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4. Medindo Desigualdade

4.1 Desigualdade de Pagamentos no Brasil Calculada pelo Índice de Theil

4.1.4 Análise Decomposicional

O setor financeiro é tradicionalmente o maior contribuinte para a desigualdade de pagamentos no Brasil, mas, no entanto, conforme se pode ver no Gráfico 4.4, a sua importância vem decrescendo desde os meados da década de 1990. Ao mesmo tempo, o Gráfico 4.4 mostra que a importância do setor do funcionalismo público vem crescendo, e em 2003, os dois setores praticamente davam a mesma contribuição para a desigualdade de pagamentos.

Embora o processo de globalização neste período tenha dado uma enorme ênfase ao setor financeiro, aumentando seu peso na economia como um todo, no Brasil, a automatização bancária reduziu o número de empregados neste setor de 638.652 em 1996, que equivalia a 3,35% do total de trabalhadores no setor formal do país, para 601.614 empregados em 2003, equivalente a 2,11% da força de trabalho formal. Conforme mostra a Tabela 4.1, o salário médio do setor financeiro também caiu em relação à média salarial do Brasil. Em 1996, o

salário médio do setor formal era 2,87 vezes maior que à média nacional, caindo para 2,65 vezes em 2003. Embora tenha havido a redução da superioridade da média salarial neste setor, o Gráfico 4.5, que retrata os efeitos da variação do número de trabalhadores e do salário médio na composição da desigualdade, mostra que a redução do número de empregos no setor financeiro é o fator mais importante para explicar a diminuição da importância da contribuição deste setor para a desigualdade no Brasil. A queda dos salários, que também contribui para diminuir a contribuição deste setor para a desigualdade, está ligada à redução do número de empregos, pois a automatização bancária levou à dispensa de massas de trabalhadores, e os sindicatos da categoria preferiram lutar para manter empregos a buscar melhorias salariais. Embora os salários dos técnicos em informática fossem mais altos, a proporção destes trabalhadores em relação ao total do setor não se mostrou suficiente para impedir a queda da média salarial.

Setores de

Atividade Assalariados % R$ % R$ % média país Assalariados % R$ % R$ % média país Total... 19.060.706 100,00% 149.510.222 100,00% 7,84 100,00% 28.470.895 100,00% 340.728.273 100,00% 11,97 100,00% Setor 1... 293.702 1,54% 1.388.922 0,93% 4,73 60,29% 370.716 1,30% 2.676.251 0,79% 7,22 60,32% Setor 2... 3.242 0,02% 14.237 0,01% 4,39 55,99% 16.144 0,06% 81.195 0,02% 5,03 42,03% Setor 3... 98.503 0,52% 1.567.980 1,05% 15,92 202,94% 115.266 0,40% 2.331.480 0,68% 20,23 169,01% Setor 4... 3.597.232 18,87% 31.592.887 21,13% 8,78 111,97% 5.633.130 19,79% 75.430.194 22,14% 13,39 111,89% Setor 5... 278.132 1,46% 5.439.040 3,64% 19,56 249,31% 226.228 0,79% 6.129.744 1,80% 27,10 226,41% Setor 6... 518.328 2,72% 2.464.538 1,65% 4,75 60,62% 1.011.466 3,55% 9.360.002 2,75% 9,25 77,32% Setor 7... 1.759.341 9,23% 6.109.782 4,09% 3,47 44,27% 4.953.357 17,40% 36.136.202 10,61% 7,30 60,96% Setor 8... 646.178 3,39% 2.180.973 1,46% 3,38 43,03% 901.005 3,16% 4.965.423 1,46% 5,51 46,05% Setor 9... 1.335.318 7,01% 11.625.695 7,78% 8,71 110,99% 1.485.995 5,22% 19.628.946 5,76% 13,21 110,38% Setor 10... 638.652 3,35% 14.367.928 9,61% 22,50 286,81% 601.614 2,11% 19.100.848 5,61% 31,75 265,29% Setor 11... 1.953.024 10,25% 11.778.703 7,88% 6,03 76,89% 2.981.824 10,47% 29.716.428 8,72% 9,97 83,27% Setor 12... 5.329.858 27,96% 42.010.638 28,10% 7,88 100,49% 6.762.956 23,75% 93.495.803 27,44% 13,82 115,52% Setor 13... 868.069 4,55% 7.757.926 5,19% 8,94 113,94% 1.107.868 3,89% 18.325.125 5,38% 16,54 138,21% Setor 14... 899.915 4,72% 5.931.883 3,97% 6,59 84,03% 1.090.858 3,83% 11.682.705 3,43% 10,71 89,49% Setor 15... 841.212 4,41% 5.279.090 3,53% 6,28 80,01% 1.212.454 4,26% 11.667.595 3,42% 9,62 80,41% Setor 16... 14 0,00% 332 0,00% 23,71 198,15% Setores de Atividade:

