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5. PROCESSO DE LICENCIAMENTO DO ACQUÁRIO CEARÁ

5.2 Aspectos e Contestações sobre o Processo de Licenciamento

5.2.3 Análise EIA/RIMA

Um aspecto que gerou grandes críticas em relação ao processo de licenciamento do Acquário Ceará foi a elaboração de seu EIA/RIMA pelo empreendedor e a análise crítica feita pela SEMACE. Diversos aspectos do estudo foram apontados como inconsistentes por especialistas da área ambiental, opositores ao projeto como também pelo Ministério Público Federal, como consta na Ação Civil Pública nº 3697/13 expedida pelo órgão.

Devido a magnitude do projeto do Acquário Ceará, descrito em seu EIA/RIMA como o “maior aquário do Brasil” e “o terceiro maior aquário do mundo” (THEOPHILO et, Al., 2011, pg. 8) e também tendo em vista que consta como um de seus objetivos ser um equipamento “com atividades que contemplem a educação ambiental (...) promovendo a conscientização dos usuários sobre a necessidade de preservação do meio ambiente, em especial, dos oceanos” (THEOPHILO et. Al., 2011, pg.2), vale a discussão sobre a relevância de se obter um equipamento turístico dessa magnitude e sobre sua real importância do ponto de vista da preservação de ecossistemas marinhos.

Em 1992 foi realizada a Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB), um tratado das Nações Unidas com vistas a proteção e uso sustentável da diversidade biológica, assim como a repartição justa de recursos obtidos pelo uso de recursos genéticos (MMA, 2018). A CDB desenvolveu estratégias para proteção da biodiversidade dos países signatários e descreve uma dessas estratégias a conservação in situ de espécies, descrita na CDB como:

Significa a conservação de ecossistemas e hábitats naturais e a manutenção e recuperação de populações viáveis de espécies em

seus meios naturais e, no caso de espécies domesticadas ou cultivadas, nos meios onde tenham desenvolvido suas propriedades características (MMA, 2000, pg. 9).

Em seu artigo 8o a convenção descreve que os países signatários devem,

sempre que possível:

Promover a proteção de ecossistemas, hábitats naturais e manutenção de populações viáveis de espécies em seu meio natural;

Estabelecer um sistema de áreas protegidas ou áreas onde medidas especiais precisem ser tomadas para conservar a diversidade biológica;

Impedir que se introduzam, controlar ou erradicar espécies exóticas que ameacem os ecossistemas, hábitats ou espécies; (MMA, 2000, pg. 11-12)

Como um dos países com maior biodiversidade do planeta e signatário da Convenção, o Brasil desenvolveu áreas especialmente protegidas no território, com vistas justamente a conservação dessa biodiversidade, foram as chamadas Unidades de Conservação, estabelecidas pela Lei Federal no 9.985/00.

Observa-se, entretanto, que a realização do Acquário Ceará vai de encontro ao artigo da Convenção que descreve a necessidade de impedir a introdução de espécies exóticas que ameacem os ecossistemas. Como será descrito posteriormente, o EIA/RIMA do empreendimento não citou quantas espécies seriam exatamente introduzidas no local e, portanto, não se sabe qual a real relação que esses seres terão com a biodiversidade local, relação essa que pode vir a ser muito maléfica para os seres aquáticos naturais. Como não se sabe os efeitos que a introdução dessas espécies exóticas irá causar para o ambiente natural, tal prática fere um dos princípios que baseiam a Convenção, o princípio da Precaução, que se baseia no princípio de que a incerteza científica em relação a magnitude de impactos adversos advindos de uma atividade não será razão para o adiamento de medidas para minimizar ou evitar essa ameaça (MMA, 2000, pg. 7).

Por fim, em relação a CDB, a criação de um aquário visa a conservação ex situ de espécies, partindo do fato que grande parte dessas espécies que serão trazidas pelo empreendimento são exóticas, e serão criadas em cativeiro, sendo contrária ao que se afirma nos Preâmbulos da Convenção, a dizer:

Observando igualmente que a exigência fundamental para a conservação da diversidade biológica é a conservação in situ dos ecossistemas e dos hábitats naturais e a manutenção e recuperação de populações viáveis de espécies no seu meio natural.

Diante do exposto, há o questionamento de por que o Governo Estadual priorizou um equipamento turístico de grandes magnitudes, e consequentemente grandes impactos, em detrimento da criação, por exemplo, de uma Unidade de Conservação com animais marinhos que, também, cumpriria o objetivo de conservação da biodiversidade, educação ambiental e ainda poderia incentivar a pesquisa científica nesses locais, atendendo ao que diz a Convenção na preservação in situ de espécies.

