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6. Conceitos Básicos de Microssimulação, Demografia e Tributação

6.2 Microssimulação: Avaliando Ex-ante

Microssimulação, ou simulação microanalítica, é a técnica de modelagem econômica que permite alterar os atributos das unidades individuais que compõem um banco de dados, de forma determinística ou estocástica, e analisar os resultados agregados destas alterações. Embora requeira o uso intensivo de recursos computacionais, a metodologia começou a ser discutida na década de 1950, quando a disponibilidade destes recursos ainda era bastante limitada. Orcutt (1957) expõe a limitação das técnicas de modelagem econômica com dados agregados e propõe um modelo que simule as alterações no nível das unidades individuais de uma população. Esta técnica permite levar em conta a heterogeneidade e diversidade dos agentes econômicos que compõem o banco de dados por meio de um vetor de características, o que possibilita tecer hipóteses mais apuradas sobre o comportamento de cada unidade e obter resultados quantificando a resposta esperada de cada indivíduo da população. Desta forma, obtém-se resultados mais significativos do que quando se trabalha com casos típicos ou elementos representativos da população estudada.

Esta possibilidade de captar a variação de cada unidade que compõe a amostra, e de todas as unidades ao mesmo tempo, constitui-se na grande força da modelagem por meio da microssimulação. Estes resultados podem ser determinísticos, quando se considera que a probabilidade de sua ocorrência seja igual a um, ou previstos por uma função probabilística, permitindo o desenvolvimento de modelos estocásticos mais flexíveis, que por vezes se baseiam no método de Monte Carlo. Por exemplo, para prever se um indivíduo da população estudada estará trabalhando no próximo período, gera-se randomicamente um número entre zero e um por meio de uma função de probabilidade uniforme. Se este número for menor que a probabilidade estimada de participação na força de trabalho para um indivíduo com aquele vetor de características (sexo, idade, raça, região de moradia, etc), assume-se que ele está empregado, caso contrário, ele é considerado desempregado. Se ele estiver trabalhando, seu salário pode ser estimado por meio de seu vetor de características, que também pode ser alterado no tempo, por exemplo, ao simularmos a probabilidade que ele tem de migrar. A nova população, criada a partir das mudanças simuladas, permite um cálculo acurado das variáveis agregadas que predizem o resultado das alterações propostas. O aumento da capacidade e a diminuição dos custos dos recursos computacionais somados à elaboração de grandes bancos de dados mais detalhados pelos institutos de pesquisas permitiram que esta técnica passasse a ser usada intensivamente na simulação de políticas públicas alternativas. Esta análise ex-ante possibilita antever os resultados e escolher os caminhos que levem aos

objetivos visados pela política proposta. No caso de políticas distributivas é possível prever os impactos distributivos, quem está sendo afetado e como, i.e., quem ganha e quem perde, e então projetar os resultados agregados para a população e para a economia como um todo. A Figura 6.2, desenvolvida a partir de Labandeira et al (2006), apresenta a estrutura para os modelos de microssimulação.

A estrutura de um modelo de microssimulação para avaliar políticas redistributivas, segundo Bourguignon e Spadaro (2005, p.3), compreende três elementos. Primeiro, um banco de dados com as características econômicas e sócio-demográficas das pessoas ou domicílios da região em estudo. Segundo, as regras da política a ser simulada, i.e., as restrições orçamentárias de cada agente. Terceiro, um modelo teórico do comportamento de cada unidade em resposta às mudanças simuladas. No entanto, este modelo pode ser simplificado se forem consideradas somente as mudanças em um primeiro momento, ou seja, somente as alterações orçamentárias em cada unidade, sem levar em conta as modificações comportamentais. Por exemplo, pode-se analisar as variações na renda média, pobreza e desigualdade provindas de uma política de transferência de renda, como o Bolsa Família, sem levar em conta as mudanças na oferta de trabalho, taxa de fecundidade, estrutura da família e outras alterações comportamentais. Estes modelos, conhecidos como aritméticos, são usados para analisar os efeitos de políticas tributárias, distributivas e de gastos públicos na educação e saúde. Eles podem ser complementados pela modelagem comportamental, que desenvolve, por meio de modelos econométricos, um ferramental para avaliar as mudanças de hábitos de

