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3. Procedimentos metodológicos

3.7 Análise dos dados

A construção de teorias na pesquisa qualitativa, ou seja, a exploração de elos entre conceitos e declarações teóricas e explanatórias, é criativa, não meramente mecânica. Conceitos são capturados, elos são explorados, criados e testados, idéias são documentadas e sistematicamente re-trabalhadas. A maioria das teorias em ciências social encontra o seu suporte no conteúdo dos dados (RICHARDS, RICHARDS, 1994).

Os objetivos da análise dos dados são os de estabelecer uma compreensão dos dados coletados, confirmar ou não os pressupostos da pesquisa e ampliar o conhecimento sobre o assunto pesquisado, articulando-o com contexto de que faz parte (MINAYO, 1993). A coleta dos dados e sua análise são atividades simultâneas na pesquisa qualitativa e se desenvolvem

num processo interativo que permite ao pesquisador produzir achados confiáveis e verdadeiros. O processo é intuitivo, visto que o pesquisador nem sempre pode esclarecer o modo como as relações entre os dados emergem, assim como a forma como insights pessoais auxiliam na condução da investigação (MERRIAN, 1998).

Nesta pesquisa, a análise dos dados dividiu-se em duas etapas. Primeiramente, apresenta-se uma descrição dos casos onde as evidências são relacionadas aos marcos teóricos e, em seguida, constrói-se um framework baseado no método de comparação constante. Para Strauss e Corbin (1998), a descrição é uma etapa importante para a obtenção de interpretações abstratas dos dados e precede desenvolvimento de teorias. A descrição também deve ser anterior à ordenação conceitual dos dados. Refere-se à organização dos dados em categorias de acordo com as suas propriedades e dimensões. A etapa descritiva possibilita aos pesquisadores diferenciarem nas categorias e entre elas, assim como mostrarem a sua variação num continuum. Na fase descritiva, adotou-se a técnica de análise de conteúdo, que pode ser definida como um conjunto de técnicas de análise das comunicações, que utiliza procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição dos conteúdos das mensagens (BARDIN, 1977). A intenção da análise de conteúdo é permitir a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção (ou, eventualmente, de recepção), que recorre a indicadores (quantitativos ou não).

Análise de conteúdo não fica apenas nas fichas, nos relatórios, nas gravações, porque sabe que isto é instrumento, vestimenta, aparência. É preciso ir além disso, de modo hermenêutico. Saborear as entrelinhas, porque muitas vezes o que está nas linhas é precisamente o que não se queria dizer [...] Levar ao depoimento tão espontâneo que a diferença entre teoria e prática se reduza ao mínimo possível, de tal sorte que aquilo que se diz é aquilo que se faz. (DEMO, 1995, p.246)

A segunda fase consistiu na ordenação conceitual sustentada por Strauss e Corbin (1998) e Layder (1993; 1998), por meio do método de comparação constante, por meio do qual se comparam teoria-incidentes e incidentes-incidentes para a geração de categorias, à luz da abordagem da Teoria Adaptativa (adaptive theory), proposta por Layder (1998). Cabe

ressaltar que a análise dos dados individuais foi submetida aos representantes da Netuno Alimentos e Queiroz Galvão Alimentos.

O método comparativo constante da análise de dados foi desenvolvido por Glaser e Strauss (1967), precursores da Grounded Theory, como meio para a construção de categorias e propriedades e das relações entre os dados. Teorizar significa gerar um grupo de categorias bem desenvolvidas, sistematicamente inter-relacionadas, que formem um framework, que explique algum fenômeno relevante de forma parcimoniosa (STRAUS; CORBIN, 1998).

A utilização de categorias visa estabelecer classificações de forma a agrupar elementos, idéias ou expressões em torno de um conceito capaz de abranger tudo isso. As categorias podem ser estabelecidas antes do trabalho de campo ou a partir da coleta de dados (GOMES, 1994). As categorias criadas nesta pesquisa foram estabelecidas após a coleta de dados, à luz das teorias do referencial teórico e tendo como base o corpus das entrevistas.

No desenvolvimento de códigos e categorias, o analista qualitativo precisa, primeiramente, lidar com o desafio da convergência e recorrer, de início, às regularidades dos dados. As categorias devem ser julgadas pela homogeneidade interna e heterogeneidade externa e, se sistemas diferentes possíveis de classificação emergem ou são desenvolvidos, prioridades são estabelecidas para determinar quais são mais importantes de acordo com a utilidade, credibilidade, singularidade, valor heurístico e viabilidade dos esquemas de classificação. O analista encerra o processo, quando as fontes de informação forem esgotadas, quando o jogo de categorias for saturado (novas fontes levam à redundância) e quando regularidades claras emergirem (PATTON, 2002).

