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Foram realizadas três entrevistas: com uma terapeuta ocupacional, uma orientadora educacional e uma professora. A primeira entrevista, com a terapeuta ocupacional, foi realizada no Instituto Ver, local onde ela presta atendimento às crianças com baixa visão de 0 aos 6 anos de idade com foco na reabilitação visual e estimulação da visão. A entrevista durou cerca de uma hora e foi possível acompanhar a sessão de uma das crianças. A segunda entrevista, com a professora, foi realizada na Sala de Recursos da E.E.E.F. Cândido Portinari e também durou cerca de uma hora. Já a terceira entrevista, com a orientadora educacional, foi realizada na Secretaria Municipal de Educação (SMED) e durou meia hora.

Para as três entrevistas foram elaborados roteiros semi-estruturados levando em consideração a ocupação de cada uma das profissionais. Esses roteiros tinham como finalidade dar início e, quando fosse necessário, orientar a conversa, deixando que a fala das entrevistadas conduzisse as perguntas e não fosse limitada por elas.

A análise das informações coletadas está baseada nos seguintes aspectos: a aprendizagem e o desenvolvimento da criança com deficiência visual, sua alfabetização e a prática da leitura; sua inclusão na escola regular e interação com os colegas e os recursos que podem ser explorados em uma publicação com foco na inclusão desse público.

Em relação à aprendizagem e o desenvolvimento da pessoa com deficiência visual foi pontuada, principalmente pela professora e pela terapeuta, a importância da estimulação precoce da criança pela família, para que se desenvolvam as capacidades necessárias à aquisição do conhecimento e à conquista de uma maior

autonomia. Segundo elas, a escola e as instituições de assistência também contribuem para o desenvolvimento integral da criança, mas a oferta de estímulos dentro do ambiente familiar é fundamental para o processo. Sendo a convivência em família diária, os familiares ou responsáveis serão, na maior parte do tempo, os principais mediadores da criança com o entorno e aqueles que irão oferecer os estímulos necessários para que ela possa desenvolver suas capacidades e, consequentemente, conquistar sua autonomia.

A formação de conceitos e a aquisição do conhecimento foram processos associados pelas três entrevistadas à exploração tátil e cinestésica e à interação social. Segundo elas, a criança utiliza o corpo como meio de exploração e de aprendizagem, o que implica em uma oferta de estímulos concretos. Apenas elaborar definições não é o suficiente para a compreensão dos significados, é preciso que a criança tenha acesso à tridimensionalidade dos objetos.

De acordo com a professora, o livro, em seu formato convencional, explora a representação bidimensional através das imagens. Sendo assim, para que a criança cega possa compreender as mensagens imagéticas que compõe a história, se faz necessário que esses elementos sejam trabalhados primeiramente de forma tridimensional, para depois trabalhar-se o contorno das formas e então ela poderá compreender o desenho.

Pela fala das entrevistadas, pode-se concluir que o conceito é formado a partir da experimentação tátil, olfativa, gustativa, cinestésica, etc. com o auxílio da mediação. É a partir da interação com o outro que aquilo que é percebido pelos sentidos vai ser significado e nomeado. O adulto é quem vai orientar a exploração sensorial da criança com deficiência visual, fornecendo definições e fazendo associações para que então, a criança possa se apropriar do conceito.

A respeito do processo de aprendizagem da leitura e da escrita da criança cega, o conhecimento do professor quanto ao Sistema Braille foi apontado pela professora e pela orientadora educacional como um pré-requisito para a alfabetização dessa criança em uma sala de aula regular, em conjunto com as demais.

O processo de aprendizagem do braille é percebido por elas como o desenvolvimento das potencialidades do aluno, principalmente de suas capacidades de coordenação motora, percepção sensorial tátil, cognição e memória. Quanto ao tempo de alfabetização, as respostas foram divergentes: a professora acredita que o

processo ocorre ao longo do ensino fundamental e a leitura se dá de forma mais lenta, sendo a criança com deficiência visual capaz de ler poucas palavras, enquanto a criança vidente lê mais de uma frase. Já a orientadora educacional acredita que não é possível determinar um tempo para a alfabetização de nenhumas das duas crianças, nem daquela com deficiência visual, nem da vidente, afirmando que não é possível equiparar duas formas diferentes de alfabetizar.

Segundo a professora, no caso da alfabetização da criança com baixa visão, é necessário o desenvolvimento da eficiência visual e que ela adquira um autoconhecimento quanto à sua visão funcional, que varia conforme a patologia e os estímulos oferecidos à criança até então. Ainda, se necessitar de lupas para a leitura, ela irá precisar de um tempo de adequação ao instrumento. Segundo a professora, a fonte ampliada oficial é em tipografia Arial ou Verdana, tamanho 24 pontos, no entanto, na escola onde ela trabalha, durante o processo de alfabetização ou quando há a passagem da baixa visão para a ausência da percepção visual utiliza-se tamanho de fonte até 36 pontos. Outra questão trazida foi que a acentuação das ascendentes e descendestes das letras facilitava sua escrita no quadro quando ela ainda possuía visão residual. Esse destaque também foi citado no item 3.3.4 Tipografia, por Walker (2005), como uma característica importante das tipografias utilizadas em publicações infantis, uma vez que favorece o reconhecimento das letras pelo leitor iniciante.

No que diz respeito à inclusão do aluno com deficiência visual na escola regular, o relato da professora demonstra que a inclusão efetiva ainda sofre com questões funcionais e práticas, principalmente em relação ao material didático em formatos acessíveis que às vezes chega depois do ano letivo ter começado.

Na escola pública onde ela atua apesar dos alunos receberem do governo um notebook para uso individual, eles não podem levar consigo para estudar em casa. Isso, consequentemente, demanda que o aluno vá até a escola no turno inverso às aulas, o que depende de uma organização por parte da família da criança e dos recursos financeiros que a mesma dispõe. Assim, o indicado é que o aluno vá até a Sala de Recursos uma vez por semana para estudar, porém isso já se apresenta como uma desigualdade frente aos outros alunos, videntes, aos quais são oferecidos os meios para estudar todos os dias em casa. Ainda, segundo a professora, as aulas também precisam ser planejadas pelo professor com base nos princípios do desenho universal, de forma a atender a todos os alunos e não apenas

recorrer a adaptações de um planejamento pedagógico que a princípio foi pensado apenas considerando alunos com acesso visual ao conteúdo.

Dos recursos que podem ser explorados na publicação, os materiais tridimensionais acompanhados da mediação foram apontados como relevantes principalmente para a criança cega para a sua percepção e compreensão quanto aos conceitos. Já para a criança com baixa visão, o uso de cores contrastantes (e.g. amarelo e preto, azul e amarelo e branco e preto); do papel fosco; da fonte ampliada com ascendentes de descendentes em evidência; do negrito, quando necessário; de texturas e de elementos reluzentes foram os recursos citados.