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CAPÍTULO 4 A MODERNIZAÇÃO DA GESTÃO DA UNICAMP E A EDUCAÇÃO

4.3. Análise e Discussão

Desde sua criação, a UNICAMP pautou-se pela produção do saber e da ciência e pela indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão, características do modelo de universidade moderna, conforme abordado por Pereira (2014) no capítulo 1. Foi criada com ideias avançadas para o seu tempo, priorizando sobretudo “os cérebros”, resgatando a frase célebre do Prof. Zeferino Vaz quanto à valorização do conhecimento acima de questões políticas ou financeiras.

Considerando as características muito próprias da sociedade do conhecimento, que valoriza o capital humano e intelectual e a produção do conhecimento (Shultz, 1973), as universidades têm um papel relevante nessa nova sociedade. De acordo com Castells (1999) e Etzkowitz e Zhou (2017) mencionados no capítulo 1, o novo papel das universidades deixou de ser exclusivamente de provedora do conhecimento para a sociedade, indústria e governo, passando a atuar como empreendedora, influenciando e sendo influenciada por esses segmentos. Nesse sentido, a UNICAMP, ao aproximar-se do setor produtivo e da sociedade, comprometendo-se com a contribuição para o desenvolvimento do País, antecipou-se ao conceito de universidade empreendedora por meio da tripla hélice proposto por Etzkowitz e Zhou (2017), conciliando a produção do saber e da ciência, de transmissão da cultura, de desenvolvimento do indivíduo e de formação do cidadão, com a necessidade de produção de ciência aplicada para a resolução dos problemas da sociedade, conforme também discutido por Santos (1989) e Pereira (2014).

Durante seu processo de institucionalização e modernização, a implementação gradativa de práticas gerenciais, as quais vêm sendo aprimoradas ao longo do tempo, vem se dando com base na Universidade como um espaço de reflexão teórica, reflexão prática e ação, conforme proposto por Pereira (2014) na esfera acadêmica, inclusive utilizando esse espaço também para gerar conhecimento para o aprimoramento da sua gestão.

A modernização da gestão da UNICAMP, desde a sua Reforma Administrativa no final da década de 1980 até a adoção do PLANES e da Avaliação Institucional, alinhada também a uma proposta acadêmica considerada moderna desde a sua criação, tem se dado no

contexto da modernização das universidades nacionais e estrangeiras, como mencionado no capítulo 1. Retomando Seeber et al. (2015), universidades estrangeiras consideradas de classe mundial utilizam notadamente ferramentas e métodos da Nova Gestão Pública, não sendo diferente no Brasil, onde por meio da Reforma Gerencial da década de 1990, as instituições públicas passaram a trabalhar no sentido da racionalização dos seus processos, na flexibilização de suas estruturas organizacionais, no estabelecimento de planejamento e gestão estratégicas e utilização de processos de avaliação para acompanhamento da evolução dos seus indicadores de desempenho.

A utilização desses instrumentos inspirados na NGP para obtenção de eficácia institucional e efetividade acadêmica e social, também tem ocorrido nas universidades públicas federais brasileiras, em maior ou menor grau, conforme abordado por Magro e Rausch (2012) no capítulo 1. Na esfera das universidades públicas estaduais de São Paulo, que alcançaram níveis de excelência a partir da conquista da Autonomia Universitária (PEDROSA, 2010), estando classificadas entre as melhores instituições de ensino superior do País nos rankings, a utilização de práticas para racionalização e otimização dos processos para se adequarem às estratégias de sobrevivência e crescimento, aparentemente vem dando resultados positivos.

Tendo em vista o contexto das universidades públicas nacionais e estrangeiras e as bases de comparação dos diferentes indicadores utilizados para medição da evolução do seu desempenho, as práticas de gestão utilizadas na UNICAMP parecem estar sendo satisfatórias, muito embora possam ser bastante aperfeiçoadas, especialmente as relacionadas às atividades de liderança e à captação de indicadores mais representativos das atividades desenvolvidas na Universidade.