As categorias devem refletir o objetivo da pesquisa, ser exaustivas, mutuamente exclusivas, sensibilizadoras e conceitualmente congruentes. A estratégia do método consiste em comparar o padrão de respostas entre os pesquisados, além do padrão da comparação de incidentes particulares ocorridos nas entrevistas, registros em notas de campo e documentos

com outros incidentes e padrões no mesmo conjunto de dados ou em outro conjunto. A utilização de conceitos oriundos da literatura pode ser um recurso para a realização de comparações de dados no nível das dimensões (LAYDER, 1983).

Se um conceito emerge dos dados que parecem similares ou opostos ao que está na literatura, então podem ser comparados em termos de suas propriedades e dimensões, o que possibilita ao analista diferenciar e dar especificidade ao conceito emergente. As comparações evitam distorções e atenuam possíveis vieses do pesquisador na interpretação dos dados. Para Glaser e Strauss (1967), o método de comparação constante é composto por quatro estágios, que foram utilizados na pesquisa, a saber: 1) comparação dos incidentes aplicáveis a cada categoria; 2) integração das categorias e suas propriedades; 3) delimitação da teoria; e 4) escrever a teoria.

Na etapa 1, comparação dos incidentes, foram criadas categorias à luz do marco teórico pesquisado. A comparação teoria-incidente visa codificar os incidentes comparando- os com os marcos teóricos pesquisados, que também foram levantados, uma vez que, em alguns casos, emergiram dos dados insights relevantes. Em seguida, foram realizadas as comparações incidente-incidente, que visam codificar um incidente em uma categoria e compará-lo aos anteriores nos mesmos grupos e em grupos diferentes, já codificados na mesma categoria. As comparações incidente–incidente são realizadas quando já foram criadas categorias com propriedades e dimensões definidas e identificam se um novo trecho da entrevista possui as mesmas dimensões e propriedades de alguma categoria já determinada.

Nesse sentido, foram construídas oito diferentes categorias, tendo como base o referencial teórico. São elas: a) características da localização; b) características dos recursos intangíveis; c) tipos de recursos tangíveis; d) tipos de escolhas gerenciais; e) tipos de aprendizagem; f) tipos de agentes externos; g) tipos de processo de formação de estratégias internacionais; h) características do contexto externo.

Para cada categoria, foram definidas propriedades e dimensões dessas propriedades, que serão apresentadas detalhadamente no capítulo 4, p.109. Durante a análise, a pesquisadora precisou retornar a questões e conceitos que emergiram dos dados, fato que corrobora o argumento de Layder (1998) que considera que os achados podem ser utilizados para enriquecer o conhecimento onde há lacuna teórica ou onde a literatura está incorreta ou parcialmente explica o fenômeno. O desenho do processo de análise dos dados encontra-se na figura 11 (3), a seguir, com indicativos das origens e seqüência adotada.

Figura 11 (3) – Processo de análise dos dados Fonte: dados da pesquisa (2008)

De acordo com a sugestão de Bandeira de Mello (2006), a realização das comparações teoria-incidente e incidente-incidente foi iniciada com as principais entrevistas. Considerando a etapa 2 proposta por Glaser e Strauss (1967), após a definição das propriedade e dimensões presentes na teoria e que surgiram dos dados, foram identificadas diferentes manifestações das categorias, que são compostas por combinações das dimensões das propriedades previamente definidas, o que os autores denominam de integração das categorias e suas propriedades. Após a definição das manifestações de cada categoria, todas as demais entrevistas foram analisadas e codificadas com o auxílio do software ATLAS/ti na versão 5.5, conforme o roteiro e ferramentas apresentadas por Bandeira de Mello (2006). O processo de geração das manifestações das categorias encontra-se detalhado no apêndice D, para que seja possível a

Categorias Manifestações das categorias (incidente-incidente) Dimensões das Propriedades (teoria-incidente) Propriedades (teoria-incidente)

Teoria1 Teoria2 Teoria6 Dados1 Dados2 Dadosn

Referencial teórico Análise dos dados

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Teoria1 Teoria2 Teoria6 Dados1 Dados2 Dadosn

Referencial teórico Análise dos dados

auditoria do processo de pesquisa. A seguir, nos quadros 11 (3) e 12 (3), encontra-se exemplo que demonstra como foram identificas as manifestações da categoria agentes externos.

