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Esta seção tem como objetivo apresentar os estudos sobre a violência no Brasil utilizando-se das pesquisas realizadas pelos Mapas da Violência, divulgados pela mídia brasileira a partir do final dos anos de 1990, data de publicação do primeiro Mapa até a sua última publicação, em 2015. As pesquisas resultaram do esforço institucional de grandes organizações, como o Instituto Sangari, a Sociedade Latino- Americana de Ciências Sociais, o Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos, a Organização Pan-Americana da Saúde e a Organização das Nações Unidas, Núcleo Mulheres. Todos esses segmentos locais e mundiais se

empenharam no intuito de pesquisar, prevenir e inibir a disseminação de um fenômeno que a cada ano no Brasil adquire proporções crescentes e assustadoras. A elaboração dos Mapas, segundo o autor, o sociólogo Julio Jacobo Waiselfisz (2015, p. 6) têm a

intenção de subsidiar uma discussão necessária, imprescindível, por parte da sociedade civil, dos aparelhos do Estado, dos Movimentos Sociais, das organizações de Direitos Humanos e dos operadores da lei sob a única premissa de que o direito à vida é um bem fundamental, sem o qual nenhum outro direito é possível.

É importante esclarecermos que o foco da nossa pesquisa não incide sobre a privação do direito à vida e também não é nosso objetivo principal tratar da violência física. No entanto, entendemos que essas duas formas de violência, seja a letal ou a física, são provocadas e provocam outro tipo primordial de violência que reverbera como um arauto e muitas vezes antecedem a agressão e o homicídio. Referimo-nos ao tema central do nosso trabalho, a violência discursivo-cultural e seus micropoderes. O discurso leva à violência física e esta realimenta o discurso violento.

Assim, nesta seção expomos o panorama geral dos números da violência no Brasil, situando o leitor no epicentro do fenômeno. A segunda parte apresenta o Mapa 2012, o primeiro dos mapas voltado especificamente para a violência de gênero. Em seguida, a apresentação do Mapa da violência 2015 homicídio de mulheres no Brasil, um estudo mais aprofundado sobre a violência letal, física e psicológica contra a mulher. Em 1998 publica-se o Mapa da Violência contra os jovens no Brasil, primeiro estudo sistemático acerca do crescimento da violência em nosso país. Na época, as preocupações incidiam sobre a relação entre a violência e a juventude: “os meios de comunicação têm privilegiado a adolescência como um momento de produção da violência, como agressora destacando seu desenvolvimento com a delinquência e a criminalidade” (WAISEFISZ, 1998, p. 11). A partir de 1998, periodicamente foi elaborada uma dúzia de Mapas da Violência, praticamente um por ano. 12 Mapas foram divulgados pela exigência forçada de dois vetores complementares: o avanço galopante das diversas formas de violência que se disseminam em nosso país e a reconceitualização da concepção de violência, já que ela vinha e continua se manifestando pelas suas mais diversas faces. Há quase 20 anos, a antropóloga e pesquisadora da violência Alba Zaluar (1997) já apresentava um divisor sobre as faces do fenômeno, pois se a “velha violência” tinha cores definidas e personagens

claros, a “violência atual” adquire nuanças difusas, ela está em toda parte, ela não tem nem atores sociais permanentes reconhecíveis nem ‘causas’ facilmente delimitáveis e inteligíveis.

Um olhar longitudinal nos Mapas revela que o foco dos estudos publicados incidiu inicialmente para os jovens, a partir do primeiro Mapa, em 1998, e seguiu os sinais da violência de trânsito, depois cresceram as pesquisas da violência contra a criança e depois migraram para a análise de homicídios com arma de fogo, até que o Mapa 2012 publicou o primeiro estudo específico sobre violência de gênero, visto os números alarmantes de assassinatos no Brasil. Em 2012, o país ocupava o sétimo lugar no ranking mundial entre as 84 nações com o maior número de assassinatos de mulheres a cada 100 mil mulheres (TABELA 4).