População Real Modelo Econométrico de Microssimulação População Simulada Medidas Agregadas Medidas Agregadas Comparação Comparação

consumo, oferta de trabalho, composição familiar e de outras alterações que poderão ocorrer devido à política a ser implantada. Em seguida, analisam-se quais as mudanças nos índices agregados em estudo devidas às alterações comportamentais das unidades. Voltando ao exemplo anterior, a política de transferência de renda a ser simulada pode alterar a oferta de trabalho, como realmente aconteceu com o Bolsa Escola, e isto deve ser previsto no modelo para se analisar qual será a nova renda média, pobreza e desigualdade. Os modelos comportamentais têm diferentes graus de complexidade. É fácil prever que em um programa como o Bolsa Escola haverá alterações na oferta de trabalho das crianças, pois este é um dos objetivos do programa. No entanto, seu impacto na oferta de trabalho dos pais, nos hábitos de consumo da família, na taxa de fecundidade, nos movimentos migratórios, na estrutura familiar, são mais difíceis de serem previstos, embora todos estes fatores possam impactar a questão da pobreza e desigualdade. Como estas mudanças acontecerão no longo prazo, podemos desenvolver modelos, denominados estáticos, para analisar o primeiro momento da adoção da política, em um ponto do tempo, e depois ampliar o estudo avaliando as mudanças que ocorrerão posteriormente, em diferentes cenários futuros, por meio de modelagem denominada dinâmica.

Desta forma, os modelos estáticos analisam os efeitos de uma mudança nas microunidades para um determinado ponto no tempo, levando ou não em conta alterações comportamentais. Como estes modelos não tem uma dimensão temporal explícita, não é possível examinar a evolução da alteração no tempo do comportamento das unidades. O modelo dinâmico permite prever a mudança do comportamento destas microunidades com o decorrer do tempo, como resposta à experiência acumulada pela unidade, ou por mudanças em condições macro, como o nível de desemprego. Desta forma, este modelo permite uma análise temporal, semelhante à de dados em painel. Em cada estágio é simulada a resposta da unidade individual, utilizando uma combinação de métodos estocásticos e determinísticos, e é medido o resultado agregado. Por exemplo, cada indivíduo, com um vetor específico de características, tem uma determinada probabilidade de ter um certo número de filhos, ficar desempregado, morrer, ou participar de outros eventos no período de tempo em estudo. Ocorridos estes eventos, estes indivíduos estarão probabilisticamente divididos em outros vetores de características, o que permite analisar o efeito de políticas adotadas individualmente ou de forma agregada na nova população assim criada. As mudanças de comportamento das unidades podem levar ao cálculo de efeitos de segunda ordem na simulação, o que pode aumentar também o grau de incerteza dos parâmetros estimados.

O primeiro passo na elaboração de um modelo, seja estático ou dinâmico, é a definição da unidade de observação. A PNAD oferece os dados ao nível de indivíduo ou domicílio, e dependendo da política a ser simulada deve-se escolher a unidade. A decisão de usar um modelo estático ou um dinâmico, incluindo ou não alterações comportamentais, depende da política que está sendo avaliada, do objetivo do trabalho que está sendo desenvolvido, da qualidade e quantidade de informações disponíveis do banco de dados que se está usando, do prazo e verba para o desenvolvimento do estudo, e dos interesses do órgão que desenvolve o trabalho. Mitton et al (2000) apresentam diferentes estudos de microssimulação, envolvendo modelagem estática e dinâmica, e apontam que os efeitos primários de uma política tributária ou distributiva podem ser avaliados por meio de uma simulação estática. Entretanto, os autores argumentam que para simular os efeitos de uma política, na qual as mudanças dependem de muitos fatores sócio-econômico-demográficos, em longo prazo, como, por exemplo, uma reforma previdenciária, é recomendável desenvolver um modelo dinâmico que inclua mudanças comportamentais. Mitton et al (2000, p.8) concluem que o segredo de construir modelos de microssimulação está em conseguir representar processos complexos de uma forma factível, dando a necessária atenção aos detalhes envolvidos.

A efetividade e adequação de um modelo são determinadas, segundo Zaidi e Rake (2001, p.18), pela sua capacidade de avaliar fidedignamente as políticas propostas, i.e., cumprir o propósito para o qual ele foi desenvolvido. Desta forma, o primeiro passo para se desenvolver um modelo é determinar claramente qual é o seu objetivo, a partir do que se pode definir quais serão os processos necessários para atingi-lo. Estes processos utilizam todo o ferramental até agora desenvolvido pela econometria e estatística, possibilitando inclusive a criação de bancos de dados compostos por diferentes pesquisas. Por exemplo, Sutherland et al (2001) reúnem uma pesquisa domiciliar de renda com uma de gastos na Inglaterra, utilizando uma técnica estatística de comparar e unir informações em bancos de dados (matching), o que lhes permite simular políticas que abarcam estes dois temas. Zaidi e Rake (2001) também prescrevem que os modelos devem ser flexíveis, possibilitando a simulação de alterações nas políticas em estudo, sem a necessidade de se criar um novo programa a cada mudança. O desenvolvimento do modelo também deve permitir sua integração com simulações macroeconômicas e a análise de diversos cenários. Outro ponto importante está na escolha da unidade de análise e do banco de dados que será usado, e Zaidi e Rake (2001) alertam que para se desenvolver a simulação deve-se estar atento às limitações das pesquisas disponíveis. Para a validação de um modelo pode-se fazer uma projeção do passado para o presente e analisar o quão factual são os resultados obtidos. Finalmente, estes autores argumentam que a