Na UNICAMP, suas principais ferramentas de gestão – Planejamento Estratégico e Avaliação Institucional - foram customizadas de forma a promoverem um espaço de diagnóstico e reflexão sobre os problemas e estratégias para sua resolução, utilizando para isso indicadores de resultados não somente quantitativos, mas especialmente qualitativos, alinhando-se com a proposta do Projeto Qualidade da década de 1990, que visou a qualificação da Universidade em seus aspectos acadêmicos. Especificamente em relação à prática da Avaliação Institucional, o modelo elaborado pela Universidade, que vem sendo aprimorado para incorporar cada vez mais aspectos que propiciem uma avaliação mais qualitativa, serviu inclusive de referência para iniciativas nesse sentido para o sistema universitário brasileiro, demonstrando a maturidade do nosso processo e a pertinência de sua

aplicação em instituições semelhantes do País. Como afirma Musselin (2006) no capítulo 1, a utilização de mecanismos de gestão trazidas pela Nova Gestão Pública pode ser bastante útil para a gestão das universidades, ocorrendo na UNICAMP e em outras universidades estrangeiras e no País, uma forte relação entre universidades de classe mundial e a utilização desses mecanismos. (SEEBER et al., 2015; SILVA, 2016)

Esse processo de modernização da gestão e da NGP deve ser entendido também sob a perspectiva da crescente valorização do conhecimento na sociedade atual, na qual o mundo do trabalho e o perfil ocupacional dos trabalhadores sofreram transformações em relação à sociedade industrial, exigindo novas e maiores habilidades e maior nível de escolaridade para desempenho do trabalho. Nessas novas relações do trabalho, o conhecimento é considerado capital intelectual dos indivíduos e um ativo das organizações e proporcionam o seu desenvolvimento a partir dos indivíduos, nos quais são investidos recursos para seu constante aprendizado e geração de conhecimento organizacional. Nesse sentido, o papel da educação corporativa e das escolas de governo atuando na aprendizagem constante dos servidores públicos torna-se cada vez mais relevante, especialmente no caso dos gestores, em seu papel de agentes de disseminação e compartilhamento do conhecimento, contribuindo para apoiar e viabilizar os processos de mudança na gestão para sua modernização. (SCHULTZ, 1973; CASTELLS, 1999; NONAKA e TAKEUCHI, 2008; ALPERSTEDT, 2001)

Nesse contexto, a UNICAMP sempre investiu no treinamento e desenvolvimento dos seus servidores. As ações nesse sentido promovidas até o final da década de 1990 tinham características comuns aos centros de treinamento focados no desenvolvimento e habilidades técnicas para execução de procedimentos específicos ou incorporação de tecnologias nos processos, com exceção da iniciativa da criação do CEDRHU em 1988, cuja proposta continha a perspectiva de ações baseadas em política de desenvolvimento dos servidores, que não se concretizou. Tem-se assim que essa forma de atuação, com ações pontuais e específicas, é característica do modelo de treinamento para o cargo, conforme abordado no capítulo 2 por Tarapanoff (2004), Meister (1998) e Alpersterdt (2001), conceito que precede o surgimento das escolas de educação corporativa.

As informações obtidas quanto às ações desenvolvidas até o final da década de 1990 não permitiram identificar o fio condutor de todas elas e a existência de uma política que orientasse mais estrategicamente o desenvolvimento dos servidores da UNICAMP, já se sabendo da não existência de uma política de recursos humanos. Foram empreendidas muitas

ações pontuais diluídas entre cursos e programas, atendendo diferentes públicos, por diferentes instâncias responsáveis, em diferentes momentos. Nesse aspecto, não pudemos perceber a existência de continuidade nos cursos e programas oferecidos, que aparentemente se limitaram a atender o público naquele momento, não promovendo a continuidade do aprendizado e nem o acompanhamento da sua aplicação, indicando não atender, portanto, a alguns dos princípios fundamentais para o sucesso de projetos de educação corporativa propostos por Éboli et al. (2010) no capítulo 2. Dentre eles, podemos destacar, em princípio: (i) disponibilidade, que deve garantir que os cursos e programas sejam sempre oferecidos e não somente esporadicamente e (ii) sustentabilidade, princípio que deve demonstrar a efetividade dos seus resultados para que os programas não fiquem vulneráveis e suscetíveis a descontinuidades.