TABELA 4 – Taxas de homicídios femininos (em 100 mil mulheres), em 84 países do mundo

País Ano Taxa Posição

El Salvador 2008 10,3 1 Trinidad e Tobago 2006 7,9 2 Guatemala 2008 7,9 3 Rússia 2009 7,1 4 Colômbia 2007 6,2 5 Belize 2008 4,6 6 Brasil 2010 4,4 7 Casaquistão 2009 4,3 8 Guiana 2006 4,3 9 Moldávia 2010 4,1 10 Bielorrússia 2009 4,1 11 Ucrânia 2009 4,0 12

São Vicente e Granadinas 2008 3,7 13

Panamá 2008 3,7 14

Venezuela 2007 3,6 15

TABELA 4 – Taxas de homicídios femininos (em 100 mil mulheres), em 84 países do mundo (continuação)

Iraque 2008 3,2 16 Estônia 2009 3,2 17 Lituânia 2009 3,0 18 África do Sul 2008 2,8 19 Dominica 2009 2,7 20 Letônia 2009 2,4 21 Equador 2009 2,4 22 Filipinas 2008 2,1 23 Estados Unidos 2007 2,1 24 Cuba 2008 2,0 25 México 2008 2,0 26 Quirguistão 2009 2,0 27 Costa Rica 2009 1,8 28 Barbados 2006 1,4 29 República da Coreia 2009 1,3 30 Paraguai 2008 1,3 31 Chipre 2009 1,2 32 Sérvia 2009 1,2 33 Croácia 2009 1,2 34 Hungria 2009 1,2 35 Argentina 2008 1,2 36 Bulgária 2008 1,1 37 Maurício 2010 1,1 38 Nova Zelândia 2007 1,1 39 Nicarágua 2006 1,1 40 Chile 2007 1,0 41 Tailândia 2006 1,0 42 Finlândia 2009 1,0 43 Romênia 2010 1,0 44 Jordânia 2008 1,0 45

TABELA 4 – Taxas de homicídios femininos (em 100 mil mulheres), em 84 países do mundo (continuação)

País Ano Taxa Posição Sri Lanka 2006 0,9 46 Irlanda do Norte 2009 0,9 47 Eslováquia 2009 0,9 48 Armênia 2009 0,8 49 Escócia 2010 0,8 50 Israel 2008 0,7 51 República Tcheca 2009 0,7 52 Honk Kong 2009 0,6 53 Holanda 2010 0,6 54 Áustria 2010 0,6 55 Polônia 2009 0,6 56 Suíça 2007 0,6 57 Eslovênia 2009 0,6 58 Noruega 2009 0,5 59 Alemanha 2010 0,5 60 Suécia 2010 0,5 61 Malta 2010 0,5 62 Austrália 2006 0,5 63 Catar 2009 0,5 64 Peru 2007 0,4 65 Malásia 2006 0,4 66 Dinamarca 2006 0,4 67 França 2008 0,4 68 Luxemburgo 2009 0,4 69 Itália 2008 0,4 70 Irlanda 2009 0,4 71 Portugal 2009 0,3 72 Japão 2009 0,3 73 Espanha 2009 0,3 74

TABELA 4 – Taxas de homicídios femininos (em 100 mil mulheres), em 84 países do mundo (continuação)

País Ano Taxa Posição Geórgia 2009 0,3 75 Reino Unido 2009 0,1 76 Kuwait 2009 0,1 77 Azerbaijão 2007 0,1 78 Inglaterra e Gales 2009 0,1 79 Marrocos 2008 0,0 80 Egito 2010 0,0 80 Bahrein 2009 0,0 80 Arábia Saudita 2009 0,0 80 Islândia 2009 0,0 80 Fonte: Waiselfisz (2015).

