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Participação Popular e os Princípios da Prevenção e Precaução

5. PROCESSO DE LICENCIAMENTO DO ACQUÁRIO CEARÁ

5.2 Aspectos e Contestações sobre o Processo de Licenciamento

5.2.4 Participação Popular e os Princípios da Prevenção e Precaução

A resolução CONAMA nº01/86 descreve as diretrizes e atividades mínimas que devem estar expostas em um Estudo de Impacto Ambiental-EIA e em seu respectivo Relatório de Impacto Ambiental-RIMA, e em seu Artigo 11, § 2º descreve:

Ao determinar a execução do estudo de impacto ambiental e apresentação do RIMA, o estadual competente ou o IBAMA ou, quando couber o Município, determinará o prazo para recebimento dos comentários a serem feitos pelos órgãos públicos e demais interessados e, sempre que julgar necessário, promoverá a realização de audiência pública para informação sobre o projeto e seus impactos ambientais e discussão do RIMA.

Empreendimentos que necessitam de EIA/RIMA são considerados com potencial de grande degradação do meio ambiente e, assim como o caso do Acquário Ceará, a participação da sociedade na realização desse tipo de empreendimento se mostra necessária já que é a sociedade que será diretamente afetada, negativa ou positivamente, pela realização do mesmo.

Em 2008, foi anunciada a realização do Acquário Ceará, com vistas a incrementar a economia do Estado do Ceará e elevar o turismo no local (GONDIM, 2012, pg.5). Segundo artigo publicado por Gondim (2012, pg.6), após o anúncio do empreendimento como “o milagre econômico” para o estado, diversos questionamentos em relação ao Acquário, inclusive em relação ao suposto crescimento econômico, foram realizados, pois segundo o autor “o governo estadual só apresentou um estudo de viabilidade econômica mais de quatro anos após o anúncio do empreendimento, e suas previsões de geração de emprego e renda não eram convincentes”.

Durante os anos iniciais, entre o anúncio da realização do empreendimento e o início do ano de 2012, as manifestações populares não atingiram grandes proporções, partindo principalmente “de setores da sociedade civil, como entidades estudantis, movimento ambientalista ou ONGs dedicadas à defesa dos direitos humanos, como o Centro de Defesa da Criança e do Adolescente” (GONDIM, 2012, pg.6). Entretanto, com o início das obras, as manifestações populares em oposição a realização da obra ganharam força e em fevereiro de 2012 o movimento “Quem Dera Ser um Peixe - QDSP” foi criado com a intenção de se mostrar como oposição ao empreendimento. O movimento era composto em sua maioria por profissionais ligados à área cultural, ambiental, estudantes e líderes da Comunidade do Poço da Draga. Acomunidade do Poço da Draga está localizada na área adjacente ao empreendimento e sofreria influência direta com a realização da obra, podendo inclusive ser removida por processo de gentrificação da área, tendo em vista que a comunidade é composta por moradores de baixa renda e o local teria uma alta valorização imobiliária com a realização do empreendimento. O movimento QSDP realizou diversos tipos de manifestações contra o Acquário, incluindo encontros semanais na Praia de Iracema, oficinas, rodas de conversa e inclusive uma manifestação intitulada

“Ocupe o Acquário”, que consistiu na realização de um acampamento na área do empreendimento, em 2013, decorrente da realização da Copa das Confederações (ACQUÁRIONÃO, 2013).

No site do movimento constam diversas instituições como apoiadoras da causa, e há, até mesmo, a criação de uma petição pública com diversas solicitações, entre elas o pedido para que a Prefeitura não concedesse alvará de construção para a obra, pedido de investigação referente a emissão das licenças ambientais, entre outros. A petição obteve mais de 2700 assinaturas (PETIÇÃO PÚBLICA BRASIL, 2018).

A participação social em empreendimentos de alto potencial degradador, principalmente públicos, é um exercício de cidadania, tendo em vista que no artigo 225 da Constituição Federal é exposto que “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações” e, apesar das diversas oposições, nada foi efetivamente alterado a fim de atender às demandas, ferindo o Princípio da Participação Popular na Defesa do Meio Ambiente.

Outros dois princípios que fazem parte do direito ambiental são o Princípio da Prevenção e o Princípio da Precaução. Apesar dos dois princípios estarem relacionados à preservação do meio ambiente e a evitar um dano ambiental, eles apresentam significados diferentes, como já foi explicado. Em relação ao empreendimento do Acquário Ceará houve uma quebra desses dois princípios, porém sob aspectos diferentes.

Partindo do fato de que as espécies que seriam introduzidas no Acquário, muitas delas exóticas, não foram exemplificadas nos estudos de impacto, como afirmado no Parecer Técnico da SEMACE e, consequentemente, não houve uma análise da possível interação desses seres com o ecossistema local, feriu-se o Princípio da Precaução. Além desse fato, os métodos de descarte de efluentes do empreendimento não foram explicados, não se permitindo saber quais os

possíveis impactos que esses efluentes causariam no oceano, o corpo hídrico receptor.

Considerando a existência de diversos aquários de grande porte, como seria o Acquário Ceará, e considerando que o mesmo levou em consideração as informações levantadas na realização desses outros aquários, pode-se dizer que muitos riscos de degradação do meio ambiente, causados por empreendimentos desse tipo e magnitude, já eram conhecidos. A crítica levantada em relação a superficialidade do EIA/RIMA apresentado pelo interessado, do ponto de vista de análise de impactos, e a supervalorização dos aspectos turísticos do empreendimento permite o questionamento em relação ao não atendimento ao Princípio da Prevenção.

Tendo em vista que o Princípio da Precaução inverte o ônus da prova (WEDY, 2017), ou seja, não cabe ao órgão ambiental provar que determinada atividade pode causar risco ao meio ambiente e sim ao interessado provar que seu empreendimento não causará danos irreversíveis ao meio ambiente, o interessado pelo Acquário Ceará deveria ter sido obrigado a esclarecer qualquer possível interação entre os animais que seriam adquiridos e a biota local, assim como relatar as interferências que o efluente gerado poderia ou não ocasionar no oceano, quando descartado.

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