construção de modelos para microssimulação é uma técnica em desenvolvimento, e cada novo modelo adiciona algo a esta nova fronteira do conhecimento.

No entanto, as mudanças provindas de uma política pública redistributiva não afetam apenas o orçamento e as características sócio-demográficas das unidades familiares. A política proposta deve também trazer mudanças para a estrutura de salários e preços do país. Desta forma, seria necessário para uma avaliação completa desenvolver um modelo macroeconômico que também simulasse os efeitos de equilíbrio geral da economia. Labandeira et al (2006) propõem integrar as análises micro e macro para medir ao mesmo tempo os efeitos distributivos e de eficiência de uma política pública. Os autores propõem analisar o impacto de políticas por meio do uso conjunto da microssimulação para avaliar os efeitos distributivos e do equilíbrio geral29 para avaliar o impacto na eficiência da economia como um todo. Os autores realizam um exercício mudando a estrutura dos impostos indiretos na Espanha, aumentando a alíquota de combustíveis e energia elétrica e diminuindo de outros produtos. Assim, é possível elaborar uma política distributiva sem alterar a distribuição de renda. O desafio é medir os efeitos distributivos no bem estar da população da mudança de preços de produtos e serviços no mercado. Os autores mostram que interagindo os dois modelos é possível medir os efeitos ao nível macro e micro da política proposta. Nosso modelo, a ser apresentado no próximo capítulo, reconhece que tais mudanças devem ocorrer, mas será desenvolvido sob a estrutura de equilíbrio parcial, considerando o efeito no sistema de salários, devido ao aumento da escolaridade, mas sem levar em conta eventuais alterações na estrutura de preços gerais, pois esta não entra no estudo da desigualdade.

A microssimulação permite determinar claramente as alterações da renda disponível no nível da unidade individual, possibilitando uma análise detalhada dos impactos da política proposta. No entanto, ela não permite simular a resposta a esta alteração de renda na produção. Para tanto é necessário lançar mão de outras técnicas de modelagem econômica, como os modelos de entrada e saída de produção industrial e consumo. No nosso caso, estes modelos permitem analisar as alterações que ocorrerão na estrutura setorial da economia, pois a política proposta aqui afetará a função de consumo da população, devido à mudança na expectativa de renda durante o ciclo de vida do indivíduo em diferentes camadas da sociedade. Estudos posteriores a este trabalho poderão ser feitos para indicar quais os setores da economia que serão afetados e em que magnitude.

29 Por meio do Equilíbrio Geral Computável, ou Computable General Equilibrium (CGE), que se constitui em uma modelagem sistêmica da economia, com equações que descrevem relações entre diversos os agentes econômicos.

Todo modelo de microssimulação é sujeito a erros. Conforme se amplia o modelo, com introdução de efeitos dinâmicos e comportamentais, cresce a incerteza dos resultados. Mitton et al (2000) propõem o estabelecimento de intervalos de confiança nos resultados de microssimulações, mas afirmam que tal constitui-se em um desafio a ser enfrentado por futuros pesquisadores. Como há diversas fontes de incertezas, que vão desde a amostragem e coleta de dados para elaboração do banco que está sendo usado, até as hipóteses da modelagem em si, não existe ainda uma teoria estabelecida para determinar intervalos de confiança para os resultados obtidos. Conforme discutimos no capítulo 4, as PNADs, que são os bancos de dados nos quais desenvolvemos nossa simulação, têm falhas quanto à área de abrangência, à possibilidade de captar os extremos das amostras, como a renda dos mais ricos, à qualidade da informação, à dados faltantes, e outros. Outra fonte de erros provém da capacidade de previsão de comportamento do modelo adotado. Mesmo que se projetem diversos cenários, há um grau de incerteza em cada projeção. Nosso modelo também depende de projeções demográficas, que também estão sujeitas a incertezas, conforme será discutido no próximo item.