O Mapa 2012, elaborado pelo sociólogo Júlio Jacobo Waiselfisz, ofereceu ao leitor dados desde 1980, os quais permitiram uma perspectiva panorâmica da violência homicida no país. O universo da pesquisa envolveu 27 Unidades Federativas, 33 Regiões Metropolitanas, 27 capitais e 5564 municípios do país. A produção de um Mapa específico para gênero foi decorrência do crescimento alarmante desse fenômeno nas últimas décadas. Para se ter uma ideia da progressão, o Mapa 2012 colocava o Brasil na sétima posição entre os países que mais matavam mulheres no mundo. Apenas três anos mais tarde, em 2015, conforme os dados da OMS, o país teve uma taxa de 4,8 homicídios a cada 100 mil mulheres, a quinta maior do mundo. Ressaltamos que os índices se referem apenas a homicídio, sem contar com as diversas outras formas de violência contra a mulher, como o estupro, o assédio sexual, o cárcere privado e a imensa variação de violência física e psicológica.

A fonte básica de todas as informações sobre homicídios divulgados em todos os Mapas publicados até hoje foi fornecida pelo Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), da Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde, pela “Declaração de Óbito” lavrada no cartório de Registro Civil e assinada pelo médico atendente que registra na certidão o tipo de morte. Pela legislação vigente no Brasil, nenhum sepultamento pode ocorrer sem esse documento. Embora essa fonte

possibilite informações, a pesquisadora Wânia Pasinato (2011) aponta que: “um dos

maiores desafios para a realização desses relatórios é a falta de informações oficiais sobre essas mortes”. As declarações de óbitos informam sobre o tipo de morte, mas

não esclarecem sobre quem cometeu o crime. As estatísticas da polícia e do judiciário na maioria das vezes não trazem informações sobre o sexo das vítimas, limitando a confiabilidade sobre o fenômeno. Com isso queremos dizer que os Mapas da Violência, ainda que tenham avançado, carecem de informações mais precisas, especialmente daquelas vindas dos órgãos públicos.

Sobre o assassinato de mulheres, o Mapa 2015 aponta para o mesmo problema ressaltado pelos estudos em 2012.

O grande problema, como já apontamos é a escassez de fontes de dados sobre o tema. A escassez das fontes disponíveis converge sempre sobre a figura das vítimas, sem referências aos causantes ou agressores, nem quais foram as motivações e as circunstâncias da violência” (WAISEFISZ, 2015).

Apenas encontrar o agressor, dando o caso por resolvido, parece contemplar apenas a dimensão jurídica desse trabalho. De outra maneira, pela perspectiva científica, as pesquisas mais recentes procuram analisar contextos, relações de violência e os discursos que engendram suas tramas. Até os anos de 1980, década em que iniciaram no Brasil os serviços de atendimento a mulheres agredidas, as concepções teóricas para o entendimento do fenômeno se apoiavam nas teorias sociológicas acerca da opressão da mulher. No entanto, segundo Machado e Magalhães (1998, p. 3):

estudos mais recentes sobre violência doméstica no Brasil, especialmente nos anos noventa, reconhecem atitudes que levam mulheres a se manterem em relações de violência e até mesmo a contribuírem para a continuidade do jogo, não só nos campos da psicologia e da psicanálise quanto no campo dos estudos de gênero e estudos feministas.

O jornal Estado de São Paulo publicou uma entrevista com a pesquisadora de gênero Margareth Rago e o diretor do sindicato dos metroviários de São Paulo Caio Peretti. Segundo Peretti, a cada 48 horas uma mulher registra um boletim de ocorrência na delegacia se queixando de ter sido “encoxada” (termo mantido na íntegra) dentro do sistema de transporte coletivo de São Paulo. Diretor do sindicato dos Metroviários há 13 anos, Peretti estima que a cada dez mulheres, oito desistem de registrar a queixa (apenas 20% registram). Na mesma matéria, a historiadora Margareth Rago, da Unicamp, diz que:

os assédios são sustentados por uma cultura machista que torna a mulher objeto e, pelo fato de que o autor dificilmente será punido. Sessenta e cinco por cento das vítimas têm entre 18 e 29 anos. No mais vão de 11 a 57 anos. Trinta e oito por cento dos agressores são identificados como ‘infratores de ocasião’ (PALHARES; DIÓGENES, 2015, p. 19).