Um segundo ponto a ser analisado é a falta de estudos arqueológicos na composição do EIA/RIMA, exigido na resolução CONAMA nº01/86, como já explicado anteriormente. O fato do estudo não conter item relacionado a essas análises arqueológicas poderia comprometer a preservação de algum resquício arqueológico no local, pois não seria possível analisar os impactos decorrentes da implantação do empreendimento do ponto de vista da preservação do patrimônio arqueológico.

Segundo análise feita pelo MPF, um outro tópico que levanta questionamentos sobre a elaboração do EIA/RIMA é a definição da área de abrangência dos impactos ambientais gerados pelo empreendimento (Figura 6), que é descrita no EIA/RIMA como:

Área de Influência Direta (AID) – Corresponde a área onde o empreendimento será construído, que corresponde a 12.316 m². Área de Influência de Entorno (AIE) – Compreende um raio de 1,5 Km a partir do centro geográfico do terreno proposto para implantação do empreendimento, abrangendo o bairro Praia de Iracema e partes dos bairros: Centro, Moura Brasil, Meireles e Aldeota, bem como o mar. Área de Influência Indireta (AII) – Engloba os demais bairros do município de Fortaleza, sua Região Metropolitana e o estado do Ceará como um todo, haja vista a importância do empreendimento para o desenvolvimento econômico do estado, atraindo visitantes que tenderão a visitar outros municípios cearenses (Theophilo, et. Al., 2011, pg.13).

Figura 6: Área de Influência do Projeto Acquário Ceará

Fonte: EIA/RIMA Acquário Ceará (2012)

É possível perceber que o EIA/RIMA do empreendimento cria uma área de influência que não está prevista na legislação da resolução CONAMA nº01/86, a “Área de Influência de Entorno”, onde, inclusive, é inserida a área que abrange o mar territorial. Segundo a resolução CONAMA nº01/86 o estudo de impacto ambiental deverá:

Definir os limites da área geográfica a ser direta ou indiretamente afetada pelos impactos, denominada área de influência do projeto, considerando, em todos os casos, a bacia hidrográfica na qual se localiza.

É também descrito no estudo que o empreendimento captará água do mar através de dutos ligados a estrutura principal para abastecer os aquários e, portanto, segundo afirmação do MPF, é evidente a produção de impactos diretos no mar territorial, estando essa região incluída de forma imprópria no estudo (MPF-ACP nº3697/13 pg. 28-29).

O biólogo Daniel Santos da Silva, pós-graduando em Ciências Marinhas Tropicais no Instituto de Ciências do Mar da UFC- Labomar, fez alguns questionamentos a respeito do EIA/RIMA do empreendimento, os quais foram publicados no site do movimento “Quem dera ser um peixe” em julho de 2012 (AQUARIONAO, 2012). A primeira crítica levantada a respeito do estudo é na

fase de diagnóstico ambiental e, segundo Silva (2012), “um diagnóstico ambiental mal elaborado pode – gerando este erro consequências ambientais desastrosas–associar uma imagem negativa ao empreendimento em questão” (SILVA, 2012).

O primeiro aspecto avaliado na etapa de diagnóstico do EIA/RIMA do Acquário é a geração de ruído durante a etapa de implementação do projeto. Conforme indicado em relatório técnico emitido pela SEMACE, os impactos decorrentes do ruído são avaliados no estudo apenas em relação a circunvizinhança e, em nível de ecossistema, os ruídos são associados apenas a animais silvestres e domesticados “que circulem ou habitem na área” (SEMACE, 2011, pg.16). De acordo com Silva (2012), “o estabelecimento em questão fica numa região de faixa de praia. Os impactos sobre a fauna marinha também deveriam ter sido relatados, pois são evidentes e preocupantes” (SILVA, 2012). A importância de estudo detalhado no impacto do empreendimento sobre a fauna marinha é inclusive explicitada no parecer técnico da SEMACE, que descreve como condições a serem atendidas “ESTUDO ESPECÍFICO SOBRE O IMPACTO QUE ESTA ATIVIDADE IRÁ CAUSAR NA BIOTA MARINHA” (SEMACE, 2011, pg.44).

É também descrito no EIA/RIMA, no tópico de Previsão de Riscos que, com a implementação do empreendimento, poderá haver o afugentamento de espécies de aves migratórias e animais marinhos por conta da poluição luminosa, a dizer:

“O excesso de luminosidade age desnorteando espécies de aves migratórias, alterando seus percursos tradicionais e ainda colabora para que os pássaros fujam assustados com os focos luminosos, além de causar mortalidade de aves que perdem a orientação ou chocam- se com obstáculos que possuem excesso de luz” (THEOPHILO, 2011, pg. 19).

