adaptado de (SSRC, 2003, p. 20)

Kristiansen (2005) aponta duas visões predominantes sobre a análise custo- benefício. A primeira leva em conta que, para qualquer sistema, haverá um limite econômico de quanto se pode gastar em segurança até que o sistema se torne economicamente inviável ou não competitivo. Implementar medidas de redução de risco pode aumentar a segurança e confiabilidade de um sistema, mas certamente existirá um preço financeiro a ser pago. Em determinado momento, o custo das medidas de segurança pode tornar inviável economicamente a operação de um navio. Deverá haver sempre um equilíbrio entre os custos de se implantar medidas de segurança e o nível de risco residual, o qual, não importa o esforço despendido, nunca pode ser completamente eliminado. A Figura 13 apresenta este conceito, onde o custo esperado da consequência é o valor probabilizado de determinada consequência. O custo esperado da medida de redução de risco é uma curva hiperbólica, onde um aumento marginal do custo da medida significa uma redução ainda menor da probabilidade de ocorrência. O ponto ótimo será o mínimo da curva da soma dos dois custos esperados.

A segunda visão leva em conta a ponderação entre implementar uma medida de segurança e os benefícios (redução do custo das perdas) obtidos através desta medida. Desta forma, busca-se o ponto ótimo entre os investimentos em segurança (custos) e a redução do custo das perdas. A Figura 14 ilustra este raciocínio.

CRITÉRIOSDEACEITAÇÃODERISCO

MISSÃODONA- VIOEDEFINIÇÃO DOSISTEMA IDENTIFICAÇÃO DOS PERIGOS ANÁLISE DE RISCO SOLUÇÃODE PROJETO ANÁLISE CUSTO-BENEFÍCIO REDUÇÃODO RISCO OPERACIONA L TÉCNICA CONSEQUÊNCIA FREQUÊNCIA NÍVELDERISCO ACEITÁ VEL?

Figura 13 – Equilíbrio entre custo versus consequência – adaptado de (KUMAMOTO; HENLEY, 1996, p. 24)

A fim de padronizar as formas de cálculo das análises custo-benefício alguns índices foram criados. Dentre estes os mais populares são: o custo por unidade de redução de risco (ou CURR – Cost per Unit of Risk Reduction), e o custo implícito de se evitar uma fatalidade (ou ICAF – Implied Cost of Averting a Fatality) (KRISTIANSEN, 2005). A Tabela 4 apresenta outros exemplos de medidas de risco utilizados no meio naval.

Figura 14 – Implementação ótima das medidas de segurança – adaptado de (KRISTIANSEN, 2005, p. 252) Probabilidade da conseqüência P Cu st o Ponto Ótimo Custo esperado da conseqüência CC Custo esperado Total: CC + CM Custo esperado da medida de redução de risco CM

Custo de Implementação das medidas de segurança

C

us

to

Ponto Ótimo do nível de

segurança Custo das medidas de prevenção CM

Custo esperado Total: CP + CM

Tabela 4 – Medidas de risco no setor naval (KRISTIANSEN, 2005, p. 33, tradução nossa)

Tipo Nome Definição

Acidentes

ocupacionais: LTI-Rate Lost-Time Injury frequency rate Número de tempo perdido devido a ausência médica por 106 horas-homem de trabalho AIR Average Individual Risk Número de fatalidades por indivíduo exposto IIR Injury Incident Rate (Número de ferimentos)/(Número de

trabalhadores) * 105

IFR Injury Frequency Rate (Número de ferimentos)/(Total de horas trabalhadas)*105

S-Rate Severity Rate Número de dias de trabalho perdido devido a ferimentos

TRI-rate Total Recorded Injury

Rate Número total de ferimentos registrados por 10

6

horas-homem Número médio de dias

perdidos

S-rate/LTI-rate

FAR Fatal Accident rate Fatalidades por 108 horas de trabalho PLL Potential Loss of Life

AFR Accident Frequency

Rate Número de acidentes / número de empregados relativos a 200.000 horas de trabalho ASR Accident Severity

Rate Número de horas perdidas / número de empregados relativos a 200.000 horas de trabalho FSI Frequency Severity

Indicator

Relacionados

ao trabalho

WRD-rate Work-ralated Diseases rate

Número de casos novos de doenças resultando em faltas por 106 horas

Sick leave percentage Número de faltas por doença / número total de dias úteis

Poluição Taxa de emissão Emissão em kg/m3

Perdas

materiais Taxa de perda Acidentes por unidade de produção. Ex. colisões por 105 milhas navegadas Coeficiente de perda Navios perdidos/navios em risco

Coeficiente de perda relativo

Coeficiente de perda / coeficiente de perda mundial

Em seu relatório sobre as diretrizes para avaliação formal da segurança, a IMO (2002a) sugere a utilização do ICAF para expressar a relação de custos com a segurança de vidas, nas formas do Gross CAF (Cost of Averting a Fatality), ou custo bruto de se evitar uma fatalidade; e do Net CAF, ou custo líquido de se evitar uma fatalidade (IMO, 2002). Estes podem ser definidos como:

e

(5)

onde:

∆B é o benefício econômico por embarcação resultante da implementação da

opção de controle de risco;

∆R é a redução do risco por embarcação, em termos de número de

fatalidades evitadas, devido à opção de controle de risco.

Segundo Kristiansen (2005), a DNV (Det Norske Veritas), sociedade classificadora norueguesa, indica que medidas de redução de risco com um ICAF menor que 3 milhões de dólares podem ser consideradas eficientes pelo custo e devem ser implementadas.

O ICAF pode também ser encarado como os benefícios de se evitar uma fatalidade. De fato, conforme mencionado no início deste capítulo, vários problemas podem surgir quando se definem valores para a vida humana. Tome-se como exemplo a Figura 15, que apresenta o perfil de risco de um problema envolvendo fatalidades. Dentre várias alternativas, a fronteira das alternativas viáveis formam o que se chama de curva de Pareto. Nesta, as soluções serão equivalentes, e não é possível escolher qual delas é a melhor, por exemplo, a solução A ou B (KUMAMOTO; HENLEY, 1996).

Em outras palavras, pela eq. (1), página 13, as seguintes alternativas são matematicamente equivalentes:

 100% de probabilidade de um acidente por ano com 1 fatalidade (Risco = 100%·1 = 1)

 10% de probabilidade de um acidente por ano com 10 fatalidades (Risco = 10%·10 = 1)

 1% de probabilidade de um acidente por ano com 100 fatalidades (Risco = 1%·100 = 1)

Em casos como estes, a decisão será baseada na aversão/propensão ao risco do tomador de decisão, que levará em conta a percepção da consequência. A percepção da consequência por um indivíduo ou sociedade é estudada como “mecanismos de aversão ao risco”, que não serão abordados nesta tese. Ver (KUMAMOTO; HENLEY, 1996).

Figura 15 – Perfil de risco e curva de Pareto – adaptado de (KUMAMOTO; HENLEY, 1996, p. 24)