1 - Agricultura, pecuária, silvicultura e exploração florestal 9 - Transporte, armazenagem e comunicações

2 - Pesca 10 - Intermediação financeira, seguros, previdência e serviços relacionados 3 - Indústrias extrativas 11 - Atividades imobiliárias, aluguéis e serviços prestados às empresas 4 - Indústrias de transformação 12 - Administração pública, defesa e seguridade social

5 - Produção e distribuição de eletricidade, gás e água 13 - Educação

6 - Construção 14 - Saúde e serviços sociais

7 - Comércio; reparação de veículos, obj. pessoais e domésticos 15 - Outros serviços coletivos, sociais e pessoais

8 - Alojamento e alimentação 16 - Organismos internacionais e outras instituições extraterritoriais

Média Salarial 2003

Tabela 4.1 - Distribuição de Empregos e Salários no Brasil por Setor de Atividade

Salários Média Salarial

1996

Empregos Salários Empregos

A diminuição da importância da contribuição do setor financeiro a partir de meados da década de 1990 é seguida pelo aumento da contribuição do funcionalismo público. Entretanto, este acréscimo é devido ao aumento da média salarial do setor e não a um aumento do número relativo de trabalhadores neste setor. O Gráfico 4.5 mostra que o efeito referente ao número de empregos é negativo para esta atividade, porém este valor é amplamente suplantado pelo resultado positivo apontado no lado do efeito referente ao aumento da renda média obtido pelo setor.

Gráfico 4.4

Figura 3.3

Fonte: Cálculo do autor, com dados do IBGE Conforme a Tabela 4.1, em 1996, havia 5.329.858 postos neste setor, que se constituía no que mais gerava emprego no Brasil, e que equivalia a 27,96% do total da força de trabalho do país no setor formal. Em 2003, o número de trabalhadores cresceu para 6.762.956, e, embora o setor continuasse sendo o maior gerador de empregos, sua participação relativa caiu para 23,75% do total. No entanto, a média salarial do funcionalismo público, que era igual à do país em 1996, em 2003, passou a ser 15,52% superior à média nacional. Este aumento deveu-se à política do governo para atrair trabalhadores mais qualificados para o setor, por

Contribuição ao Índice de Theil por Setor – 1996 a 2003

-0,150 -0,100 -0,050 0,000 0,050 0,100 0,150 0,200 0,250 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 T h ei l T

Intermediação financeira e serviços relacionados Administração pública, defesa e seguridade social Indústrias de transformação Educação

Produção e distrib. de eletricidade, gás e água Transporte, armazenagem e comunicações Indústrias extrativas Organismos internacionais

Pesca Saúde e serviços sociais

Agricultura, pecuária, silvicultura e exploração florestal Outros serviços coletivos, sociais e pessoais

Construção Alojamento e alimentação

meio de melhores salários para diversas carreiras e ao fortalecimento de sindicatos de diversas áreas do funcionalismo que possuem um robusto poder de barganha, principalmente devido à sua proximidade com o poder político.

No outro lado do espectro da desigualdade, o setor com a maior contribuição negativa para o índice de Theil é o de venda atacadista e varejista. Conforme a Tabela 4.1, em 1996, este setor gerava 1.759.341 empregos, que equivaliam a 9,23% da força de trabalho do país no setor formal, com uma média salarial 56% menor do que a do país. Sua participação relativa na geração de empregos cresceu em 2003 para 17,40% do total de postos no país, equivalentes a 4.953.357 trabalhadores, e a média salarial também aumentou relativamente, mas ainda permaneceu 39% abaixo da média nacional. O Gráfico 4.5 mostra que, apesar do efeito salarial positivo, o qual reduziu a contribuição negativa deste setor para a desigualdade, o aumento de trabalhadores com o salário abaixo da média fez com que este setor permanecesse como o maior contribuinte negativo para a desigualdade.