Da mesma forma, podemos inferir que os cursos e treinamentos não parecem ter sido concebidos de forma integrada e sistêmica, conforme menciona Wood Jr. (2014), o que poderia ser tido como um dos grandes responsáveis por insucessos nas ações de educação corporativa. Além disso, nota-se uma fragilidade do alinhamento estratégico das ações realizadas no período, cuja realização de forma adequada poderia induzir à perenidade das ações. De acordo com Éboli et al. (2010), para se realizar esse alinhamento seria necessário ter clareza quanto às diretrizes, metas e objetivos da Universidade para o seu futuro, que seria a primeira etapa para a concepção de um SEC. Contudo, como a UNICAMP até esse momento não dispunha de um planejamento estratégico com objetivos definidos, compreende-se o estágio das ações de desenvolvimento dos servidores da Universidade e sua descontinuidade, justamente por prescindir do fio condutor para orientar a continuidade dessas ações.

Contudo, a despeito dessas fragilidades, fica clara a importância conferida ao assunto pela Universidade ao investir recursos e direcionar estruturas e ações consideradas adequadas ao momento e aos movimentos vividos ao longo desse período, na tentativa de capacitar os servidores para atuar nos diferentes contextos de mudanças e prioridades, característicos de organizações complexas como a UNICAMP.

Com a criação da AFPU em 1999, intencionada a partir da elaboração de um Plano Diretor para o órgão, tinha-se a possibilidade de se estabelecer ações de desenvolvimento elaboradas de forma mais estratégicas. As premissas do Plano Diretor incorporavam aspectos importantes de universidades corporativas, conforme abordado no capítulo 2, contemplando alguns dos passos identificados por Meister (1998) para o processo

de concepção e implantação de um SEC: diretrizes, formas e instâncias de governança, serviços e programas a serem oferecidos, recursos e modelo de organização interna, parcerias a serem estabelecidas, tecnologias e medições a serem utilizadas para aferição dos resultados. A partir desse Plano foram propostos alguns programas bastante estruturados e muito parecidos com os Programas de Desenvolvimento Gerencial que estamos estudando, contendo disciplinas que poderiam integrar mais de um programa e um trajeto de aprendizado a ser seguido pelo aluno visando o seu desenvolvimento contínuo, conceito bastante disseminado em educação corporativa e ainda não existente na UNICAMP naquela época.

Todavia, ao não contemplar na Portaria de sua criação todos os aspectos mencionados no Plano Diretor, especialmente o formato e a definição dos programas que já estavam nele definidos e a implantação do Conselho Orientador, o desempenho da Agência conforme idealizado pode ter sido prejudicado, mantendo-se as mesmas características de um centro de treinamento. Nota-se também similaridade entre as Portarias de criação do CEDRHU de 1988, que não evoluiu enquanto estrutura na Universidade, e da AFPU, demonstrando que ações iniciadas e descontinuadas no final da década de 1980 poderiam ter sido retomadas dez anos depois, sugerindo a pertinência e atualidade do seu conteúdo desde dez anos antes. Tem-se assim que ambas as iniciativas, em seu conteúdo, não prosperaram como idealizadas.

A partir da adoção do PLANES e desde a sua primeira edição, constavam explicitamente ações para desenvolvimento do corpo gerencial para gestão de pessoas e para implementação de melhorias nos processos de gestão da Universidade, persistindo assim praticamente as mesmas intenções desde vinte anos antes. O primeiro diagnóstico explícito nesse sentido deu-se na Avaliação Institucional da UNICAMP de 1999-2003, o que justificou a necessidade de incorporação de ações específicas para investimento no desenvolvimento desse perfil de servidores.