Categoria Propriedades Conceito Dimensões das propriedades

Fonte: Literatura

Fonte: Literatura e

dados

Fonte: Literatura Fonte: Literatura e dados

Direção Os agentes externos podem ser procurados pelas empresas, que atuam de forma busca pró-ativa (PIERCY, 1981; MILES et al., 1978) ou os compradores internacionais podem tornar as empresas reativas

"compradas", (CINTRA; MOURÃO, 2007), quando recebem pedidos inesperados de exportação, o que gera um comportamento passivo e

oportunista (KATSIKEAS, 1996).

ALTO (+): agente externo foi procurado pelas empresas, comportamento reativo do agente. BAIXO (-): agente externo foi proativo, buscou empresas.

Abrangência Os agentes externos podem influenciar apenas a empresa ou o cluster como um todo (PORTER, 1989).

ALTO (+): a influência do agente externo é abrangente, influencia a indústria no país.

BAIXO (-): a influência do agente externo é limitada à empresa.

Oportunismo Identifica se a relação dos agentes externos com a empresa é de forma oportunista, numa relação que visa levar vantagens por meio da assimetria de informações (WILLIAMSON, 1993; 1994).

ALTO (+): o agente externo

considera a relação oportunista e visa levar vantagens por meio da

assimetria de informações.

BAIXO (-): a relação entre o agente externo e a empresa é baseada em elos de confiança.

Tipos de Agentes externos

Origem Identifica a origem do agente, se é estrangeiro ou da região (PORTER, 1989).

ALTO (+): a origem do agente externo é estrangeira.

BAIXO (-): a origem do agente externo é nacional.

Quadro 11 (3) – Exemplo de propriedades, conceito e dimensões da categoria tipos de agentes externos

Fonte: análise dos dados coletados

Dimensões das propriedades da categoria tipos de agentes externos

Manifestações DIR ABR OPOR ORI

Agentes oportunistas internacionais - - + +

Agentes confiáveis internacionais - +, - - +

Agentes de cooperação da indústria + + - -

Agentes contratados pelas empresas + - - +, -

Quadro 12 (3) – Exemplo das dimensões das propriedades e manifestações da categoria tipos de agentes externos

Fonte: análise dos dados coletados

Para aprofundar a compreensão dos “núcleos de sentido” das mensagens contidas nos depoimentos, as técnicas de análise de conteúdo foram submetidas ao que Minayo (1993) denomina de superação dialética. Assim, os significados manifestos e latentes foram

interpretados tendo como referência o contexto sócio-histórico. Por meio da leitura transversal foram identificadas as principais tendências no corpus. A presença de determinados temas encontra-se descrita qualitativamente e, no exame comparativo, o destaque dado a fragmentos de discursos pressupõe a apreensão do sentido desses fragmentos na totalidade do pensamento.

Posteriormente, essas manifestações das categorias foram analisadas ao longo do processo de internacionalização de cada uma das empresas, com o auxílio do software ATLAS/ti versão 5.5 e descrição dos casos, identificando-se assim, as suas relações. Diante dessa verificação longitudinal, propôs-se um framework individual para cada caso. Em seguida, realizou-se a análise comparativa dos dois casos, em que os principais pontos em comum ou contribuições teóricas foram ressaltados e constituiu-se um framework que visa explicar o processo de internacionalização das empresas nordestinas.

Quanto à generalização de resultados, vários autores de distintas correntes de pensamento, tais como, Merrian (1998), Eisenhardt (1995) e Patton (1989), entre outros, adotam uma posição semelhante com relação à validade externa da pesquisa qualitativa, ou seja, a aplicação de seus resultados a outros contextos não é automática, pressupondo-se a mediação interpretativa, a compreensão da sua especificidade, o que ressalta a importância do papel seletivo dos contextos. É a mediação interpretativa que torna possível a comparação de resultados de estudos desenvolvidos em grupos e contextos diferentes, assim como a utilização de idéias desenvolvidas numa pesquisa como instrumento para analisar outros dados. Como fatores de validação do framework, foram utilizadas as seguintes técnicas, que objetivaram aprimorar a sua qualidade e isentá-lo de possíveis vieses do pesquisador: 1) o

framework e análise dos dados foram submetidos à apreciação dos principais executivos da

empresa, que deram sugestões e confirmaram a sua validade; 2) utilização de triangulação dos dados por meio da utilização das entrevistas, reportagens e documentos fornecidos pelas

empresas; 3) a análise longitudinal permitiu a análise do processo em diferentes contextos; 4) comparação de dois casos distintos, que mesmo assim apresentaram algumas características comuns ao longo de seu processo, cujas análises proporcionaram contribuições teóricas; e 5) relatórios de auditorias do software ATLAS/ti.

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