Ainda na etapa de diagnóstico, há a descrição do meio biótico do ecossistema local. Segundo Theophilo et. Al. (2011) apud SILVA, 2012 É usada no estudo a expressão “metodologia de caminhamento aleatório” para descrever como foi feito o levantamento de espécies locais, entretanto o autor não cita

nenhuma literatura relacionada a essa metodologia em sua descrição e, caso tenha sido feita por ele, não descreveu com detalhes no que consistia o método, o que deveria ter sido feito. Durante a descrição do tópico de “Ecossistemas Aquáticos” no estudo, é feita uma série de afirmações sem a devida fundamentação bibliográfica, ferindo os princípios de um trabalho técnico/científico. Como exemplo tem-se a afirmação:

Segundo estudiosos dos mares litorâneos abertos do Ceará, a fauna marinha é representada essencialmente por carnívoros, possuindo baixa

biodiversidade, que aumenta à medida que se atinge a plataforma externa, a uma profundidade média de 60 metros (THEOPHILO et. Al., 2011, pg. 41)

Uma outra passagem, ainda no mesmo tópico, é dita como:

Segundo pesquisas científicas, são relacionados para as costas cearenses 10 filos animais componentes do zooplancton: Protozoa, Cnidaria (larva), Ctenophora, Nemertinea (larva), Chaetognata, Echinoderma (larva), Mollusca (Heteropoda, Pteropoda e larvas de Bivalva), Polychaeta (larvas), Arthropoda (Crustacea: ovos, larvas e adultos), Chordata Larvacea (larvas e adultos) e peixes (ovos). O fato do autor responsável por essa parte do estudo não explicitar em sua narração de onde foram extraídas as referências de sua pesquisa compromete a credibilidade de seu trabalho científico (SILVA, 2012).

Um outro aspecto relevante em relação a análise do estudo é em relação ao meio biótico. É afirmado no Memorial Descritivo do projeto que serão incorporadas em média 500 espécies nos aquários, entre exóticas e nativas. Segundo o Parecer Técnico no5339 (2011, pg.26) emitido pela SEMACE para o

empreendimento “em relação à origem das espécies que farão parte do empreendimento, a maioria delas não foi identificada”, ou seja, em um estudo de prévio de impacto, não foi explicitado quais espécies habitariam o aquário e consequentemente, suas possíveis interações com o ecossistema local.

Uma crítica feita por SILVA (2012) em sua análise foi justamente o fato de o EIA/RIMA apresentar uma “Lista de Espécies” integrantes do projeto, porém não explicitar de fato quais eram os nomes científicos dessas espécies. Uma outra crítica foi em relação a uma afirmação presente no EIA/RIMA sobre a já existente criação de 5 espécies de peixe em laboratório para o Acquário, porém,

segundo SILVA (2012), “o cultivo só deveria ser iniciado depois de aprovação do EIA, afinal, caso não haja permissão do órgão competente, o que será feito com estes espécimes? ”.

A questão de descarte da água proveniente dos aquários é tópico a ser discutido em relação ao estudo. Segundo o Memorial Descritivo do projeto, “não há uma definição precisa sobre o sistema de descarte de resíduos do Acquário Ceará”. É importante salientar que o Memorial Descritivo foi elaborado após a aprovação do EIA/RIMA do projeto, como condicionante da Licença Prévia emitida e, portanto, não houve estudo no EIA/RIMA que avaliasse os impactos decorrentes dessa emissão de efluentes e de possível contaminação ou da invasão de espécies exóticas.

Em relação aos possíveis impactos do empreendimento, foram identificados no EIA/RIMA um total de 246 impactos negativos dentro de um grupo de 600 impactos totais (THEOPHILO et. Al., 2011, pg. 31). Na síntese dos impactos, o estudo destacou dois índices, ditos pelo autor como “considerados pela sua relevância e maior entendimento pelo público em geral”; o Índice de Magnitude (Tabela 1) e o Índice de Temporalidade (Tabela 2):

Tabela 1: Porcentagem de Impactos pela Magnitude

Tabela 2: Porcentagem de Impactos pela Temporalidade

Fonte: EIA/RIMA Acquário Ceará (2012)

O EIA/RIMA descreve que os impactos benéficos do empreendimento superarão os negativos e que estes últimos ainda serão minimizados pelas medidas mitigadoras propostas (THEOPHILO et. Al., 2011, pg.33). Em seu parecer técnico a SEMACE aprovou a elaboração do EIA/RIMA, afirmando que este estava condizente com o termo de referência expedido pelo órgão (SEMACE, 2011, pg. 46) e emitiu algumas recomendações, entretanto, diante do exposto, há o questionamento sobre e efetividade do estudo em avaliar os prováveis impactos do empreendimento, tendo em vista que houve uma preocupação evidente em realçar os aspectos turísticos e inéditos do projeto enquanto alguns aspectos negativos podem não ter sido estudados com o detalhe e precisão necessários.

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