Dessa forma, já a partir do primeiro ciclo do PLANES, o Projeto de Profissionalização dos Serviços da Universidade através do Desenvolvimento dos seus Recursos Humanos tinha como objetivo atuar nessa questão, propondo a realização de um processo contínuo de desenvolvimento dos servidores da Universidade. Esse processo contemplou boa parte do conteúdo proposto por Meister (1998), Éboli et al. (2010), e Wood Jr. (2014) para a formação de um bom sistema de educação corporativa: avaliação de aplicação e de resultados, alinhamento estratégico, desenvolvimento de competências organizacionais e individuais, geração e disseminação de práticas e gestão do conhecimento,

eram pressupostos desse processo.

Fazendo um paralelo com as demais organizações do País que têm ações de educação corporativa a partir do panorama apresentado no capítulo 2, temos que a proposição da UNICAMP por meio do processo de desenvolvimento de recursos humanos contempla os aspectos priorizados por essas organizações. Os indicadores apresentados pelas organizações pesquisadas revelaram que no Brasil ainda não existe uma prática consolidada para avaliação de todo o sistema de educação corporativa, limitando-se praticamente à avaliação de reação, aplicada imediatamente após a conclusão do programa (91%), com percentual das demais avaliações reduzindo-se na medida em que os níveis de avaliação vão se tornando mais complexos e trabalhosos (26% para avaliação de aplicação e 16% para avaliação de resultados). De todo modo, em que pese tais dificuldades ainda em 2015, ano da pesquisa, é importante destacar que já em 2004, ano de definição do processo de desenvolvimento de RH da Universidade, tal questão estava colocada na sua pauta.

Em termos de alinhamento estratégico e desenvolvimento de competências estratégicas por meio de seus programas, as organizações apontam percentuais da ordem de 60 a 70% para esses quesitos. Em termos de definição de políticas e procedimentos, 85% das organizações pesquisadas atuam sob esse formato, assim com 53% delas possuem um comitê de orientação. Tais princípios são fundantes da educação corporativa e, na UNICAMP, o processo estabelecido em 2004 caminhava nesse sentido, o que poderia ter contribuído para o ineditismo da Universidade comparativamente às Escolas equivalentes da USP e da UNESP, que não adotam a metodologia de educação corporativa nos seus processos de desenvolvimento. Da mesma forma, não adotam tais métodos as Escolas de Governo pesquisadas (ENAP e EGESP), especialmente levando em conta a diversidade, amplitude e tamanho do público atendido.

De todo modo, muito embora o Programa de Desenvolvimento Gerencial, que perdurou por cerca de dez anos na Universidade, seja resultado desse processo de desenvolvimento de recursos humanos, as informações dão conta de que esse processo não foi levado à frente por nenhuma instância, seja DGRH, de onde se originou a proposta, seja AFPU, órgão responsável pelas ações de treinamento e desenvolvimento da UNICAMP. Dessa forma, das quatro etapas previstas para o processo de desenvolvimento de recursos humanos proposto (planejamento, execução, avaliação do processo e atualização do processo), foram levadas à frente somente as etapas de planejamento e execução, de forma parcial. Não foi realizada a avaliação completa do Programa, que considerava ainda aplicação

do aprendizado no local de trabalho por meio de auto avaliação do egresso, de avaliação dos pares e do superior imediato, além da avaliação dos resultados obtidos na unidade ou órgão como um todo.

Tem-se assim, o que poderíamos chamar de terceira descontinuidade em relação à estruturação de um SEC na UNICAMP, relembrando que a primeira iniciativa se deu em 1988, com a criação do CEDRHU, a segunda em 1999, com a criação a AFPU e a terceira em 2004, com a elaboração desse processo no âmbito do PLANES. Todas essas iniciativas, se executadas conforme prescrito em seus diferentes documentos (portarias, planos, projetos e processos), poderiam colocar as ações de desenvolvimento dos servidores da UNICAMP em patamares diferentes dos atuais, especialmente no que diz respeito ao seu diagnóstico, continuidade e avaliação.

A partir desse painel, no próximo capítulo abordaremos a concepção e aplicação dos Programas de Desenvolvimento objetos da presente pesquisa, sob a ótica dos egressos e dos demais atores envolvidos com o oferecimento desses programas.

CAPÍTULO 5. OS PROGRAMAS DE DESENVOLVIMENTO DOS SERVIDORES