Gráfico 4.5

Fonte: Cálculo do autor, com dados do IBGE.

Theil – Efeitos da Variação de Empregos e

Salários

-0,15 -0,1 -0,05 0 0,05 0,1 0,15

Efeito Empregos Efeito Salários

Administração pública, defesa e seguridade social Educação

Atividades imobiliárias Comércio

Indústrias de transformação Construção

Transporte, armazenagem e comunicações Outros serviços coletivos, sociais e pessoais

Saúde e serviços sociais Alojamento e alimentação

Organismos internacionais Pesca

Agricultura, pecuária, silvicultura e exploração florestal Indústrias extrativas

O setor que compreende a produção e distribuição de eletricidade, gás e água foi o que teve a maior perda percentual de empregos entre 1996 e 2003. O Gráfico 4.5 mostra que esta atividade teve resultados negativos, tanto referentes ao efeito do número de trabalhadores no setor quanto à renda média auferida. Em 1996, este setor empregava 278.132 trabalhadores, ou seja, 1,46% do total da força de trabalho do país. Entretanto, em 2003 o número de empregos gerado pelo setor caiu para 226.228, equivalente a apenas 0,79% do total de empregos no setor formal do país. O salário médio caiu 9,2% comparado com a média nacional, isto é, de 2,49 vezes superior a esta média para 2,26 vezes. Até o início da década de 1990, estes serviços eram monopólio de companhia estatais, freqüentemente usadas por políticos com fins de patronagem e clientelismo. Desta forma, muitas pessoas eram nomeadas para cargos nestas empresas como recompensa por serviços prestados na época de eleições, ou por serem parentes ou amigos de políticos influentes. Depois da privatização desses serviços, a busca de maior eficiência por parte das empresas levou à dispensa em massa neste setor, além da redução de salários em seus quadros.

A indústria de transformação manteve um desempenho estável quanto à sua contribuição para a desigualdade neste período. Em 1996, este setor contribuía com 18,87% do total de empregos do país, o que equivalia a 3.597.232 postos de trabalho. Em 2003, houve um pequeno acréscimo nesta participação, chegando a 19,79%, ou seja, 5.633.130 empregos. Enquanto isto, sua média salarial permaneceu 12% superior à média nacional, nos dois anos citados.

Geograficamente, o maior contribuinte à estatística T de Theil é o estado de São Paulo, o mais rico e mais populoso do país. O modelo econômico adotado pelo governo brasileiro entre 1930 e 1980, de industrialização substituindo importação, trouxe um grande fluxo de migração interna para o estado de São Paulo. Milhões de brasileiros chegaram, principalmente dos estados da região Nordeste, mas com baixo nível educacional e habilitados somente para trabalhar nas atividades mais simples, como a construção civil ou serviços domésticos. No entanto, o estado de São Paulo propicia oportunidades de emprego e de ensino. Sua rede de escolas públicas está entre as melhores do país, além de possuir, segundo o Times Higher’s World University Ranking, a melhor universidade da América do Sul, a Universidade de São Paulo. Outro fator importante para o desenvolvimento econômico do estado é a concentração de investimentos em empresas de pesquisa e desenvolvimento de novas tecnologias. 70% das empresas brasileiras de pesquisa estão no estado de S. Paulo, empregando 87% dos trabalhadores neste setor.

Como o maior gerador de empregos do país, em 2003, o estado de São Paulo empregava 29,83% dos trabalhadores brasileiros no setor formal, isto é, quase 1 em cada 3 empregos no Brasil está em São Paulo. O estado concentra 40,34% de todos os empregos no setor financeiro, 37,09% dos trabalhadores no setor imobiliário, 36,16% dos postos de trabalho na indústria de transformação, 32,57% dos empregos no setor de saúde e serviços sociais, tendo uma participação superior a 25% do mercado de trabalho em todos os demais setores importantes da economia nacional, exceto o do funcionalismo público.

Os outros dois contribuintes importantes para a desigualdade de pagamentos no Brasil são Brasília, devido à concentração da administração pública na cidade, e o estado do Rio de Janeiro, que também detém um número grande de funcionários públicos e trabalhadores na área de extração de petróleo.

Gráfico 4.6

Fonte: Cálculo do autor, com dados do IBGE.